Temos um "desenho" sociocultural que ainda remete ao "milagre brasileiro ". As narrativas que prevalecem hoje, sob o pretexto de serem "universais" e "populares", "acima dos tempos e dos grupos sociais ", foram plantadas por uma elite de classe média abastada brasileira que se acha dona de tudo: da verdade, do povo pobre, do mundo, da História, do futuro etc.
Há muita estranheza nas críticas de nosso blogue ao culturalismo conservador de hoje, pois muitos acreditam num "culturalismo sem cultura". Os "brinquedos culturais " que alternam o profano da música popularesca com o sagrado do obscurantismo religioso, estando entre eles o fanatismo em dimensões surreais pelo futebol, dão o tom dessa realidade de catástrofe cultural que nenhuma chuva de dinheiro liberada pelas torneiras mecânicas da Lei Rouanet irão resolver.
O Brasil, bem ou mal, enfrenta a necessidade de mudanças de paradigmas, mesmo que a maioria esmagadora dos brasileiros resista com mãos de ferro a tais exigências. O conservadorismo que contamina até setores das chamadas esquerdas progressistas desafia muitos a abrirem mão de certas paixões, ainda que reneguem romper com as mesmas, que ficam guardadas nos seus porões mentais
Os "heróis" dessa "boa" sociedade ainda são os de cerca de 50 anos atrás. Ídolos religiosos, esportivos, musicais e comportamentais personificam um conservadorismo suave que, só por supostamente fazer o povo pobre sorrir, é erroneamente tido como "progressista" e "democrático".
No meio do caminho, a campanha do "combate ao preconceito" que reciclava todo o lixo culturalista sob a desculpa da "diversidade democrática", acolhendo fenômenos musicais, religiosos e comportamentais que já abordam negros, mulheres, a comunidade LGBTQIA+ e os pobres em geral de maneira pejorativa, esbarrou no golpismo político de 2016 e da vitória eleitoral do bolsonarismo.
E aí a sociedade "sem preconceitos" teve que descartar 30% de seus "heróis", decepcionada com o apoio ao bolsonarismo que mostrou um reacionarismo oculto entre aqueles que a "boa" sociedade acreditava fazerem o povo pobre sorrir.
Varios "CPFs" foram cancelados sem que a "boa" elite do atraso, que não admite ser assim chamada, rompesse estruturalmente com o sistema de valores que produziu esse fã-clube de Jair Bolsonaro. Apenas se livra de quem se revelou bolsonarista, como um Zezé di Camargo que um dia chegou a enganar as esquerdas.
Mesmo assim, há vários nomes ultraconservadores, mas que soam agradáveis às esquerdas e a setores "isentos" da "boa" sociedade, que não são descartados. Eles apenas deixam de ser mencionados para não gerar brigas, mas como eles levantam a bandeira do não-raivismo e fazem - ou fizeram, no caso de já falecidos - o pobre sorrir, eles continuam sob a afeição secreta desta "boa" sociedade e dispensados de pagar o ônus do culturalismo vira-lata do qual fazem ou fizeram parte.
E como se livrar desses entulhos "agradáveis", num país em que mulher-objeto é "feminista", feminicidas "não podem morrer" e Conhecimento é apenas um rótulo para um engodo místico e religioso?
Será difícil, pela teimosia daqueles que sempre conviveram de maneira tranquila com o culturalismo pós-Médici que se consolidou entre 1974 e 1979 e criou uma forçada tradição sociocultural que, ultimamente, anda demonizando tudo aquilo que representasse algum avanço social.
Demonizam-se o ISEB, o CPC da UNE, a Bossa Nova (sobretudo João Gilberto e Tom Jobim), a Legião Urbana, o Paulo Freire, a Elis Regina, o Raul Seixas, a Fluminense FM, o João Goulart, o Juscelino Kubitschek. Estão inventando até que o Rock Brasil é uma grande farsa, tudo para forçar o público roqueiro a aderir ao popularesco farsante, mas economicamente sustentável.
A situação brasileira de hoje não deixou de ser frágil em relação a 2016. As contradições do governo Lula - do qual muitos se iludem com os erros do presidente, acreditando serem "estratégicos" - criam dificuldades para o Brasil decolar e nosso caminho para ingressarmos no Primeiro Mundo, tido como uma certeza absoluta por muitos, será uma grande e frustrante miragem, pois estruturalmente o país anda sucateado, cheio de entulhos culturais que insistem em serem preservados.
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