Pular para o conteúdo principal

CRISE POLÍTICA NA ARGENTINA É ALERTA PARA ESQUERDAS NO BRASIL


A crise política na Argentina, nos últimos dias, é um aviso para as esquerdas brasileiras que vivem no mundo cor-de-rosa da memecracia nas redes sociais.

Tudo começou quando as primárias para as eleições para o Congresso Nacional argentino, em 12 de setembro último, rendeu vitória para as forças de oposição ao governo atual, composta em grande parte por aliados do ex-presidente Maurício Macri.

Além disso, todos os ministros ligados à vice-presidenta Christina Kirchner renunciaram, no último dia 15, fizeram ela se desentender com o presidente, Alberto Fernandez.

Os atritos ocorrem de tal forma que Fernandez cancelou as viagens que faria fora da Argentina para evitar que a vice governe o país como presidenta em exercício.

Kirchner, por sua vez, chamou o titular de "neo", abreviação para "neoliberal", o que diz muito sobre essa "frente ampla demais" das forças progressistas que elegeram a chapa hoje no poder.

A situação não está fácil e o governo que simbolizaria um dos exemplos da suposta retomada das esquerdas na América Latina enfrenta uma séria crise política.

Eu não consigo engolir a volta "fácil demais" da esquerda na Bolívia, depois do golpe comandado pela reacionária Jeanine Añez, hoje presa.

Desconfio ter havido um acordo entre as elites golpistas e o atual presidente, Luís Arce, para a entrega de riquezas minerais para as corporações estrangeiras, principalmente as empresas de Elon Musk, o multimilionário que patrocinou o golpe contra Evo Morales.

Eu observo que as ondas golpistas pós-2013 na América Latina vieram para ficar, e desconfio da "repentina" volta das esquerdas em certos casos.

Assim como desconfio das expectativas das esquerdas brasileiras com a crença na "vitória inevitável" de Lula nas eleições de 2022.

Isso me constrange muito, porque as esquerdas brasileiras passaram a apostar em menos ativismo e mais fantasia triunfalista.

Se contentam com a vitória que não têm em mãos e é mera especulação, enquanto se recusam a lutar por uma vitória de verdade.

Lula sepultou a sua própria força de ativista, que parecia retornar nos tempos em que esteve preso e quando havia o primeiro ano da pandemia da Covid-19, criminosamente desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro.

O petista se esqueceu do passado brilhante quando ele, sozinho, falava para multidões inteiras em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

Cadê a liderança de Lula? Ele dá entrevistas e vai à praia como se tudo estivesse bem no Brasil e o combo pós-golpe de 2016 tivesse sido uma "marolinha". Grande erro estratégico.

Onde está o Lula combativo, pedindo para o povo ir às ruas o tempo todo, derrubar Bolsonaro de uma só vez, de forma constante e incansável?

Tudo virou coisa do passado. As classes trabalhadoras se sentem hoje abandonadas por Lula.

Em vez de ativismo de verdade, as esquerdas se isolam na memecracia, e se iludem, dentro de suas "bolhas", com o clima do "já ganhou", esbanjando arrogância, imprudência e triunfalismo cego.

O otimismo irreal e fora de limites das esquerdas esnoba Bolsonaro e a terceira via, como se fosse fácil Lula conquistar um novo mandato presidencial.

O próprio Lula, em erro estratégico profundo, disse que Bolsonaro "está fragilizado" e subestimou o poder da terceira via para derrotar o petista.

Precipitado, Lula já desqualifica seus rivais sem enfrentá-los.

E as esquerdas achando que terceira via são só os moleques do MBL (aqui conhecido como "Movimento Me Livre do Brasil").

Não. A terceira via não mostrou sua cara, mas elas serão várias e mais fortes do que se imagina.

O verdadeiro vencedor não virá daquele que esnoba os rivais e diz que eles estão previamente derrotados.

Lula e as esquerdas erram muito em vários aspectos, e o pior deles está em esnobar os rivais, em vez de reconhecer sua capacidade de virar o jogo e lutar para evitar isso.

Quanto às alianças, Lula comete o erro estratégico em se aliar com o primeiro que saudar o petista de maneira efusiva. Há muitos aproveitadores que se fazem de "apoiadores de Lula" em troca de vantagens espúrias.

O melhor aliado forasteiro das esquerdas não é necessariamente o sujeito efusivo de sorrisos largos e braços abertos. Não é um Eduardo Paes, não é um Mário Kertèsz, não é um DJ Rômulo Costa, não é um Bruno Ramos da Liga do Funk, não é o Armínio Fraga nem Chitãozinho & Xororó.

O melhor aliado forasteiro é aquele que, mesmo não parecendo muito entusiasmado, é aberto para o verdadeiro diálogo, que não é um "toma lá, dá cá" disfarçado de bajulações mútuas.

O problema é quando o "aliado apaixonado" de ocasião for "apunhalar" Lula pelas costas.

Lula quer uma "frente ampla demais" e isso, sem dúvida alguma, comprometerá o seu projeto político.

Lula pode ser capaz de negociar, mas vamos combinar que nenhum acordo com a direita moderada será unilateral. A direita moderada pede para que Lula abra mão de uma boa parcela de seu programa.

O certo é que Lula, diante de um Brasil devastado, por si só não fará o "governo dos sonhos" das esquerdas brasileiras.

Não há condições dele fazer "o melhor de todos os seus governos".

E Lula nem para ser realista se encorajou a fazer.

Em vez dele dizer: "Não sei se o Brasil viverá dias melhores, teremos dificuldades pesadas mas faremos de tudo para recuperar o país e fazê-lo voltar, pelo menos, aos eixos", ele vem com essa: "Nós vamos fazer o Brasil viver a melhor fase de toda sua História".

Vá sonhar demais na hora do sono!

O Brasil está em situação gravíssima, o "povo" do Instagram e WhatsApp é que pensa que não.

Estou há muitas postagens dizendo que o Brasil está social e culturalmente sucateado, e o que se vê nas redes sociais é um "estado de felicidade" onde sobram desculpas e faltam argumentos lógicos.

E é essa amarga lição da crise da Argentina que pode pegar as esquerdas brasileiras de surpresa.

Enquanto o Brasil insistir em se comportar como um doente terminal que se levanta para fazer um cooper no calçadão da praia, viveremos dias piores.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

O ETARISTA E NADA DEMOCRÁTICO MERCADO DE TRABALHO

É RUIM O MERCADO DISCRIMINAR POR ETARISMO, AINDA MAIS QUANDO O BRASIL HOJE É GOVERNADO POR UM IDOSO. O mercado de trabalho, vamos combinar, é marcado pela estupidez, como se vê na equação maluca de combinar pouca idade e longa experiência, quando se exige experiência comprovada em carteira assinada até para coisas simples como fazer cafezinho. O drama também ocorre quando recrutadores de "oficinas de ideias" não conseguem discernir reportagem de stand up comedy  e contratam comediantes para cargos de Comunicação, enganados pelas lorotas contadas por esses humoristas sobre uma hipotética carreira jornalística, longa demais para suas idades e produtiva demais para permitir uma carreira paralela ou simultânea a gente que, com carreira na comédia, precisa criar e ensaiar esquetes de piadas. Também vemos, nos concursos públicos, questões truncadas e prolixas - que, muitas vezes mal elaboradas, nem as bancas organizadoras conseguem entender - , em provas com gabaritos com margem de