MESMO EMULANDO CLICHÊS DO ANTIGO SINDICALISTA, O LULA DE HOJE NÃO É SEQUER A SOMBRA DO LÍDER OPERÁRIO DO PASSADO.
É muito difícil entender que, às vezes, pessoas mudam completamente. Difícil conviver anos com uma pessoa e ver depois que ela não é mais a mesma. Difícil ver, em certas ocasiões, que um casamento e uma amizade que parecem sólidos se dissolvem como castelos de areia atingidos pelo mar.
Muitos não admitem que Lula mudou. Se recusam a aceitar a realidade indiscutível, apesar dela ser discutida insistentemente. É a a de que o Lula sindicalista desapareceu por completo e nuna mais voltará.
Lula, hoje, é um político neoliberal e se comporta mais como um político do PSDB com uma leve inclinação social. Pensando objetivamente, o Lula que estamos acostumados a adorar deixou totalmente de existir.
O mais doloroso é ver que o Lula mitológico que ainda é narrado pelo imaginário esquerdista como se fosse uma força ainda viva, pulsante e vibrante não existe mais. Lula, por ironia, soa como uma estrela, que é o símbolo do PT, hoje merecendo ser chamado de Partido dos Tucanos, depois que o PSDB virou cosplei de partido da direita nanica.
Muitas vezes vemos uma estrela no céu e ignoramos que ela é a projeção de algo que não existe mais. A estrela se extinguiu há milênios e a imagem que vemos é uma projeção trazida a anos luz de algo que desapareceu há milênios.
Lula esquerdista e sindicalista é apenas um holograma de algo que é passado. É ingênuo afirmar que Lula mudou para ser "amadurecido", "prudente" ou "democrático". Até porque em sua campanha presidencial ele demonstrou ser o oposto de tudo isso.
Vejo as coisas na tentativa de considerar os fatos acima das impressões pessoais. E me recuso a me tornar refém das fantasias, mesmo que elas sejam as mais agradáveis e tranquilizadoras.
Dá pena ver pessoas adultas, mais velhas do que eu, insistirem em usar a fantasia para se opor à realidade dura. Se um lado desagradável se mostra na imagem real de alguém, seu admirador reage insistindo na ilusão, que lhe é mais consoladora. A realidade é cruel? Se contrapõe com a fantasia. O problema é que a fantasia se acha mais realista que a realidade. Vide os bolsonaristas e sua forma torta de ver o mundo.
Mas isso é sintomático em grande parte dos brasileiros que são reféns de suas próprias fantasias. Um dito "médium espírita", ídolo religioso defensor da ditadura militar no seu pior momento, é alvo de muita idealização, vinda da teimosia não de gente moleque ou de jovens adultos irresponsáveis, mas de gente adulta e idosa que se julga sabedora de todas as coisas.
A pretexto de uma suposta caridade tão fajuta quanto a de Luciano Huck, idolatrase o "médium" passando pano em seus defeitos, mas "arrumando-lhe" um lugar no céu como se o Paraíso fosse reservável para caloteiros morais.
Cada um vê o "médium" como quiser, feito uma fada-madrinha de conto de fadas para adultos. E se espalham nos meios "espíritas" das redes sociais, algo como uma imitação da conversão de famosos antipetistas ao lulismo, a fake news de que o famoso "médium da peruca" teria apoiado Lula em 1994 e 1998, algo que não tem um pingo de lógica nem de contexto.
E as pessoas que se julgam equilibradas emocionalmente com a crença sustentada pela fé religiosa - capaz de insanidades preocupantes como a de supor "liberdade" de acreditar ou não que um morto teria "escrito" as tais "psicografias", em claro desrespeito à memória de um falecido - , são as primeiras a surtarem de raiva. Isso faz com que o dito kardecismo, tido como ausente de qualquer raivismo, sofresse surtos de hidrofobia de fazer bolsonaristas ficarem de queixo caído.
Nosso país está culturalmente deteriorado porque virou refém de uma classe média emburrecida e tornada estúpida pelo "milagre brasileiro" cujos estragos se refletem até hoje, de maneira mais intensa do que se pensa. A maioria dos brasileiros ainda pensa o país como se ainda estivéssemos sob o Brasil da Era Geisel.
E aí vemos a extrema-direita tratando Lula como mafioso de Hollywood, enquanto os lulistas divinizam o hoje presidente eleito, ambos reféns de suas fantasias que se opõem nos aspectos gerais, mas essencialmente se expressam sob a mesma maneira delirante das impressões pessoais que se julgam acima da realidade objetiva dos fatos. A vontade humana também pode ser uma tirania.
Vejo que três Lulas brogam entee si, no imaginário esquerdista. Um Lula sindicalista que deveria renascer para atender às pautas trabalhistas e à agenda popular, um Lula progressista moderado mas comprometido com o povo brasileiro e o Lula neoliberal "democrático" dos últimos tempos.
Lula tenta dizer que sempre foi e continua sendo um só ontem, hoje e sempre. Grande engano. O Lula sindicalista desapareceu, da mesma forma que não temos mais, por exemplo, o antigo Eric Clapton do Cream, só para cotar alguém nascido no mesmo 1945 que gerou o petista.
Temos que encarar a nova realidade. O Lula de esquerda desapareceu para sempre. Lula estabeleceu compromissos demais com a direita moderada que trouxeram dívidas políticas que ele terá que assumir, prejudicando seu projeto político.
Teremos em frente governo neoliberal que fará pouco em favor do povo, por conta das alianças que admitem tentar extinguir a extrema miséria, mas não vão aceitar que o povo pobre tenha verdadeira qualidade de vida.
Serão dadas "rações" para os cachorros deixar de latir, mas os cães não vão jantar à mesa com seus donos comendo cardápio de gente civilizada. Não existe almoço grátis no banquete da frente ampla.
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