O POVO POBRE CONTINUARÁ FICANDO COM O QUE "LHE RESTA" PARA MORAR.
O governo Lula anunciou o Programa Periferia Viva, ontem, no Palácio do Planalto. Com momentos em que Lula, com tanta facilidade para chorar durante certas declarações, que a gente desconfia que isso seja uma encenação, o evento tem como objetivo tentar minimizar a crise de popularidade do presidente da República.
Lula, que mencionou sua infância em Pernambuco, onde viveu numa casa sem banheiro até os sete anos de idade, fez um discurso no qual prometeu que os pobres "não serão mais invisíveis". "Nós estaremos enxergando vocês", disse o chefe do Executivo nacional. No discurso, Lula destacou:
"No Brasil, tem gente que pode escolher a sua profissão. A pessoa escolhe ser jornalista, engenheiro, sociólogo, qualquer coisa. Mas tem outra parte da sociedade que fica com o que resta. Do mesmo jeito tem gente que escolhe onde morar, escolhe o bairro, a rua, e outros ficam com o que resta".
Aparentemente, o Programa Periferia Viva soa bem intencionado, com aumento de investimentos e envolvimento de 30 ministérios, tendo quatro metas anunciadas pelo presidente brasileiro:
- Infraestrutura urbana;
- Equipamentos sociais;
- Fortalecimento social e comunitário;
- Inovação, tecnologia e oportunidades.
Mas aí perguntamos o seguinte: e a desfavelização? Não seria melhor substituir gradualmente as favelas por casas populares, com um aproveitamento de terrenos baldios e casas e edifícios abandonados para deslocar, com enorme vantagem das construções verticais, os favelados das antigas residências degradantes e precárias, demolindo os barracos e casas e promovendo o reflorestamento das áreas?
As favelas são construções caóticas, improvisadas e, de certo modo, malfeitas apesar da necessidade dos excluídos imobiliários - os trabalhadores que, em parte, até constroem edifícios, mas são impedidos, pela condição financeira precária, de morar neles - construírem algum abrigo.
Nas favelas, os caminhos são inacessíveis e perigosos, pois há escadas e pistas malfeitas, e mesmo muitas casas possuem longos acessos que dificultam a ida e vinda dos moradores. Os portadores de limitações físicas que são favelados são os mais prejudicados, diante desse sofrido deslocamento quando têm que ir e vir para fazer qualquer coisa, de trabalhar e estudar a frequentar lugares de lazer.
Nos anos 1960, a imprensa retratava as favelas como um "pesadelo social". Na época, Carolina Maria de Jesus, a negra catadora de lixo, narrava o triste drama da vida de favelado na obra Quarto de Despejo, do ano de 1960. É uma obra que, recentemente, foi descoberta pelas gerações mais recentes por conta de sua temática social.
No entanto, esse é um livro amargo, muito diferente do que a intelectualidade "bacana" e pró-brega - capitaneada pela "santíssima trindade" de Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches (o "filho da Folha") e Hermano Vianna - narrava as favelas, de maneira idealizada e glamourizada, que tratava esses locais e seus moradores como "paisagens de consumo" e "safáris humanos", rebaixando essas áreas a cenários de contemplação hipócrita de turistas e famosos ricos.
As favelas cresceram por conta da gigantesca exclusão imobiliária acumulada durante décadas. Além disso, elas refletem uma dívida social em níveis estratosféricos e catastróficos, com um custo elevado demais até para a burguesia mais rica investir.
Daí que, com tanta dívida social, a burguesia enrustida - a mesma que derrubou Jango em 1964 e hoje quer reeleger Lula - preferiu gourmetizar as favelas, transformando-as em "instituições", como se isso pudesse representar uma suposta consciência social dos detentores do poder financeiro.
Mas a verdade é que essa burguesia tida como "democrática" - e, portanto, dispensada de figurar na lista dos "super-ricos" do governo Lula - acaba defendendo as favelas em detrimento dos favelados. Os pobres sempre foram "um detalhe", para uma classe que prefere louvar "médiuns" e "madres" reacionários mas supostamente "altruístas" e exaltar o culturalismo brega-popularesco do "funk".
O Programa Periferia Viva não irá romper com o suplício das favelas, antes realizar uma "cosmética" para transformar esses lugares em áreas "agradáveis", dentro dos paliativos que permitem consumo e acesso à tecnologia, que podem até gerar uma relativa multidão de pobres "remediados", mas está muito longe de representar a verdadeira justiça social.
Dessa maneira, as favelas, permanecendo sob a reputação de pretensas "instituições", não resolvem na raiz os problemas sociais, sendo apenas alvo de programas superficiais de atendimento social. Enquanto as favelas são maquiadas para o consumo estético da classe média abastada, os favelados da vida real, mais próximos de Carolina Maria de Jesus do que do "funk", continuam ficando "com o que resta".
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