IMAGENS DE VÍDEO EM QUE DUAS ALUNAS RIDICULARIZAM UMA COLEGA DE FACULDADE POR ESTA TER 40 ANOS DE IDADE.
Em Bauru, no interior paulista, um caso de humilhação pelo etarismo ocorreu há poucos dias. Três estudantes gravaram um vídeo ridicularizando uma colega de 40 anos, dando dicas de "como desmatricular" a colega da faculdade onde estudam. A faculdade em questão é a de Biomedicina, e a instituição, a Universidade do Sagrado Coração, a Unisagrado, existente há 70 anos na cidade.
O mais assustador é que uma das garotas tem aparência de "nerd", o que mostra o quanto esta palavra perdeu o sentido no mundo, principalmente no Brasil. Aqui, o termo "nerd" é pretexto para valentões brutamontes quererem bancar os engraçados, enquanto dão surra ou fazem deboches de rapazes que antes representavam este termo popularizado pelo seriado Big Bang Theory.
No vídeo, uma garota dava as dicas da tal "desmatrícula" enquanto as duas interagiam nas gozações e nas mensagens irônicas e ofensivas. Uma delas falou: "Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada". Outra, concordando, disse: "Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade". Outro comentário de uma delas foi que a quarentona "não sabia usar o Google".
O vídeo causou revolta nas redes sociais. Uma jovem afirmou que ficou "p****", porque sua mãe de 50 anos se prepara para entrar na faculdade. Já a sobrinha da universitária de 40 anos escreveu uma mensagem indignada:
"Ela sempre teve o sonho de estudar e nunca teve oportunidade. Hoje, ela conseguiu entrar em um curso que ela sempre quis e estava muito feliz e animada para começar as aulas, e daí surgem três meninas que só vivem na própria bolha, gravando vídeo zombando pela minha tia ser a mais velha da turma".
A mesma jovem cobrou da Unisagrado uma posição, quanto ao episódio:
"Que tipo de tratativa vocês vão dar para essas alunas de vocês? Que tipo de profissional essas meninas vão ser? Fico indignada".
A Unisagrado chegou a emitir um notificado, depois da repercussão do caso, sem mencionar este episódio, mas alegando que não compactua com qualquer tipo de discriminação: "Para começarmos esta conversa, deixamos claro que não compactuamos com qualquer tipo de discriminação". Nas imagens que ilustram a postagem, uma parte do comunicado diz:
"As oportunidades NÃO SÃO IGUAIS (grifo da instituição) para todo mundo em todos os momentos da vida. Sabemos, por exemplo, que os pais, muitas vezes, abrem mão da sua formação para oferecer as melhores oportunidades para seus filhos e, somente depois, optam por se profissionalizarem".
O etarismo é uma espécie de fenômeno que envolve dogmatismos e preconceitos, para o bem e para o mal, quanto à idade de mais de 40 anos. Envolve desde regras rigorosas mas obsoletas de comportamento social dos "coroas" até a disciminação social contra eles.
Há quase vinte anos, observava folheando a revista Caras de uma geração de empresários, médicos e economistas casados com ex-modelos, atrizes ou jornalistas bem mais jovens. Talvez constrangidos a serem maridos dessas jovens, esses homens, na casa dos 50 anos de idade, forçavam no protocolo etarista de serem forçadamente "granfinos", usar sapatos de couro o tempo todo e gostar somente de coisas "mais antigas".
Nascidos na década de 1950, esses homens, que eram os "mauricinhos" dos anos 1970 que ouviam disco music e eram garotos que amavam os Eagles e os Doobie Brothers, se encanaram, por volta de 2003, 2004, a dizer que "sempre gostavam de jazz" e a citar referências adultas do seu tempo de infância, como Norman Mailer, Guimarães Rosa etc.
Até o Millôr Fernandes eles pegaram no meio do caminho, pós-Pasquim, já nos tempos da revista Veja. Eu, pelo menos, como pesquisador pude acompanhar, mesmo tardiamente, o Millôr do Pif-Paf, além de pesquisar também textos da revista Pasquim.
Infelizmente, o etarismo cria protocolos que fazem com que, independente do talento de certos artistas, seja obrigatório gostar de suas músicas, com o mesmo modo imperativo do alistamento militar. Para quem nasceu nos anos 1950, há a "obrigação" de gostar de Frank Sinatra. Para quem nasceu nos anos 1960, deve-se gostar de Elton John. Há também o caso de mulheres nascidas nos anos 1980 que são "obrigadas" a gostar de Beyoncé e, no Brasil, dela e de Ivete Sangalo. Em todos os casos, gostar desses cantores deixa de ser uma livre escolha para ser uma "imposição da idade".
E tudo com direito a muito pedantismo, no caso das pessoas serem do sexo masculino e exerçam profissões de empresário ou profissional liberal. Tem médico nascido nos anos 1950 falando da Nova York dos anos 1940 como se tivesse passado umas férias de inverno lá. Tem empresário nascido em 1968 ou 1969 fazendo charminho tentando fazer crer que não foi para o Festival de Woodstock de 1969 por não ter aceitado convite. Fetos ou bebês convidados a ir a um festival de música?
Muitos desses "coroas" caíram no ostracismo por forçarem a barra querendo bancar os "coroas à moda antiga", subindo no pedestal da suposta maturidade, machucando os pés com o uso excessivo de sisudos sapatos de couro e exibindo falsa erudição só para fazer bonito diante dos outros e compensar a sina de terem se casado com meninas mais novas?
Daí que o etarismo forçado jogou para o ostracismo os maridões de atrizes, ex-modelos e outras famosas mais jovens que eles. Eles não conseguiram convencer com a falsa sofisticação que de fato nunca tiveram, pois se tivessem seus filhos seriam pessoas bem melhores culturalmente. Esses "coroas" nos prometeram um novo Kubitschek e nos presentearam com Bolsonaro. E vários desses grisalhos, não todos, mas em boa parte, fizeram parte da retomada ultraconservadora de 2016-2020.
Eu farei 52 anos daqui a uma semana. Não me sinto obrigado a ser um "coroa à moda antiga". E não vejo problema em pessoas com mais de 40 anos entrarem na faculdade. Em 1990, eu, com 19 anos, tove uma colega de 44 e me dava bem com ela, não havia o menor provlema. Aliás, do jeito que está nossa sociedade hoje em dia, pessoas de 40, 50 ou até idosos precisam voltar à universidade como um ato de humildade, coragem ou simplesmente para arejar a mente ou evitar o mal de Alzheimer. Cada vez mais a gente velha precisa, hoje em dia, reviver o cotidiano juvenil das faculdades.
Além disso, nas classes populares, muita gente não consegue ter as mesmas oportunidades que outras, e com isso muitos deixam de cursar faculdades porque precisam trabalhar e cuidar dos filhos. Só depois dos 50 anos muitos têm o tempo disponível para cursar faculdades, e sempre é tempo para investir nessa etapa da trajetória escolar.
Vejo o quanto a vida após os 40, 50 anos em diante está mudando muito. A velhice está mudando, para o bem e para o mal. A maturidade, descobrimos, não é um patrimônio da velhice, mas uma interpretação para realizações na vida feitas geralmente entre os 25 e os 45 anos. Dá para envelhecer com saúde e dá para ir ao Lollapalooza com 70 anos sem o menor constrangimento pessoal.
O problema são os preconceitos e os paradigmas de velhice que envelheceram mal. No mercado de trabalho, há um grande preconceito com quem tem mais de 40 ou 50, e eu senti isso quando fui a uma oferta de emprego e fui recusado por causa da idade. Temos um Brasil velho e apegado a velhos valores em todos os sentidos. 1974 foi o ano que ainda não acabou para uma grande parte de brasileiros.
Hoje o mercado de trabalho é um tanto esquizofrênico. Na melhor das hipóteses, exigem ao mesmo tempo um trabalhador mais jovem e mais experiente, uma equação muito difícil. Ainda mais quando se exige coisas surreais como ser poliglota, pilotar avião só para trabalhar indo de moto ou camioneta entregar mercadorias, ou então entender de aplicativos de Informática que ninguém ouviu falar. Por exemplo: "Comente sua experiência com aplicativos como Bubble, GogX, WinLoser e Interactor".
Em outros casos, os empregadores querem um "humorista" que "brinque" com os colegas, sob o pretexto do "espírito de equipe". Há os concursos públicos que parecem não saber buscar o candidato desejado e acabam aprovando aqueles que não só contribuem pouco para a instituição como vão nas redes sociais falar mal dela pelas costas.
E é irônico que Lula, ao não querer fazer rupturas estruturais, pouco se preocupa com esse preconceito profissional contra quem tem mais de 50 anos. Irônico, porque Lula, visivelmente doente, apresenta um padrão antigo de envelhecimento que hoje não condiz com pessoas de sua idade, 78 anos. Hoje Lula tem a aparência que corresponde a um homem de 95 anos, conforme pude ver em inúmeras fotos recentes.
Claro, pela idade ele pode muito bem exercer a Presidência da República normalmente, mas nota-se que Lula, pessoalmente, já está cansado e não cumpriu o tão prometido ritmo de "40 anos em 4" de sua campanha eleitoral. Preferiu requentar programas sociais de sua grife - Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida etc - enquanto se arrisca a viajar para falar com autoridades estrangeiras, compensando o pouco empenho pela "reconstrução do Brasil" com pretensas façanhas internacionais. De positivo, Lula age para reduzir juros e preços de combustíveis, entre outras coisas.
Lula, apegado a velhos padrões da política, além de ter passado a aceitar conceitos neoliberais em seu projeto político, graças às alianças com a frente ampla, segue valores conservadores, sobretudo em relação à devoção religiosa e ao fanatismo pelo futebol. Nos mandatos anteriores, ao menos, o projeto político de Lula lembrava o de João Goulart, descontada a sabotagem cultural da intelectualidade pró-brega. Hoje Lula soa mais como um Fernando Henrique Cardoso fazendo "tudo pelo social".
O conservadorismo de nossa sociedade se reflete no "deixa pra lá" do não-raivismo, no qual apenas se combate alguma coisa quando ela tem a assinatura direta ou indireta de Jair Bolsonaro. Esquecemos agora que muitos reacionários mirins da Internet se escondem hoje na "isenção política" ou mesmo no pretenso esquerdismo.
Em 2007, os internautas que tentaram me humilhar na comunidade Eu Odeio Acordar Cedo, do Orkut - sim, o "paradisíaco" Orkut abrigava o "tribunal da Internet" - antecipavam o comportamento bolsonarista, mas o protocolo etarista da relativa juventude, que inclui gente de 18 a 35 anos em média, ainda não podia defender uma "juventude de direita", daí os fingidos ataques ao imperialismo capitalista e às pretensas adorações a Lula, Che Guevara e Fidel Castro.
Em vários aspectos, o Brasil devastado pela ditadura militar gerou, pelo menos, seis gerações perdidas. Os nascidos nos anos 1950 e 1960, que em maioria foram para a faculdade para obter emprego e não para aprenderem humanismo, não contribuindo para seus filhos e netos terem uma cultura melhor. Com isso, as gerações nascidas nos anos 1970, 1980, 1990 e 2000 tiveram uma porção influente de pessoas culturalmente precarizadas, mesmo não agindo como sociopatas.
Afinal, existe uma MC Pipokinha fazendo baixarias e ofendendo professores e animais. E existem as aluninhas da Unisagrado humilhando uma colega por preconceito etário. Mas há também um quadro de cultura popularesca, de obscurantismo religioso, de tendenciosismo jornalístico, de sensacionalismo midiático que, desde o AI-5, contaminou corações e mentes e "construiu" o Brasil decadente cheio de referenciais duvidosos.
Em 1963, sim, havia discussões para reconstruir o Brasil que a República Velha devastou, rompendo com os precários, mas de certa forma benéficos, progressos do Segundo Império. Discutíamos cultura, num processo depois ridicularizado, quatro décadas mais tarde, pela intelectualidade pró-brega amestrada pelas elites da Faria Lima que manipulavam setores das universidades públicas, a partir da Universidade de São Paulo.
Com a ditadura militar, o Brasil culturalmente se devastou e, hoje, é tanta sujeira que as pessoas preferem tirar apenas as sujeiras mais extremas, deixando boa parte do entulho culturalista que foi introduzido desde o fim dos anos 1960, mas que virou o "novo normal" do âmbito cultural, musical, religioso etc.
Mas é preciso rever até mesmo esses valores. Afinal, aceitar a degradação cultural sob a desculpa de "combater o preconceito" não permite resolver as distorções, impasses ou mesmo tragédias sociais do nosso país.
Muito pelo contrário, permitir a degradação cultural do passado, agora gourmetizada por um "saudosismo de resultados", só faz com que nosso país caminhe sempre para o despenhadeiro, pois em dado momento a permissividade da mediocrização e da idiotização cultural vão gerar sociopatas de toda espécie.
Lembremos sempre que Jair Bolsonaro surgiu das sombras desse "combate ao preconceito".
Comentários
Postar um comentário