Um incidente provocou, dias atrás, a demissão de uma diretora da creche municipal Luíza Barro de Sá Freire, localizada no subúrbio de Costa Barros - na região de Irajá, a mesma que inclui Honório Gurgel, "berço" da cantora Anitta - , no Rio de Janeiro.
A diretora, Fernanda Alvarenga, estava muito animada durante um evento em que um grupo, que inclui pessoas fantasiadas como bichinhos, estava dançando ao som de "Toma Rajadão", de Pedro Sampaio com participação da DJ Thaysa Maravilha. As crianças, menores de até seis anos, tinham que ouvir o constrangedor "funk" com letras erotizadas como esse trecho:
"Desce, sobe, toma rajadão. A segunda maravilha acabou de terminar. Agora ela tá solteira e ninguém vai segurar. Vai bate, vai bate com a bunda no calcanhar".
Até a Prefeitura do Rio de Janeiro manifestou preocupação. Felizmente, os tempos são outros, quando o assédio sexual, a erotização infantil e o assédio moral, entre outros procedimentos tóxicos revelados nos últimos dez anos, fez uma boa parcela da sociedade não engolir essa de que erotizar crianças e objetificar o corpo feminino são "sinônimos de liberdade e ruptura de preconceitos". Hoje já se critica isso com um embasamento mais sólido que não permite mais acusações de "preconceito" aqui e ali.
Mas existe a tentação da nossa intelligentzia, a intelectualidade autoproclamada "mais legal do Brasil", em botar tudo na conta de Gregório de Matos, poeta baiano falecido há mais de 300 anos e cuja lápide está desaparecida, mas que é sempre chamado para socorrer os intelectuais "bacanas" no seu desespero de blindar as baixarias musicais. Ou seja, nem há como Gregório se revirar no túmulo se ele está desaparecido. Gregório deve estar se revirando de outro jeito.
Gregório jogava palavrões e temas eróticos em sua poesia, mas ele o fazia com algum apuro artístico, diferente do "vômito poético" que, postagens atrás, mostrei do ex-vanguardista Rogério Skylab, candidato a disputar, com o quase xará Roger Rocha Moreira, o título de músico (outrora) talentoso mais ressentido nas redes sociais.
A intelectualidade pró-brega é voltada a esses desvarios. Devem lamentar a demissão da diretora e creditar a medida como "a fúria moralista de uma sociedade careta e preconceituosa", que impede as crianças humildes de "conhecer as maravilhas do funk que só traz alegria e vigor para a criançada".
Isso lembra muito quando eu, em Salvador, num sábado na altura da Boca do Rio, um "centro espírita" (sim, isso mesmo) promoveu uma caminhada filantrópica infantil, com várias criancinhas acompanhadas dos pais percorrendo a Avenida Otávio Mangabeira ao som de sucessos do É O Tchan, horrendo grupo que tenta vender uma estética mais colorida do que o do filme da Barbie para mascarar seu repertório erotizado visando assediar o público infantil.
O que é lamentável é que o É O Tchan, que passou o bastão para o "funk" na campanha pela erotização infantil, integra a falsa vanguarda dessa nostalgia de proveta ao lado de Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó, com Gretchen promovida a influencer. Uma pretensa moda "vintage", um "saudosismo de resultados", que mais parece conversa para boi dormir diante da mentira de que tudo isso era valioso, "cultura de alto nível".
Fica até fácil pagar atores para dançar o "funk" e as "evidências" dos breganejos paranaenses, e influenciadores digitais ficarem exaltando Sullivan, o mesmo que foi denunciado (sem creditar o nome) por Alceu Valença sob acusação do então produtor querer destruir a MPB.
Mas como no Brasil há o hábito das galinhas aplaudirem a raposa depois que ela invade o galinheiro, Michael Sullivan virou "gênio da MPB", É O Tchan comemora 30 anos (na verdade, 28; o grupo obteve este nome e a proposta estética em 1995, pois antes o grupo se chamava Gerasamba) vendendo falso saudosismo e o "funk" é sempre visto como "genial" e "libertário".
Diante dessa suruba toda, a conta fica para ser paga por gente falecida há décadas ou até séculos, seja Chiquinha Gonzaga, Oswald de Andrade e, principalmente, Gregório de Matos, convidado pelos nossos "renomados" intelectuais (comandados pelo coitadista de plantão Paulo César de Araújo) a passar recibo por causa das baixarias contemporâneas do "funk".
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