LULA RECEBE DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, ALEXANDRE DE MORAES, DIPLOMA DE PRESIDENTE ELEITO DA REPÚBLICA.
Ontem o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin, foram diplomados em Brasília, numa cerimônia que os legitima no comando da República, depois da chapa ter saído vitoriosa pelo voto popular. A campanha foi cheia de erros, mas sendo Lula e Alckmin eleitos para governar o país, aceitemos numa boa, embora possamos criticar de maneira responsável e no âmbito das ideias.
Para quem interessar, aqui está o linque do discurso de Lula, em que ele enfatiza a palavra "democracia". Uma palavra banalizada, embora sem dúvida um regime democrático é mais saudável para o convívio dos cidadãos. Mas, da forma como a palavra é usada e abusada, soa muito estranha e oportunista. Destaco um trecho em que Lula se contradisse à ideia de democracia:
"Essa não foi uma eleição entre candidatos de partidos políticos com programas distintos. Foi a disputa entre duas visões de mundo e de governo.
De um lado, o projeto de reconstrução do país, com ampla participação popular. De outro lado, um projeto de destruição do país ancorado no poder econômico e numa indústria de mentiras e calúnias jamais vista ao longo de nossa história".
Essa narrativa mostra o quanto Lula atropelou a democracia que tanto defende e enfatiza. A ideia do "candidato único", completamente desprovida de sutileza, usando a retórica do "voto plebiscitário" enquanto os apoiadores do petista agiam como valentões de escola esculhambando a Terceira Via desde o começo, sufocando-a, impedindo que ela possa, também, mostrar suas ideias.
Daí o grande erro de Lula, que por sinal não gosta de fazer autocrítica. Uma "democracia de um homem só", de um candidato que faltou a debates estratégicos em redutos adversários, SBT e Record. Foi como um jogador de futebol que evita jogar no campo do adversário, pois Lula evitou fazer mais "gols". Resultado foi que Lula venceu com apenas 1% de diferença sobre Jair Bolsonaro, que no segundo turno ainda ganhou sete milhões de votos em relação ao primeiro.
Na verdade, "democracia" tornou-se um eufemismo para um suposto esquerdismo que, de tão raquítico, morreu. Um esquerdismo subnutrido em ideias, pois cada ideia progressista era filtrada, uma a uma, pelo discurso neoliberal e pelos interesses do empresariado e do setor financeiro, fazendo com que Lula tenha que criar um mínimo denominador comum entre o que ele quer fazer para os brasileiros e o que as elites do poder econômico desejam que fosse feito.
Lula foi renunciando a promessas que havia antecipado na pré-campanha. Da regulação da mídia à revogação da reforma trabalhista, Lula agora só vai se empenhar para realizar o "mínimo necessário" e, contariando suas declarações, não fará "mais e melhor" do que nos governos anteriores. Se até o aumento salarial, que prometia ser "real", limitou-se a um salário mínimo crescendo 8,8%, de um mísero R$ 1.212 para um mixuruca R$ 1.320 (parece que vão arredondar o valor, não mais ficando em R$ 1.319), o que dizer então dos "voos mais ousados" do petista.
Na verdade, o petista agora serve à classe média, a "boa" elite do atraso, a "classe média de Oslo" que opera sem o raivismo da "classe média de Varsóvia", esta que se agarra em Bolsonaro. A "boa" elite do atraso que sempre defendeu um Brasil da Era Geisel, só que mais "arrumadinho" e "fofinho", sem os aspectos negativos e feios do antigo período ditatorial.
Agora que as narrativas da direita neoliberal e da esquerda festiva se convergiram, a primeira feliz porque Lula simboliza a "esquerda obediente ao capital" e a segunda, divinizando o petista, vemos o quanto o Brasil só vai brincar de alcançar o Primeiro Mundo, sem que realmente se torne socialmente desenvolvido.
Temos um povo disposto a desenvolver o Brasil. Mas ele está fora de qualquer oportunidade de liderança. Esta continua nas mãos de uma "classe média" que defende bregalização cultural, obscurantismo religioso e vê o povo pobre como uma multidão de selvagens a serem domesticados, transformando as favelas em "paisagens de consumo" para o safári humano dos turistas esnobes.
Que democracia queremos? Queremos a "democracia" da "boa" elite do atraso, com sua burrice dissimulada por diplomas universitários e uma boa conta corrente num banco de renome? Que legitima como "intelectualizado" o ato de charlatões religiosos que, sob o rótulo de "médiuns", se passam por identidades de gente morta para fazer proselitismo religioso medieval, muito mal disfarçado de "filosofia" e "sabedoria"? Que acha que cantores medíocres precisam primeiro fazer sucesso com músicas ruins para depois criar uma cosmética pseudo-MPB pouco convincente?
Que democracia queremos? Uma "democracia" decidida de cima por empresários e banqueiros, a admitirem a viabilidade de se fazer algo para as classes populares, desde que não mexa nos privilégios dos mais ricos? Uma "democracia" em que, num debate entre trabalhadores e empresários, os primeiros têm a livre palavra e os últimos, a palavra final?
Por isso é que a frente ampla demais fez Lula obter uma vitória de Pirro. Lula sabe o custo elevado das alianças, e agora minimizou todo o seu discurso e, no jogo das aparências, ele ainda vai manter o verniz progressista e fingir que irá ousar mais no seu governo. Alguma coisa positiva pode sair daí, com certeza, mas muito longe de fazer o Brasil "ser feliz de novo".
Ainda não senti que o Brasil "voltou". Com esta elite do atraso que apenas extermina a raiva mas quer que tudo fique "como está", certamente o Brasil ainda precisa se reencontrar, resolver uma devastação em mais de seis décadas do seu cenário cultural.
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