Esqueçam completamente a ideia de que Lula, quando empossado presidente do Brasil em 2023, irá recolocar o país no mapa do esquerdismo latino-americano. Podem esquecer, de maneira definitiva, e qualquer tentativa de pensar no antigo esquerdismo é brigar com os fatos.
A reunião de Lula com dirigentes sindicais, ocorrida ontem, em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, onde trabalha a equipe de transição governamental, serviu de teste para a conduta de Lula com os movimentos sindicais. Serviu para verificar se o antigo Lulão das lutas sindicais continua inteiraço, firme, forte e livre, leve e solto no esquerdismo trabalhista.
A resposta a isso, infelizmente, é não. O Lulão dos sindicatos não existe mais, de maneira definitiva e irreversível, até porque este será o último mandato do petista. É impossível pensar o contrário e sonhar com fotos do antigo líder sindical que viraram logomarcas de campanha, em camisetas, faixas e adereços diversos. O esquerdismo de Lula acabou e isso não é opinião, é fato, as circunstâncias mostram essa dura realidade.
O que vemos no Lula de hoje, infelizmente, se define por um termo bastante negativo: PELEGO. Para quem não sabe, "pelego" é uma expressão inspirada num revestimento usado para tornar o assento do cavaleiro sobre um cavalo mais confortável.
Usado como metáfora pelo movimento sindical, o termo "pelego" se refere a um representante do proletariado que, fazendo acordos com os patrões, volta com menos conquistas para as reivindicações trabalhistas. É como se os patrões usassem o líder sindical como "pelego", "sentando em cima" dele para fazer prevalecer os interesses do empresariado sobre os trabalhadores.
Na reunião com dirigentes sindicais, Lula prometeu recuperar o emprego e até trazer benefícios para os trabalhadores. Mas o resultado será voltado a propostas mais amenas, embora as lideranças sindicais tenham comemorado a reunião, ainda que líderes sindicais como o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, admita que os trabalhadores terão que lutar muito para reconquistar seus direitos:
"Isso vai exigir ainda mais unidade do movimento sindical, para pressionar o Congresso Nacional. Sabemos que a luta será bastante árdua, tendo em vista um Congresso conservador. Mas a maior prioridade em matéria de direitos trabalhistas é devolver o protagonismo da classe trabalhadora com a valorização do salário mínimo, da negociação coletiva e com a efetiva participação dos trabalhadores na definição de políticas públicas. O encontro de hoje com o presidente Lula nos trouxe a percepção de que os trabalhadores e suas pautas estão novamente no centro da agenda do país".
Conforme eu já havia previsto, Lula não vai revogar a reforma trabalhista de Michel Temer, transformada na Lei 13.467, de 11 de novembro de 2017. O que é uma ironia, se lembrarmos que os parlamentares do PT, como a própria presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, presente na reunião sindical, para barrar a maligna legislação do governo Temer, que praticamente liquidou com a essência das antigas conquistas trabalhistas.
Até os líderes sindicais acham a revogação, que chegou a ser pauta de promessas eleitorais de Lula na campanha presidencial, "inviável". Lula apenas vai eliminar alguns pontos mais incômodos, como os critérios de trabalho intermitente e os contratos e negociações individuais de trabalho, além de contemplar novas realidades profissionais do trabalho home office e dos profissionais de aplicativos digitais.
Aparentemente, Lula sinalizou que irá defender as pautas trabalhistas (ver 17 prioridades dos bancários) que, entre outras coisas, reivindica a recuperação gradual do poder aquisitivo dos brasileiros pobres para os parâmetros defendidos pela Constituição Federal. Haverá liberdade e proteção institucional para quem busca um emprego, mas os progressos não se refletirão numa guinada significativa da vida econômica dos pobres, a não ser por paliativos.
Sem sair da pobreza simbólica - culturalmente, por exemplo, o lulismo sinaliza o dado conservador da preservação das favelas, construções precárias que, historicamente, eram definidas como problema social crônico e hoje são vistas como "cenários identitários" - , os brasileiros pobres poderão apenas ter salários menos ruins, que permitam abastecer razoavelmente a casa de alimentos. Terão algum serviço de saneamento básico, energia elétrica, entre outras garantias sociais institucionais, e nada muito além.
Lula é que mudou, abandonando definitivamente o esquerdismo. Fala-se, como no artigo assinado por Leandro Fortes e George Marques, que Geraldo Alckmin "mudou" e se tornou um "grande aliado" de Lula e, aparentemente, demonstra empenhado nas atividades comandadas pelo petista.
Embora Alckmin tenha demonstrado arrependimento diante de certas posturas contrárias a Lula, como a antiga defesa da Operação Lava Jato, o ex-tucano não demonstrou autocrítica aos antigos procedimentos políticos como governador de São Paulo. Ele não teve autocrítica quanto às repressões a protestos de trabalhadores e estudantes, assim como não pediu desculpas à população do bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos, destruído a mando do então governador.
Alckmin apenas tornou-se mais "carismático", até pela sombra de Lula e pela disposição deste em querer o ex-governador como seu parceiro político, um vice-presidente com atributos de co-presidente, já empenhado no trabalho de transição governamental. Mas nada indica que Alckmin virou um "esquerdista" e sua "comoção" ao ouvir o Hino da Internacional Socialista não passou de um jogo de cena típico de um canastrão político.
O que mudou foi Lula, não para ser simplesmente "mais democrático" ou "amadurecido", mas para dar fim definitivo ao antigo esquerdismo das lutas sindicais. Além disso, Lula agora estabelece um projeto político que, embora seja voltado às prioridades sociais, terá a destreza de dar um pouco mais aos pobres sem abrir mão dos privilégios dos ricos.
E se hoje Lula já afirmou que desistiu de revogar a reforma trabalhista de Michel Temer, mesmo quando ela se revelou um grande fracasso, imaginemos como será a medida de taxação de grandes fortunas. Lula irá desistir da medida e criar alternativas de arrecadação que minimizem a sangria das riquezas dos empresários que ajudaram o petista a ser eleito. As pressões da frente ampla mostram o quanto esse apoio não é gratuito. A conta da frente ampla já está sendo cobrada do presidente eleito.
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