Infelizmente, a música popularesca é o "novo normal" no Brasil. A MPB, que antes fazia a cabeça dos jovens de outros tempos, hoje está em segundo plano. A multidão brega-popularesca se multiplicou de tal forma que os veteranos precisam se relançar com uma imagem gourmetizada, como se eles fossem mil vezes melhores do que a sua inerente mediocridade artística não consegue esconder. Ver que barbaridades como Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó são considerados "sofisticados" é vergonhoso.
A música popularesca pode parecer "mais divertida" para muita gente. Os empresários dos chamados "sucessos do povão" conseguiram criar mecanismos para fazer os sucessos popularescos agregarem mais gente, invadindo até mesmo os ambientes universitários, fazendo com que os estudantes das universidades hoje em dia tenham um gosto musical mais deplorável do que o gosto musical que os secundaristas (hoje estudantes de ensino médio) tinham há 60 anos.
Num país em que o Coldplay, hoje um dos maiores símbolos do mainstream, é considerado erroneamente "rock alternativo", até porque o grupo não serve de alternativa ao que faz sucesso hoje, já que o próprio grupo de Chris Martin é o próprio hit-parade personificado, o nível de desinformação dos brasileiros, aliado a uma mídia cultural incompetente e inimiga do bom jornalismo, fazem com que qualquer porcaria comercial vire "vanguarda" só porque lacra nas redes sociais.
A música popularesca não é a cara definitiva do Brasil, não é a cultura de verdade e nem conquistou o mundo com sua "alegria" (lembrando que até a sofrência breganeja se insere neste contexto de "alegria", falso remédio para o raivismo prosaico dos anos bolsonaristas), como tentam sugerir eventuais episódios envolvendo ídolos popularescos.
Tivemos Chitãozinho & Xororó tentando arriscar o mercado Tex-Mex com o codinome José & Durval ("José" leia-se na pronúncia espanhola, "Rossé", e "Durval" se lê com o "l" dito quase com a língua entre os dentes, como fazem os gaúchos aqui no Brasil). Michael Sullivan começou quando o Ivanilson dos Fevers foi gravar música romântica comercial, junto a uma leva de imitadores do pop romântico estadunidense.
Depois tivemos É O Tchan fazendo vexame no Festival de Montreux, em 1996. Alexandre Pires cantando para George W. Bush. Ivete Sangalo cantando para turistas brasileiros no Madison Square Garden. Mr. Catra se apresentando para cariocas e paulistas em Dublin. Ídolos popularescos em geral fazendo turnê pela Europa em biroscas de baixa categoria, embora retornem ao Brasil sempre com aquela conversa de pescador alegando que "conquistaram o mundo".
Agora temos também o "fenômeno" Anitta, que aqui reflete um grande mal-entendido, pois a cantora se projetou nos EUA dentro de um restrito nicho de ídolos juvenis comerciais para um público concentrado na Flórida e no Texas. E a coisa ainda ficou mais restrita quando a cantora carioca passou a ser empresariada pelo despótico Max Martin (mentor de um repetitivo e excessivamente coreográfico pop juvenil pós-1997). Nada de comparar a "MC Larissa" com Carmen Miranda ou Astrud Gilberto.
E agora? Dois exemplos recentes tentam nos fazer crer que os sucessos musicais popularescos "ganharam o mundo", demonstrando sua "grandeza cultural" países afora. Tratam-se da tendenciosa participação do funqueiro MC Bin Laden na música "Controllah" dos Gorillaz (projeto liderado pelo músico britânico Damon Albarn, do Blur) e o cantor Donald Smith, o "American Cowboy", que faz versões em inglês de canções brasileiras, em maioria esmagadora de sucessos popularescos.
MC Bin Laden, não se sabe com que negociação, foi emprestar sua voz á música dos Gorillaz, em falsa conquista comparável à participação de Alexandre Pires num dueto com Rod Stewart. São coisas que servem mais para o mercado brasileiro, para fazer notícia na mídia daqui. Mesmo assim, MC Bin Laden repetiu a mesma atitude triunfalista chata de dizer que o "funk" obteve "seu reconhecimento pelo mundo".
Já Donald Smith é um farmacêutico, filho de uma brasileira e um estadunidense, que, nas horas vagas, investe em música, fazendo versões de sucessos da música brasileira. Na maioria das vezes, são músicas popularescas, embora houvesse alguma Bossa Nova ali ou algum baião autêntico, como o "Pagode Russo" de Luís Gonzaga.
Donald, o "American Cowboy" ("Vaqueiro Americano"), alega que está "dando o troco" nos brasileiros, gravando versões em inglês de sucessos brasileiros, invertendo a lógica habitual daqui. E o cantor versionista avisa que também faz trabalho autoral, mas sua influência vai mesmo a ritmos como o piseiro e a sofrência. Ele tem um canal no YouTube que faz sucesso entre o público jovem popularesco.
Estes fenômenos são apenas comerciais, dentro do contexto de uma mídia centralizada nas redes sociais. Mas lacração não é vanguarda, e queiram ou não queiram os mileniais e a Geração Z, a música de sucesso que consomem é comercial, sim. Nada de bancar o malcriado e acusar de comercialismo as disputas de músicos de classic rock pelo legado de antigas bandas.
Temos que ser realistas e parar de fingir que esse Brasil que existe hoje, medíocre, idiotizado e precarizado tem condições para conquistar o Primeiro Mundo. Não tem. E a música brega-popularesca não está conquistando o mundo, seu sucesso internacional sempre foi falso ou, quando muito, um mal-entendido movido por circunstâncias diversas.
Nosso Brasil continua no culturalismo vira-lata, um triste fenômeno que vai muito além de noticiários hidrófobos, humorismo sociopata e propagandas fascistas. O culturalismo vira-lata inclui muita coisa "legal" que se deixa passar porque não se fala o idioma do hidrofobês. Mas "bons" vira-latas culturais continuam sendo vira-latas, não vão conquistar o elevado pedigree da grandeza mundial. Não dá para fingir grandeza com precarização. Esse fingimento não é triunfo, é arrogância.
Comentários
Postar um comentário