FAROFA DA G-KAY - SOCIEDADE DO ESPETÁCULO À BRASILEIRA.
Nesta bolha social a que se reduziu um Brasil dominado pela classe média remediada, cheia de hedonismo sem motivo e dotada de muita positividade tóxica, termos que correspondem a fenômenos problemáticos lá fora são definidos aqui como "positivos".
A overdose de informação, que renomados intelectuais definem como um perigo contra o Conhecimento, com o fluxo intenso de ideias, conceitos e opiniões que sobrecarregam a mente humana e dificultam a compreensão aprofundada de um assunto, aqui é encarada como "democracia" e "prestação de serviço" e definida como "liberdade de expressão, informação e opinião".
Exemplo disso são as FMs com roupagem de AM, com seus programas de muito falatório, sejam as rádios "ounius" ou os "programas de locutor", estas, como no Nordeste ou no interior do país, dotadas de locutores pedantes que não entendem dos assuntos noticiados e dão opinião e explicação sobre o que não sabem para um público que sabe menos e fica embasbacado quando ouve, nas FMs, informações que não entendem, se gabando da própria ignorância que confunde complicação com sabedoria.
Temos também o "bombardeio de amor", que apesar do nome fofinho, é um perigosíssmo recurso de dominação de uma pessoa ingênua, através de simulações de afetividade e beleza profundas. Religiões domo as seitas neopentecostais e o Espiritismo brasileiro, este a partir de um famoso "médium de peruca", se serviram dessa engenhosa armadilha para capturar emocionalmente as pessoas ingênuas e, em certos casos, pessoas que pareciam não serem tão ingênuas assim mas foram dominadas com certa facilidade.
Um caso típico foi o do produtor de televisão Humberto de Campos Filho, que pelo nome é filho do famoso escritor hoje subestimado e injustiçado. O produtor Humberto, que na Internet aparece numa foto com Hebe Camargo, era também jornalista e foi famoso pelo ceticismo elegante e crítico.
Inicialmente desconfiado das psicografake creditadas ao seu falecido pai, Humberto foi convidado em 1957 pelo "médium da peruca", contra o qual estava processando judicialmente, para assistir a um espetáculo de pregações religiosas e Assistencialismo.
No final da "doutrinária" - espécie de "missa espírita" - , o suposto "médium" se dirigiu a Humberto e, munido de "bombardeio de amor", o dominou com pretensas demonstrações de afeto que incluiu até mesmo um falsete que o "médium" fez que desnorteou a vítima. A tática traiçoeira dominou o rapaz que, de cético elegante, passou a ser um deslumbrado patético, décadas depois se ajoelhando para louvar o charlatão, o mesmo "lápis de Deus" capaz de acobertar farsantes como Otília Diogo e João de Deus.
A "sociedade do espetáculo" é outro termo que, aqui, recebe outro tratamento. A expressão não chega a ser utilizada de maneira positiva, mas seu significado é deturpado no Brasil. Desta forma, o sentido de "sociedade do espetáculo", que lá se refere à "cultura de massa" no contexto do sensacionalismo, do apelo popularesco e do comercialismo desenfreado, aqui é alterado para um colunismo social fechado, como as festas privadas da mais alta burguesia.
Mas esse termo, como os demais, têm seu sentido alterado - recentemente, o termo "jabá", antes ligado à corrupção midiática, ganhou o sentido eufemístico de mershandising - , para atender a interesses estratégicos de um poder midiático que expressa os interesses da elite do atraso, essa "classe média de Oslo" que trocou as marchas golpistas contra Dilma Rousseff pela "democracia com amor" do Lula em modo domesticado (com Geraldo Alckmin, Faria Lima e tudo).
Diante da choradeira da intelectualidade pró-brega, a exaltar os fenômenos popularescos também defendidos pela imprensa cultural "isenta", a verdadeira "sociedade do espetáculo", que envolve subcelebridades e pseudo-artistas popularescos, não pode ser definida por este nome, porque a retórica do dito "combate ao preconceito", desculpa para aceitar a mediocrização e a imbecilização culturais que atinge níveis catastróficos no Brasil, blinda todo esse sistema de valores marcado pelo grotesco.
Pessoas sem talento aparecem o tempo todo mostrando um "ideal de vida" marcado pelo vazio social, pelo hedonismo desenfreado, pela vida supérflua, sem ter o que dizer, expondo o cotidiano particular como se a mídia fosse o quarto de casa. É uma demonstração de um exibicionismo pessoal que, da parte do emissor da mensagem (a personalidade famosa), busca a promoção pessoal, às custas do voyeurismo do público receptor.
Valores humanos, dignidade humana, tudo isso é deixado de fora. A "dignidade" se limita à arrogância do pretenso artista ou do pretenso astro em justificar seu "sucesso": "Eu conquistei meu espaço, falou? Se você não gosta, fica na sua, tá ligado?".
Hoje não é o talento que motiva a fama, a fama é que substitui o talento. Pessoas sem ter o que dizer passam a ser mais "importantes", e uma demonstração muito grande de como o Brasil está pior culturalmente do que há mais de 60 anos, devemos nos lembrar de que um episódio envolvendo a televisão brasileira.
Com um processo de popularização iniciante, mas crescente, a televisão de 1960 mostra o exemplo da vinda do filósofo Jean-Paul Sartre ao Brasil. Ao ser entrevistado num programa da TV Tupi de São Paulo, o intelectual francês conquistou uma audiência impressionante para os padrões da época.
E hoje, quando o público com um mínimo de esclarecimento entende burramente como "filosofia" a publicação de frases curtas em memes nas redes sociais, uma gororoba que mistura depoimentos interessantes de famosos e intelectuais verdadeiros com mensagens de obscurantismo religioso, quem são "importantes" para a sociedade?
E aí vemos o crescimento de tendências musicais popularescas de tal forma que seu universo inchou demais, tendo que descartar os ídolos brega-popularescos bolsonaristas e, por outro lado, gourmetizar o brega mais antigo, feito até cerca de 20 anos atrás.
Fora do âmbito musical, é tanta subcelebridade, lançada em quantidades industriais pelos reality shows e, agora, por gerações medíocres de influenciadores digitais, que a mídia do entretenimento está saturada deles e a sociedade acaba se acostumando mal.
E nesse tempo em que se gourmetiza a mediocridade humana, definindo nomes como Michael Sullivan, É O Tchan e Chitãozinho & Xororó como pretensas relíquias vintage, "eventos" como a Farofa da G-Kay mostram o vazio social de quem não tem o que dizer, num contexto em que a canastrice cultural que atrai mais público é tida como "genial", atraindo para si pretensas teses acadêmicas feitas para se jogar na plateia, numa época em que o teclado do computador é substituído pela flanela, investindo numa galopante passagem de pano nas piores fenomenologias de hoje.
E isso mostra o quanto a "boa" elite do atraso, agora, quer se livrar da culpa do golpismo que defendeu ou deixou ocorrer. Para tal objetivo, essa elite, ou seja, a classe média abastada, a Casa Grande pós-moderna que pensa ser Senzala e quer viver como Quilombo, propõe um Brasil qualquer nota, sem qualidade de vida nem dignidade sociocultural, apenas extirpando o raivismo bolsonarista.
Essa "boa sociedade" quer um Brasil medíocre, dotado de um viralatismo cultural enrustido, travestido de "genial", e marcado por sorrisos complacentes que discriminam críticas, contestações, questionamentos. Forja-se uma grandiloquência disferçada de "grandeza" e pede para que todos fiquemos calados sob a desculpa de que o silêncio levará o nosso país para o Primeiro Mundo, de preferência sem qualidade de vida nem dignidade, mas com mais um título na Copa do Mundo.
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