No culturalismo vira-lata brasileiro, a "boa" sociedade dá o tom de seus hábitos dotados de um viralatismo nunca confesso. Os avós consomem falsas psicografias trazidas por "médiuns consagrados", escritores medianos que usam os nomes dos mortos para fazer proselitismo cristão rasteiro e se promover com assistencialismo fajuto e promessas ilusórias de "paz mundial". Os pais acham que Waldick Soriano e Michael Sullivan são "melhores" que Tom Jobim.
Tudo num culturalismo "clássico" que, só por ser antigo, muitos errônea e enganosamente veem como "coisa boa". E tudo num contexto em que boa parte dos nossos empregadores urbanos sonham com um profissional tipo Danilo Gentili, que seja piadista entre um trabalho e outro, e quando nossa imprensa, em parte, cancela os jorrnais e revistas impressos, enquanto os supérfluos "livros para colorir", com papel de material mais caro, continuam desperdiçando, sem necessidade, matéria-prima e energia elétrica para a produção dessas publicações "anti-estresse".
E os filhos? Nesse cenário do Brasil culturalmente devastado, as gerações mais recentes, de gente nascida sobretudo de 1978 para a frente, mostram uma maioria de pessoas idiotizadas, alienadas e desinformadas, que todavia expressam sua tirania social impondo sua "verdade absoluta" munidos da Síndrome de Dunning-Kruger, problema psicológico que faz com que pessoas ignorantes se julguem "mais sábias" do que pessoas realmente sabedoras da vida.
A degradação cultural que vemos vem em doses homeopáticas. Em quase 60 anos de degradação, o Brasil desceu a ladeira de forma lenta, segura e gradual, com a "boa" sociedade, a elite do atraso que se recusa a ser chamada por este nome, elegendo a Era Geisel (1974-1979) como seus "anos dourados", sem admitir isso formalmente.
E aí tivemos a degradação política e institucional da "revolução democrática" de Primeiro de Abril de 1964 até a inauguração oficial do AI-5, no começo de 1969. O ufanismo brega do "milagre brasileiro" e a expansão da cafonice televisiva na Era Geisel, a gourmetização do brega, a supremacia dos fenômenos popularescos dos anos 1990 para cá, sustentado pela campanha do chamado "combate ao preconceito" da intelectualidade "bacana" e pró-brega de 2002 para cá (ver Esses Intelectuais Pertinentes...,, versões Amazon e Clube de Autores).
Foi esse discurso choroso de intelectuais clamando para a aceitação submissa aos fenômenos popularescos - tinha até o apelo, dado às vezes com raiva, noutras aos prantos, de que "ninguém precisa gostar (dos fenômenos popularescos), mas tem que se aceitar", repetindo o apelo de pais conservadores quando empurravam goela abaixo os remédios amargos para seus filhos - que fez o Brasil despencar abismo abaixo culturalmente falando.
Pois há vários subprodutos desse culturalismo vira-lata não assumido, que a sociedade finge acreditar que só existe no noticiário político, na propaganda política autoritária ou na educação familiar, ignorando que muita coisa "legal", de "médiuns" a mulheres-frutas, passando pelos milionários craques do futebol atual, fazem parte desse culturalismo vira-lata.
O mais recente subproduto é a funqueira MC Pipokinha, que leva às últimas consequências o processo de idiotização cultual dominante. Ou seja, toda aquela chorosa campanha "contra o preconceito" resultou nesse "Frankenstein fenomenológico" que se tornou a jovem funqueira, alvo de escândalos nas últimas semanas, depois que várias apresentações em diversas cidades do Brasil foram canceladas.
A funqueira, mistura de cosplei de garota-mangá e jovem tatuada, faz o chamado "funk proibidão", com ênfase na erotização, através de cenas de sexo oral realizadas em pleno palco. Certa vez, uma garota do público foi convidada a fazer o referido ritual com a funqueira, que se apresenta ao lado de um grupo de dançarinos.
Outra baixaria foi um vídeo em que MC Pipokinha sugere atos de zoofilia, quando dois gatos apareceram beijando os seios da funqueira. E, com tanta baixaria, Pipokinha ainda cometeu hipocrisia, quando, numa entrevista, condenou o assédio sexual e aconselhou as mulheres a não usarem roupas curtas. Pipokinha usava roupas curtas em suas apresentações, que soavam praticamente como orgias pornográficas.
O som de MC Pipokinha é tão ruim que até o "funk" já começa a ficar mais "polido". A última geração do "funk" tenta emular o hip-hop brasileiro com som de teclado imitando batida de lata de conservas imitando percussão hindu, com os MCs interpretando com sua invariável voz de adolescentes. Ou seja, se o "funk" é sempre ruim, com MC Pipokinha ficou ainda pior. Até o Kondzilla, agora também uma produtora cinematográfica, já reclama da reputação de "canal de funqueiro"...
MC Pipokinha nasceu com o nome de batismo Doroth Helena de Sousa Alves, tem 25 anos, é natural de Tubarão (SC) e, mãe solteira aos 16, tem o filho sob os cuidados da mãe da entertainer. A gota d'água para o seu problemático sucesso, bem de acordo com a idiotização sociocultural nas redes sociais, se deu quando a funqueira catarinense fez uma declaração infeliz sobre a profissão de professor:
"Ser professora tem que amar muito a profissão, porque ouve desaforo dos filhos dos outro (sic), tem nada pra fazer em casa mesmo, tem que ser professora. E ainda receber o que um professor recebe, que é quase nada. Professor é humilhado pra c******* só de ser um professor. Meu baile está R$ 70 mil: 30 minutinhos no palco, eu ganho R$ 70 mil. Ela não ganha nem R$ 5 mil sendo professora às vezes. Precisa estudar muito".
O comentário irônico, que soa tipicamente bolsonarista - embora hoje seja lugar comum atribuir a sordidez brasileira ao bolsonarismo - , é uma ofensa para a classe dos professores, pois os docentes vivem uma realidade dramática no nosso país.
Os professores vivem uma sobrecarga profissional, precisam memorizar e planejar o que vão ensinar, muitas vezes precisam trabalhar mais para ter salários menos precários e isso impede que eles se reciclem de maneira adequada nos seus conhecimentos.
Pode parecer preguiçoso, mas a maioria dos professores tenta economizar tempo bolando trabalhos em grupo, nos quais os alunos é que aprendem a ensinar, procurando fazer pesquisas, ou, infelizmente, arremedos de pesquisas, e em muitos casos com apenas parte do grupo bolando realmente o trabalho, quando muito uma ou duas pessoas.
Trata-se de uma "cadeia" de precarização da educação pública, mas que também encontra similar na educação particular, como também nos sistemas de saúde público e particular, onde certos serviços hospitalares ou clínicos privados se precarizam nos atendimentos, com os conhecidos problemas de baixa qualidade e falta de eficiência que não raro matam várias pessoas pelo descaso médico ou pela burocracia e falta de atendimento num lugar que sugere a transferência para outro.
Mas os professores também têm que enfrentar estudantes estúpidos, turrões, birrentos, preguiçosos, de péssima formação familiar. E isso quando não se fala em estudantes violentos, que ameaçam até a vida dos docentes, que nos subúrbios têm que viver um clima de muito medo. Em certos casos, também em escolas particulares. E a realidade dos atentados escolares dos EUA já começa a ocorrer no Brasil.
Quanto à MC Pipokinha, ela leva às últimas consequências as baixarias que se via no É O Tchan, na Valesca Popozuda, na Mulher Melão, nos "bailes funk", nas suingueiras do "pagodão" baiano, nas "aparelhagens" da pisadinha. A jovem funqueira que zombou dos professores ainda fez vídeos "adultos" nas redes sociais nos quais ela fez um papel da menor de idade que era levada pelo pai para se prostituir.
Isso significa que MC Pipokinha levou para os níveis extremos todos os aspectos que a intelectualidade "bacana", em seus "respeitáveis" estudos ou artigos, definiu como "combate ao preconceito", em que o alcoolismo era visto como "consolação" para os problemas pessoais dos homens adultos e a pedofilia nos "bailes funk" e no "pagodão", uma "saudável aula prática" de "educação sexual" das jovens da periferia.
A própria "provocatividade" de vários desses jornalistas culturais, antropólogos e cineastas, tidos como "unanimidades intelectuais", criou condições para o surgimento de MC Pipokinha, como criou condições, anos atrás, para a ascensão de Jair Bolsonaro. Dessa forma, temos que reconhecer: os intelectuais "bacanas" quiseram dar um tiro no preconceito e acertaram no Brasil, que está em estado grave.
"Combate ao preconceito" foi desculpa para os intelectuais, a mídia e o mercado empurrarem os fenômenos popularescos para públicos com maior poder aquisitivo. E MC Pipokinha é apenas uma entre tantas aberrações desse culturalismo vira-lata que poucos têm coragem de chamar pelo nome.
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