O Brasil está culturalmente devastado. Essa é uma realidade, exceto para a fantasiosa classe média medíocre, a elite do atraso que não quer ser conhecida com este nome porque senão ela chora. Essa elite acha que o Brasil está culturalmente a caminho do paraíso, trajeto predestinado inevitavelmente mas temporariamente interrompido com eventos como a Covid-19 e o trágico falecimento da cantora breganeja Marília Mendonça.
Essa elite, que quer um Brasil arrumadinho só para ela, consome mediocridade cultural 24 horas por dia, num contexto em que o Big Brother Brasil virou a "Hollywood do viralatismo cultural", produzindo subcelebridades em quantidades industriais.
Nos EUA, celebridades adolescentes ou no começo da maioridade etária dos 18 aos 21 anos, mesmo alguns ex-astros mirins, estão ouvindo o rock de qualidade dos anos 1970 e 1980, desde um classic rock do meio da década até o pós-punk dos anos 1980.
Reflexos disso estão no resgate de canções esquecidas em trilhas sonoras de filmes, como "Running Up that Hill", canção de 1985 da britânica Kate Bush, no seriado The Stranger Things, e, agora, "Goo Goo Muck", canção de 1981 da banda estadunidense de psychobilly Cramps, no seriado Wandinha (Wednesday). O detalhe, sobre os Cramps, é que a banda encerrou em fevereiro de 2009 devido ao falecimento do vocalista Lux Interior, um homem que usava sapatos de salto alto enquanto sua esposa, Poison Ivy, era a guitarrista.
São nomes difíceis para pessoas que eram crianças no decorrer dos anos 1980, que em maioria infelizmente se deixou levar pelo pragmatismo mainstream dos anos 1990 e só depois começou a abrir o leque no seu gosto musical. Mesmo assim, é uma geração que chegou aos 40 anos preferindo ouvir Backstreet Boys e Britney Spears do que o rock alternativo britânico dos shoegazers da mesma época.
E isso cria frutos como se vê na jovem atriz McKenna Grace, conhecida como a menininha loura de Crash and Bernstein, seriado do Disney XD de 2012-2013, e, recentemente, como a Phoebe Spengler de Ghostbusters: Afterlife. Também cantora, musicista e compositora, ela inicia carreira oficialmente lançando o EP Bittersweet 16, cujas músicas às vezes soam como a new wave de 1979-1980 e, as mais lentas, influências dos Beatles da segunda fase. "Post-Party Trauma", por exemplo, soa influenciada por "Across the Universe" e, em parte, por "She's Leaving Home".
As gerações recentes se comoveram quando músicos como Ric Ocasek, dos Cars - que a geração que foi jovem nos anos 1990 só conhece como o "produtor do Weezer" - , Pete Shelley, dos Buzzcocks, e Tom Verlaine, do Television, nos deixaram. Mas aqui, no Brasil "culturalmente paradisíaco", um gigante como Erasmo Carlos se foi sem receber as devidas homenagens.
Aqui, um one-hit wonder como Gabriel Diniz e seu medíocre forró-brega da música "Jennifer" (do refrão "O nome dela é Jennifer"), recebeu mais homenagens, apesar da curta carreira e de um sucesso que está destinado ao esquecimento.
E isso mostra o quanto o cenário brasileiro está ruim, pois o que temos como "vintage" são coisas do nível de ruindades como Chitãozinho & Xororó e Bell Marques. O que temos para fazer frente ao grandioso Burt Bacharach, que nos deixou este ano? Michael Sullivan?
Temos um "vintage" vagabundo, marcado pela gourmetização de um humor como o mexicano Chaves, tão antigo que o som original da claque parece gravado nos anos 1950. O seriado durou de 1971 a 1980 e só o brasileiro médio(cre) das redes sociais é que pensa que o humor de Roberto Bolaños é "humorismo de vanguarda". O seriado tem suas virtudes, mas vamos combinar que soa muito antigo. Mesmo no Brasil, um seriado desse formato teria sido feito pela TV Tupi ou TV Record por volta de, pelo menos, 1957.
Aqui no Brasil também tem a "peculiaridade" de superestimar o cantor Michael Jackson, que não foi o "gênio absoluto" que tanto falam. O cantor teve virtudes, mas já no Thriller o finado astro pop foi tomado pela megalomania e, depois, sua vergonha em ser negro o forçou a ser um falso roqueiro, imitando primeiramente Elvis Presley e, depois, Mick Jagger, até o dito "rei do pop" viver seus últimos quinze anos de vida como uma subcelebridade.
O farofeiro Guns N'Roses, em outra "exclusividade" brasileira, foi aqui considerado "rock clássico". Eu não me esqueço quando eu, tentando vender meu zine O Kylocyclo (diferente do blogue homônimo), em 2001, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, um rapaz foi folhear um exemplar e, ao ver uma matéria que diz que Guns N'Roses não é classic rock, o cara fez uma cara de quem recebeu a notícia da morte da mãe dele. Um universitário, pasmem!
E ver que nomes como Outfield e Johnny Rivers são supervalorizados no Brasil, quando eles são inexpressivos lá fora, a ponto da canção "Do You Wanna Dance", originalmente gravada e composta por Bobby Freeman em 1958, tornou-se sucesso estrondoso através da versão dos Beach Boys, seminal banda de rock californiana que o brasileiro médio(cre) só conhece pela música "Barbara Ann". E isso apesar de discos mais ousados como Pet Sounds (1966) e Wild Honey (1967).
Aqui o saudosismo se dá, agora, pelo revival da música brega-popularesca de 1990, dentro de uma perspectiva em que a música popularesca terá outra ênfase diferente da do breganejo quase sempre bolsonarista. A sofrência não sairia totalmente de cena, mas só seria aproveitada a parcela de intérpretes que não compartilham do raivismo bolsonarista.
E temos o brega-vintage de É O Tchan, Chitãozinho & Xororó, Bell Marques, Benito di Paula etc, do qual o critério de pretenso saudosismo é puramente pessoal: é a música que marcou o nascimento do filho de alguém, ou a transa sexual de um tiozão com uma ex-namorada que sumiu da vida dele, ou a noitada naquela boate da moda que acabou de fechar as portas, ou da primeira vez que fulano almoçou, num domingo de Sol, lagosta a rodízio com fartas doses de cerveja. Uma "nostalgia de resultados", a serviço das impressões solipsistas dos brasileiros.
E aí as ênfases musicais mudam, com ritmos que agora simbolizam a "alegria dos novos tempos". Mantém-se o brega-vintage quase todo, tomando cuidado para, no caso da dupla Leandro & Leonardo, não ir além de "Entre Tapas e Beijos" e "Pense em Mim", evitando o risco de esbarrar nas aventuras bolsonaristas do cantor remanescente e, daí em diante, se deparar com outro cantor do tipo, Rick, da dupla Rick & Renner, fazendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (hoje encrencado com o escândalo das joias de sua mulher Michelle) chorar.
O "pagode romântico", o "divertido" brega de Joelma, ex-Calypso, a axé-music ou o pop pós-breganejo de Luan Santana, sem falar da cereja do bolo da choradeira "contra o preconceito", o "funk", agora procurando novas reservas de mercado, depois que a superexposição do "funk carioca" permitiu a mudança de foco para o "funk ostentação" paulista, que agora pode passar o bastão para a cena amazonense tutelada pelo grupo Funkeiros Cults.
Com o "bom momento" cultural que vivemos, a relação de negócios travestida de "inclusão cultural" que são as parcerias entre popularescos e MPB voltou a ocorrer. O ídolo sambrega Salgadinho se tornou o mais novo nome do "imitasamba", pastiches do samba acessível feito originalmente por nomes como Zeca Pagodinho e Jorge Aragão. Joelma vai se apresentar com a cantora emepebista Mariana Aydar, no Festival Turá, aqui em São Paulo.
Mesmo na confusa "música provocativa", espécie de vertente identitária-militante da "MPB carneirinha", a tendência é similar: temos o caso de Johnny Hooker decidir fazer uma apresentação em tributo à Marília Mendonça, cantando o repertório conservador da finada cantora para um público mais afeito à causa LGBTQIA+, o público-alvo de Pabblo Vittar, cantor travesti que faz questão de ser referido por pronomes femininos.
Além disso, temos também a volta da axé-music, e a música "Haja Amor" (dos simplórios versos "Eu queria ser abelha pra pousar na sua flor"), de Luís Caldas, voltou a viralizar na Internet. Depois do cantor de sambrega Leandro Lehart forçar a barra se autoproclamando "alternativo", seu contemporâneo Luís Caldas veio com a pretensão de dizer que "não faz popularesco comercial", mesmo o axézeiro, com todo seu pretensiosismo artístico eclético, sendo, na verdade, tão comercial quanto a Bovespa. Tudo naquela história da carochinha de que "ser esquisito" é ser anti-comercial.
Enfim, é tudo negócio. Mas como no Brasil impera a norma trazida pelo verso irônico de Ruy Guerra, na canção musicada por Chico Buarque de Hollanda, "Não existe pecado no lado de baixo do Equador", título da canção homônima popularizada por Ney Matogrosso (grande cantor, mas que cometeu o erro crasso de gravar "Amor Perfeito", de dois compositores bregas, Michael Sullivan e Paulo Massadas, e outros dois, falecidos pasteurizadores da MPB, Lincoln Olivetti e Robson Jorge), aqui "não" temos cinema comercial nem música comercial.
Para todo efeito, temos que acreditar que as comédias tolas da Globo Filmes são "herdeiras" do Cinema Novo. Ou que toda a breguice musical, incluindo a axé-music dos mais-do-que-datados Bell Marques e Durval Lélys, são "herdeiras" do Tropicalismo. E há toda uma preocupação em gourmetizar o lixo musical popularesco, coisa que não deve ser entendida como "inclusão social" ou "ruptura de preconceito", mas puramente de relações de negócios aqui e ali. É tudo por dinheiro.
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