A esperança de muitos em relação ao novo governo Lula é que, no setor da Cultura, as verbas públicas e as verbas privadas intermediadas pelos incentivos fiscais possa melhorar, em si, as manifestações culturais. Mas muitos entendem equivocadamente essa questão, achando que é só vir dinheiro que a chamada "cultura de massa" ganha mais talento.
O Brasil está passando por uma deterioração cultural sem precedentes. A decadência cultural não é uma questão exclusivamente de falta de dinheiro ou de atividades artísticas paralisadas. Está na prevalência de expressões de gosto e valor duvidosos que, no entanto, recebem o apoio complacente da crítica especializada ou mesmo da comunidade acadêmica.
Já estamos no estágio de sermos forçados a escolher entre o muito ruim e o pior ainda. Os reality shows estão substituindo os teatros no lançamento de novos famosos, e subcelebridades mostram na mídia do entretenimento um constrangedor vazio existencial, sendo as páginas de famosos de hoje verdadeiras vitrines de egos inflados e sem muito talento para mostrar.
Na música, a supremacia dos fenômenos popularescos fez acostumar mal até mesmo o público com melhor nível educacional. A MPB não só envelhece como começa a perder seus principais personagens da chamada cena moderna dos anos 1960-1970. Ver que Gal Costa e Erasmo Carlos não estão mais entre nós é de abismar. E falamos de artistas musicalmente acessíveis, bastante populares e influentes. O que dizer, por outro lado, de Sylvia Telles, de Elizeth Cardoso, de Agostinho dos Santos, de João Gilberto?
Não estamos culturalmente bem. A mera movimentação das redes sociais, dos programas de reality shows, do cenário musical mainstream, tudo isso não diz de forma alguma sobre a "boa qualidade" da nossa cultura. A simples movimentação, a simples produtividade não quer dizer coisa alguma. Apenas existe uma quantidade de famosos surgindo em dimensões industriais, em produção em série, e eles apenas se "esforçam" para continuar em evidência e evitar o ostracismo.
Mas a qualidade de suas expresões é abaixo do sofrível. E o pior é que muitos vêm com carteirada, uma vez que a intelectualidade pró-brega e sua chorosa campanha de "combate ao preconceito" - descrita em Esses Intelectuais Pertinentes... - acabou acendendo a fogueira das vaidades dos famosos medíocres, na música e no entretenimento em geral. Vide os rumores de que a dublê de comediante Géssica Kaylane, a GKay, teria atirado sapatos contra a apresentadora Tatá Werneck, nos bastidores de uma entrevista.
É claro que vivemos num clima de faz-de-conta, em que o chamado "brega vintage" se vende como uma falsa vanguarda nostálgica, num contexto em que as ideias de comercialismo e não-comercialismo são artificialmente invertidas.
Ou seja, para o idiota da Internet, "não-comercial" é aquele sucesso que toca no seu dia a dia, e supostamente fala do seu cotidiano. Exemplos disso, hoje, são os grupos de k-pop e os ídolos do popularesco da moda (como a "pisadinha" e o "funk ostentação" paulista, este com sua nova batida eletrônica com som de batida de lata de ervilha), pretensamente dedicados a falar de "assuntos da vida".
Já para esse mesmo idiota, "comercial" seria aquele cantor ou grupo musical, muito antigo ou com alguém falecido, que motiva disputas judiciais aqui e ali. No Brasil, a disputa dos músicos Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos com o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, pelo uso da marca Legião Urbana, é erroneamente visto pelos terraplanistas das redes sociais como "comercialismo".
O cenário cultural brasileiro de hoje é muito pior do que em 1963. As pessoas tentam negar porque hoje, supostamente, há uma "riqueza" de expressões, de narrativas, uma aparente diversidade. Existe cultura de qualidade, sim, mas ela se limita às restritas bolhas sociais, são pequenos feudos nessa "idade mídia" brasileira.
Muita gente fica sonhando achando que é só derramar dinheiro público no setor cultural que o talento vai chegar e bater na porta da casa de cada subcelebridade ou ídolo popularesco. Mas mesmo que haja todo um processo de "aperfeiçoamento" do ídolo popularesco, temos que perceber que isso não é compensador, o ídolo da música brega-popularesca continua sendo tão medíocre e sem talento do que antes, só tem um aparato em que outros agentes técnicos, do maquiador e do camareiro até o arranjador e o assessor de imprensa, trabalham para ele.
Além do mais, só para citar o "funk", a promessa de que "com mais dinheiro, o 'funk' melhora" sempre foi em vão. Nos últimos 20 anos, se despejou tsunamis de dinheiro no "funk" e tudo o que os funqueiros fizeram foi comprar bens luxuosos, apartamentos caros, carrões, mansões. Talento que é bom, nada, tudo continua sendo tão ruim quanto antes.
Temos que mudar os valores. Ainda estamos presos a paradigmas culturais da Era Geisel. Perder o preconceito não é aceitar os fenômenos popularescos como se fossem "valiosos". Perder o preconceito é contestá-los até mesmo como suposta expressão do povo das periferias. Se Lula não representa a mudança de valores para o nosso Brasil, pelo menos vamos fazer nossa parte e mudarmos nós mesmos.
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