A vida nos ensina que, diante de certas urgências, se deva estabelecer prioridades. Isso significa abrir mão de certas medidas e decisões, para se concentrar em algo considerado mais importante. Nem sempre na vida se pode fazer tudo que quer, ainda mais de uma vez.
Ontem, véspera da Assembleia da ONU, na qual Lula fará um discurso de inauguração, a Folha de São Paulo publicou um texto, com base em informações trazidas pela Controladoria-Geral da União (CGU), que aponta que o presidente brasileiro gastou mais do que Bolsonaro, Temer e Dilma Rousseff no uso do cartão corporativo.
Embora os dados sobre os valores gastos sejam sigilosos, o Palácio do Planalto sinaliza que boa parte do dinheiro foi aplicado em viagens ao exterior. O atual governo nem chegou ao décimo mês e Lula já realizou 19 viagens, e corre uma notícia de que o presidente irá adquirir um avião com valor milionário, com escritório dentro.
Segundo a matéria de Folha, Lula gastou, em média mensal, R$ 1,1 milhão, 100 mil a mais que Jair Bolsonaro em relação ao mesmo período. Michel Temer gastou R$ 584 mil no mesmo período e Dilma Rousseff, R$ 905 mil. Em sete meses, Lula gastou R$ 7,99 milhões do cartão corporativo, se aproximando dos R$ 8 milhões que Jair Bolsonaro gastou em doze meses, no ano passado.
A Secretaria de Comunicação do Governo Federal (SECOM) rebateu a notícia, dizendo que "As despesas pagas nos primeiros sete meses deste ano são inferiores aos valores registrados no ano passado, passando de R$ 8,8 milhões em 2022 para R$ 7,99 milhões em 2023".
A SECOM também afirmou que "também é incorreta a afirmação de que o governo Lula 'quebrou o sigilo dos extratos dos cartões corporativos' das gestões anteriores e que as informações referentes ao atual governo 'são ultrassecretas".
O mesmo comunicado conclui: "É importante destacar que a maior parte das despesas realizadas com o CPGF no exercício de 2023 refere-se a serviços de apoio de solo das aeronaves em viagens internacionais, resultado do intenso trabalho em curso pela atual gestão para retomar as relações diplomáticas do Brasil com o mundo, abandonadas nos últimos anos".
Só que o problema é esse. Com a necessidade de reconstrução do Brasil, que deveria obrigar o presidente Lula a concentrar suas atividades dentro do país, adiando a política externa para o ano seguinte. Em vez disso, Lula levou cinco meses para anunciar medidas em favor das classes trabalhadoras e nove meses para anunciar um programa nacional de combate à fome.
Lula se comporta como se o Brasil já tivesse alcançado a prosperidade. E quer agora "mundializar" suas propostas de governo - lembrando que o petista foi eleito em 2022 sem apresentar um programa de governo, requentando projetos de grife como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida - , como o "plano mundial de combate à fome" e o "trabalho decente", além de outras medidas de caráter ambiental.
Querendo obter o prestígio internacional, Lula imagina que ser personagem histórico é como competir numa gincana. Não é. Seu trabalho em obter prestígio no exterior, diferente dos mandatos anteriores, que tinham lá sua razão de ser, não é um fenômeno espontâneo, mas um fenômeno calculado, mais próximo de uma competição escolar do que de um processo natural de transformar a História.
Façanhas históricas não se calculam. Elas acontecem. E Lula anda sendo duramente criticado pelo excesso de viagens. Fora da bolha dos que têm condições para usar as redes sociais o tempo todo - a "boa" sociedade burguesa de uma classe média abastada e megalomaníaca - , Lula perde popularidade e não consegue satisfazer a população.
O método "tudo ao mesmo tempo agora" de Lula pode prejudicar o Brasil por não ter a estratégia de adotar prioridades certas, pois não dá para fazer todas as coisas de uma vez. Pela natureza das necessidades, a política externa é que deveria vir depois, mas foi ela que veio primeiro, enquanto os benefícios do povo brasileiro se tornam apenas mornos.
Pela frequência com que eu vejo trabalhadores tristes e sem-teto resmungando e gritando de agonia e revolta, e vendo que a violência em Salvador disparou e, no Rio de Janeiro, mais uma criança, a menina Heloísa, de apenas três anos, é morta pela violência policial, soa ofensivo festejar algo que não ocorreu ainda de maneira definida e definitiva, que é a reconstrução do Brasil.
Reconstruir o Brasil mantendo uma velha ordem social, de uma classe que, ao longo dos séculos, açoitou escravos, pediu a queda de João Goulart e defendeu o AI-5, mas botou suas sujeiras debaixo do tapete para apoiar cegamente o governo Lula - a ponto de não suportar qualquer crítica a este governo - , é algo que não faz sentido nem produzirá efeito, pois até os heróis dessa elite do bom atraso são essencialmente os mesmos da Era Geisel.
Lula realiza uma luta desesperada para ser um grande personagem histórico para enfeitar as enciclopédias do futuro. Mas faz isso de maneira calculada, o que nada tem de histórico, e, o que é pior, cometendo erros diversos, mais preocupado com sua projeção pessoal do que em cuidar dos brasileiros. Isso já faz do governo Lula 3.0 o pior dos três mandatos e o juízo da História nem sempre é generoso com aqueles que tentam obter prestigio a todo custo. Com excessiva grandiloquência, Lula abriu mão de seu bom passado e, querendo ser gigante, será conhecido, na posteridade, como um lamentável anão político.
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