O GRUPO DE SAMBREGA JEITO MOLEQUE.
Sete anos antes do grupo Sambô passar vergonha ao fazer sua versão em clima de churrasco da laje da dramática canção do U2, "Sunday Bloody Sunday", com seu inglês de cursinho que não percebeu que, por trás da pronúncia "correta" da letra, havia uma temática trágica nos versos escritos por Bono Vox, outro grupo também explorou uma canção dramática num clima de "pura alegria".
Trata-se de outro grupo de "pagode romântico" ou sambrega, o Jeito Moleque, que em 2005 gravou sua versão para "Marvin", conhecido sucesso dos Titãs que, na verdade, é uma versão de "Patches", originalmente composta por Ronald Dunbar e General Johnson, e foi gravada três vezes, a primeira pelo grupo Chairmen of the Board, a segunda por Clarence Carter, na interpretação mais famosa, e na terceira, pelo grupo de reggae King Sounds & the Israelites, esta a fonte para a versão que Nando Reis e Sérgio Brito fizeram para os Titãs gravarem no LP de estreia, em 1984.
Pois o que pouca gente percebe é que, por trás do arranjo aparentemente alegre da gravação dos Titãs - que ganhou uma versão definitiva na regravação no álbum Go Back, de 1988 - , há uma letra triste, uma temática bastante trágica, não bastasse o nome Marvin fosse uma homenagem ao cantor Marvin Gaye, assassinado no mesmo ano da primeira versão da banda brasileira.
A temática de "Marvin", semelhante à de "Patches", aborda a vida de um menino pobre, que, sendo o mais velho dos irmãos que viviam numa área rural, era obrigado a zelar por eles e lutar pela sobrevivência. No enredo da letra de Reis e Brito, o jovem Marvin perde o pai e, depois, a mãe, e certa vez, no duro trabalho no campo, um forte temporal destruiu a lavoura e, a certas alturas, o protagonista depois se vê obrigado a roubar carne para sobreviver. Uma análise da canção está disponível no portal Letras.Mus.Br.
Isso mostra o quanto a mediocridade cultural de um Brasil devastado pode fazer, quando grupos comerciais com postura animadinha vão gravando canções sem perceber o que elas estão dizendo. Ver, no antigo Domingão do Faustão da Rede Globo, Zezé di Camargo e sua filha Wanessa cantarem "Como Nossos Pais", de Belchior, foi constrangedor, assim como as versões de Daniel e Chitãozinho & Xororó para "Disparada" de Geraldo Vandré.
"Como Nossos Pais" é uma letra que Belchior escreveu desiludido com os descaminhos da Contracultura, marcados pela acomodação da juventude brasileira nos tempos do desbunde. "Disparada" é uma canção contra o domínio latifundiário e a exploração desumana dos trabalhadores rurais.
É certo que, lá fora, também há a enganosa apreciação de músicas com ritmo alegre e letra triste. Vide "Hey Ya", do Outkast, a respeito de uma triste ruptura de uma relação amorosa, cuja narrativa destoa completamente do ritmo festivo da canção. E a canção "Every Breath You Take", do Police, sobre a postura tóxica do stalker, o personagem-narrador da letra de Sting, que é enganosamente tocada em casamentos.
Mas aqui a coisa é braba, e aqui alertamos para o caso de "Marvin", tocada de maneira animada na versão do Jeito Moleque, sem perceber que se trata de um cotidiano trágico que os pobres vivem no Brasil. Só que vivemos num país cuja "boa" sociedade acha a pobreza linda, não é mesmo? Faz sentido essa elite do atraso que não quer ser conhecida por este nome achar que as periferias vivem num eterno Carnaval. Pura falta de consciência social. E esse pessoal todo apoia o governo Lula!...
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