O que é um pelego? O termo está quase em desuso, num Brasil em que a gíria "balada" (© Jovem Pan) se desgasta e põe no ridículo as pessoas que mencionam esse jargão para definir festa noturna, mas é um jargão próprio do proletariado, por sinal abandonado pelo presidente Lula.
O termo se refere a um assento que o cavaleiro usa para ter conforto na hora de montar um cavalo. No vocabulário das classes trabalhadoras, é aquele representante dos proletários que, negociando com os patrões, acaba cedendo aos interesses do patronato. Note-se que os benefícios que o pelego arruma para os colegas trabalhadores - os "companheiros", no antigo vocabulário sindical dos petistas de raiz - não são anulados, mas se tornam menores e mais restritos do que o esperado.
Lula atua como um pelego. Ele empolga, até com certa cegueira, a classe média abastada de esquerda, que são os apoiadores orgânicos de Lula, e as esquerdas festivas e híbridas, essas de uma classe média mais "heterogênea" ideologicamente, descendente das elites conservadoras que pediam a "democracia" para derrubar João Goulart, enquanto hoje se empenham em usar a "democracia" para eleger Lula, que por sua vez apostava numa "democracia de cabresto", de candidato único.
Escrevo isso porque Lula, mais uma vez obcecado em política externa, achando que pode cuidar do mundo deixando os brasileiros ao léu, se encontrará esta semana com o presidente dos EUA, Joe Biden, para discutir um "plano global de trabalho decente". E isso depois de assinar acordos com Cuba. Lula também vai se reunir com empresários.
Governo "mais à esquerda"? Lula já decepciona cada vez mais com sua obsessão em ficar fora do país, pois, por mais que o presidente brasileiro diga que "não abandonou o povo brasileiro", a sensação é que ele abandonou, sim. Ninguém fica fora o tempo todo para acompanhar quem fica por aqui.
Negociando um plano trabalhista global com o presidente da meca do neoliberalismo mundial é algo estranho. Lula frustra por suas concessões e é assustador que ninguém, pelo menos entre os mais influentes, admita isso ou alegue perceber tal situação. Os lulistas acreditam que o nosso país virou o País das Maravilhas, uma nação de contos de fadas e Lula oferece o sonho como a alternativa para a realidade concreta que seus adeptos querem botar sob o tapete.
Quem se empolga com Lula viajando o tempo todo para o exterior é quem tem condições para fazer a mesma coisa. Gente que anda de SUV, tem filhos estudando no exterior (retomada de uma prática dos fidalgos do Brasil colonial), tem volumosos depósitos bancários para comprar carro do ano e estocar a geladeira com muita cerveja para todo fim de semana, e vive de contar piadas e rir alto nas reuniões noturnas com os amigos.
Fora da bolha, vemos os trabalhadores se sentirem traídos com Lula. A triste façanha de Lula é que, de 2021 para cá, ele eliminou definitivamente o pouco que ainda restava do antigo líder sindical, que aos poucos foi podando até que, na campanha presidencial de 2022, não sobrasse sequer uma célula do antigo Lula sindicalista, que, ideologicamente, está morto. O Lula que hoje vive é um neoliberal que decide por seus próprios impulsos, e prefere ouvir a burguesia do que o proletariado.
O sindicalismo continua enfraquecido. A indústria não se recuperou como devia. Se tem gente comendo muito mais carne, é a classe média abastada que come uma fartura de carne suculenta nos grandes restaurantes. As classes trabalhadoras continuam na fila do osso. Um quilo de carne a R$ 60 não dá para alimentar metade de uma típica família pobre em uma única refeição.
Que trabalho decente é esse? É o que faz o trabalhador ganhar só um pouquinho mais sem afetar os lucros da burguesia? E quais os super-ricos que serão taxados? Somente os bolsonaristas ou a turma de Paulo Guedes e Roberto Campos Neto? Outros super-ricos mais "democráticos", como os dirigentes de futebol e seus grandes craques e os empresários da cerveja, continuarão na isenção fiscal, por terem a simpatia da "boa" sociedade.
Lula deveria ter ficado o tempo todo no Brasil. A reconstrução exige que seu responsável fique no Brasil e não invista na política externa. Pois o presidente Lula se preocupa mais em promover sua imagem, em se promover como celebridade política, tomado de profundo estrelismo que o faz surdo a conselhos dos amigos mais caros.
Lula é um ilusionista político, que produziu até agora poucos resultados sociais, nada que superasse muito o que José Sarney, Fernando Henrique Cardoso ou até Fernando Collor fariam pela população. O atual presidente do Brasil apenas dá a impressão de intensa movimentação política de sua parte, mas a verdade é que o governo Lula 3.0 favorece muito mais a classe média que atravessa a madrugada bebendo cerveja e rindo alto de suas piadas sem graça do que o trabalhador que tem que acordar de madrugada para pegar transporte superlotado para não se atrasar no trabalho.
Até agora não vimos um trabalho sério de reconstrução do Brasil. Não sabemos se a reconstrução terminou, se ela ainda vai começar ou se ela nem precisa ser feita. O barulho das festas lulistas, cheia de música popularesca, MPB mais inócua e hit-parade estrangeiro, junto a risadas e gritos animados, nos impede de perceber esse quadro.
A alegria está maior do que a festa, e a festa está maior do que a realidade. E, na realidade, os trabalhadores, desempregados e sem-teto se sentem abandonados por Lula. O problema é que proletariado, campesinato e lumpesinato não usam Instagram e muita gente pensa que todos apoiam Lula. Mas eles são os que mais se sentem traídos pelo presidente que só quer ficar fora do Brasil. A verdade machuca e os lulistas preferem o sonho bom do que a realidade dolorosa.
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