EM 1970, A DITADURA SE APROPRIOU DOS APARENTES TRIUNFOS DO FUTEBOL E DO MILAGRE ECONÔMICO. HOJE SE QUER UM CENÁRIO PARECIDO SEM O "LADO MAU" DA DITADURA.
O Brasil se encontra numa situação sociocultural tão deplorável que, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo, a "boa sociedade" persegue a essência do "milagre brasileiro", pois ela despreza a verdadeira dignidade humana, a qualidade de vida, a simplicidade, o respeito e, se algo está errado, o uso do senso crítico.
Sob a desculpa de termos "mais amor" e "menos ódio", agora queremos uma realidade "qualquer nota". Lula, seguindo esse embalo, passou a aceitar a reforma trabalhista de Michel Temer, que não garantiu a prometida geração de empregos nem o crescimento econômico com reflexos para o povo brasileiro. Lula vai apenas "consertar" e tirar os pontos mais danosos, sem garantir que haverá a recuperação integral dos direitos trabalhistas perdidos.
A "boa sociedade" não foi torturada na ditadura militar. Não sofreu com a hiperinflação. Passou incólume aos desastres dos governos dos Fernandos, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Ficou na mesma prosperidade durante os governos de Lula e Dilma Rousseff e não sofreu prejuízos durante os governos golpistas de Michel Temer e Jair Bolsonaro. E é essa parcela da sociedade, a classe média remediada, que toma as rédeas da cultura e dos valores sociais a serem prevalecidos.
E isso faz com que até o viralatismo cultural, quando envolve fenômenos e valores considerados "positivos e agradáveis", ganhe o eufemismo de "cultura gente como a gente". Ser "gente como a gente", passando pano nos próprios defeitos e erros, é uma forma mais agradável de definir o viralatismo cultural, palavra que acaba sendo atribuída a tudo que soa desagradável, cheirando a mau humor, hidrofobia, intolerância e aparente anti-socialização.
A bregalização, o fanatismo por religião e futebol, o apego à mediocrização cultural generalizada, com uma multidão de subcelebridades sendo produzida em série em inúmeros reality shows, ou surgida de gerações tardias de influenciadores digitais que não têm sequer a relativa relevância das primeiras gerações.
Afinal, nas primeiras gerações de influenciadores digitais, dava para encontrar algumas it girls com ideias interessantes, embora nada revolucionárias ou audaciosas. Mesmo assim, elas davam o ar de sua graça, embora o aspecto sem graça é que quase todas elas eram casadas com maridos empresários, num contexto em que a emancipação feminina, no Brasil, é recomendada a optar entre o macho e o machismo.
Culturalmente mais degradado do que há 60 anos, o cenário brasileiro de hoje virou uma gigantesca zona de conforto, no qual o verdadeiro progresso social é deixado de lado. Tudo agora virou um "vale-tudo" do não-raivismo, em que vale qualquer curtição medíocre, vale o hedonismo desenfreado, de um lado, e a castração da fé religiosa, por outro, enquanto o povo pobre é convidado a permanecer na sua inferioridade social, pois a pobreza deixou de ser um problema para ser uma "identidade cultural" e, pasmem, um "modelo de vida" (?!?!?!).
E por que isso ocorre? Porque temos um suposto ideal de liberdade humana que, no Brasil, não passa de uma franquia de umas poucas famílias midiáticas: Marinho, Mesquita, Frias, Abravanel, Saad. A plenitude hedonista e espiritualista da liberdade brasileira, por exemplo, é uma concessão da família Frias, que define o que é "modernidade à brasileira".
Os pobres são convidados a se comportar conforme o padrão caricatural das novelas das nove da Rede Globo - lembrando que a Globo populariza e a Folha gourmetiza a imbecilização cultural - e dos programas humorísticos do SBT. Os pobres têm que parecer inofensivos, para que assim a classe média possa sair de suas boates às três da manhã com o risco de ser assaltada reduzido a quase nada.
Daí que, nesse "bom viralatismo" que não recebe o nome de "viralatismo", temos a festividade caricatural e consumista do "funk", enquanto "médiuns espíritas", a pretensa "vanguarda" da religiosidade brasileira, fazem uma "caridade" paliativa em que não são os "médiuns" que ajudam, mas seus devotos, que ainda assim, entre um donativo e outro, enfiam uma roupa estragada, um alimento de marca ruim e um remédio com prazo de validade vencido. E todos se gabando de terem um pretenso "amor ao próximo", falam até em "solidariedade", vejam só!
Isso é viralatismo, mas não tem esse nome porque, no viralatismo que é admitido como tal, as pessoas rosnam, latem, relincham, grunhem, rugem e se comportam como vilões de desenho animado, histriônicos, nervosos, agressivos mas desastrados, ao mesmo tempo ameaçadores e fracassados. O "bom" viralatismo, que "só quer amor", não se assume como tal, embora sabemos que sua perspectiva tem mais grandiloquência do que grandeza.
Esse culturalismo, que repete sempre a mediocrização social distribuída em várias classes sociais durante os anos dos governos dos generais Médici e Geisel, é falsamente defendido como se fosse "de todos", como se fosse uma "cultura universal acima dos tempos e das tribos", como se a mediocrização, a bregalização, a idiotização cultural e o obscurantismo religioso fossem fenômenos perenes, dotados do mais escancarado complexo de superioridade.
E esse complexo de superioridade é arrogante, mesmo agindo "pedindo mais amor". Uma arrogância que fez os lulistas agredirem a Terceira Via, apostando em Lula como candidato único, esnobando os demais concorrentes. Ou uma arrogância que, recentemente, fez os torcedores da Seleção Brasileira de Futebol esnobarem o time da Alemanha, eliminado da Copa do Catar este ano. Ou a arrogância astral dos "espíritas" que acham que o Brasil vai dominar o mundo como "Pátria do Evangelho".
E isso é terrível, pois é a Síndrome de Dunning-Kruger aplicada de maneira ("amorosa" e "alegremente") agressiva no contexto brasileiro. Um Brasil que nem tem mais do que 522 anos, chegando a 523 no ano que vem, mas se julga acima das nações milenares, como se o país sul-americano de uns cinco séculos de vida tivesse a experiência necessária para alcançar o Primeiro Mundo e se tornar potência mais poderosa do planeta. Mas essa experiência o Brasil não tem.
Vemos uma sociedade infantilizada, um culturalismo brega, ultrapassado, mofado, atrasado e vira-lata, que pega o lixo do que o Primeiro Mundo descarta em termos de "cultura de massa", e o que se vê nas redes sociais brasileiras é algo constrangedor, um antro de pieguice, cafonice, imbecilização e arrogância do qual pouca coisa se salva.
Vemos um culturalismo pretensamente vintage que apenas recicla o lixo musical descartado décadas atrás, agora relançado sob o falso rótulo de vanguarda. Afinal, definir Michael Sullivan, Benito di Paula, É O Tchan, Gretchen e Chitãozinho & Xororó como "vanguarda" é tão falso como adulterar a embalagem daquele alimento com prazo de validade vencido trocando a etiqueta para um prazo de validade mais prorrogado.
E hoje não se pode mais ter senso crítico, porque agora questionar e contestar as coisas ficou, ainda que de forma equivocada, associado ao bolsonarismo. Temos que sorrir diante do deslizamento do chão cultural brasileiro em níveis de perigosa avalanche, e aceitar que os valores sejam ditados pelo rumo dos ventos, ainda que os ventos venham dos escritórios refrigerados da Faria Lima, da Barão de Limeira, do Projac, ou dos condomínios do Baixo Gávea e da Barra da Tijuca e Recreio.
Vivemos uma situação delicada e frágil do Brasil que não expurgou realmente o legado do golpe político de 2016, apenas atribuindo os estragos a uma turminha menor que apenas quebrou a vidraça da aparente civilidade democrática. Somente titio Eduardo Cunha e moleques como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Janaína Paschoal, Carla Zambelli, Jair Bolsonaro e seus quatro filhos, Roberto Jefferson, Silas Malafaia e quejandos pagam a conta pelo golpismo que derrubou Dilma Rousseff.
Já a direita que come com garfo e faca, que fala macio, que põe a mão no ombro do interlocutor para lhe dar um aviso simpático e calmo, esta pode ter planejado toda a logística do golpe, mas saiu impune e agora está abraçada a um Lula que já está cedendo a tudo, a ponto de ficarmos preparados para, depois da mudança de narrativa em torno da reforma trabalhista e do orçamento secreto, o presidente eleito decidir, de repente, ele mesmo, ex-sindicalista, mandar privatizar a Petrobras.
A classe média "dona de tudo" não se sentiu incomodada com Temer e Bolsonaro. Tanto faz se Lula privatizar a Petrobras ou isentar os super-ricos de pagar impostos. Já o povo pobre, os proletários, os camponeses, os indígenas, os favelados, os desamparados das cracolândias, estes continuam sem amparo, sem chão, e nem o Lulão irá lhes socorrer de maneira integral e justa. Os pobres que se acostumem com a pobreza e que fiquem com migalhas e paliativos.
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