A vitória de Jair Bolsonaro se deu, sabemos, pelo bombardeio de notícias falsas, as fake news, nos perfis do WhatsApp.
Foi um trabalho engenhoso que envolveu uma equipe que manipulou "robôs" para fazer com que postagens pró-Bolsonaro se propagassem nesse portal social popularizado pelos celulares.
CPFs chegaram a ter números gravados para serem usados em "robôs" que, se passando por amigos dos internautas, "recomendavam" postagens favoráveis ao candidato do PSL.
Era esse o método, planejado por Steve Bannon, o publicitário de Donald Trump, para ajudar na vitória de Bolsonaro.
A revista Veja, como pegadinha, não creditou Bolsonaro entre um dos beneficiários da Cambridge Analytica, empresa de Steve Bannon.
Estranhamente a reacionária revista colocou a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, como beneficiária, dado que é pura fake news impressa em uma revista da imprensa dita profissional.
Mas essa onda de fake news foi acolhida pelos brasileiros porque teve um precedente: a literatura fake dita "mediúnica", as supostas psicografias que muitos começam a apelidar de psicografakes.
Em tempos de João de Deus, hoje preso, devemos lembrar que mesmo os ditos "médiuns" mais tarimbados sempre produziram literatura fake.
Não houve um estudo sério nem o desenvolvimento de condições para atividades paranormais no Brasil.
Na contramão de Allan Kardec, que a partir dos espetáculos das tábuas Ouija, fez pesquisas sobre paranormalidade, no Brasil a paranormalidade se reduziu a um recreio nivelado ao das "mesas girantes".
Um dos "médiuns", o que usava peruca, fez uma grande pegadinha em 1932, ele que foi uma espécie de cruzamento de Aécio Neves com Jair Bolsonaro na religião dita "espírita".
Ele lançou um trabalho irregular que se anunciava como uma antologia poética ditada pelos grandes escritores falecidos há tempos.
O livro é tão estranho que se chamava "Parnaso", em alusão ao há muito superado movimento parnasiano, numa época em que até o Modernismo se tornava mainstream.
Até o escritor Humberto de Campos, que resenhou, com sutil reprovação, o aberrante livro - que ao longo do tempo sofreu estranhas alterações editoriais, cinco vezes num prazo de quase 25 anos - , era um neo-parnasiano com fortes acentos modernistas.
A propósito, o "médium" do estranho livro se apropriou, depois, de Humberto, e se promoveu com literatura fake usando outros mortos.
De lobby em lobby, o referido "médium" passou a ser um pretenso símbolo de "amor e bondade", numa campanha manipuladora inspirada no trabalho de um jornalista inglês, chamado Malcolm Muggeridge, que trabalhou na BBC.
Ele foi uma espécie de "marqueteiro" de Madre Teresa de Calcutá, beata reacionária com atividades duvidosas de suposta filantropia.
Em favor dela, Muggeridge criou um roteiro que parece novela, mas muita gente insiste em creditar como a "realidade das realidades". Religião tem desses negócios, de criar um terreno onde a fantasia se sobrepõe ao mais contundente realismo.
E aí fizeram isso com o "médium" brasileiro, com essa abordagem que transforma o religioso numa "mercadoria humana" para o consumo da beatitude de muitos.
É uma visão de "caridade" que nunca trouxe resultado concreto algum, só atende a casos pontuais, mas seus ínfimos resultados são compensados com uma adoração acima dos limites, aos níveis de um fanatismo religioso.
Essa idolatria encontra seu paraíso astral nas redes sociais, sobretudo no WhatsApp, onde se publicam memes com frases supostamente sábias desses ídolos religiosos, que na verdade não trazem sabedoria alguma.
No caso do "médium", seus fakes literários fizeram sucesso, são legitimados pelo mercado literário mais complacente e o pobre do Humberto tem sua obra original deixada de lado, em favor dos livros fake atribuídos a ele ou ao tal do "irmão xis".
E isso criou um terreno propício para que obras mentirosas tivessem mais crédito. Basta que uma obra fake soasse agradável para ela ser tida como "verdadeira".
As psicografakes traziam mensagens "edificantes", falavam de Jesus e prometiam a "paz na Terra". Trazem grotescas diferenças em relação ao respectivo estilo do autor atribuído, mas, como mentiras agradáveis, elas são aceitas por todos e até a Justiça recomenda tais aberrações literárias.
E aí, pronto. Vovô trouxe livros fake que dizia terem sido ditados por mortos (seja um "Olavo Bilac" ou uma "Auta de Souza" que "esqueceram" seus estilos peculiares na Terra), e o netinho foi educado a apreciar noticiário fake.
Mas como vovô falava coisas dóceis e o netinho era mais rebelde, então o netinho passou a gostar de falsidades agradáveis, porém mais agressivas. O vovô curtia música clássica, o netinho, rock pesado dos anos 90.
Vovô dava ouvidos ao padre Manuel da Nóbrega, o netinho preferiu algo mais hard, tipo Olavo de Carvalho ou, indo para gerações mais recentes, Nando Moura.
E aí, deu no que deu. Vovô era ultraconservador (embora as "esquerdas médias" vejam nele um suposto progressista) e o netinho seguiu a tendência.
E aí do "sofrimento em silêncio" que vovô dizia aos desafortunados, se deu a "revolta barulhenta" dos remediados.
Os remediados corriam o risco de perder seus privilégios porque os desafortunados tiveram um breve período de prosperidade, nas mãos de um torneiro mecânico que comandou o Executivo federal com admirável talento e empenho.
Daí as revoltas de 2016, que teve o apoio dos partidários do "vovô médium", que havia saído de cena após o estranho penta que só beneficiou a CBF e a "família Felipão" cujo treinador cumprimentou Jair Bolsonaro na final do Brasileirão.
E aí, as mentiras agradáveis que, no passado, fingiam receber mensagens de mortos, no presente produzem notícias falsas de interesse do mais convicto reacionarismo político-ideológico.
No Brasil que cultua essa indústria de fakes, já se produzem livros, documentários e o que vier por aí para glorificar o "vovô médium" e lembrar dos tempos em que ele punha peruca na cabeça e vestia paletós bregas e seus fanáticos seguidores lhes davam flores.
Este é um país em que a paranormalidade mais parece querer parar a normalidade cotidiana e barrar nossa luta por um Brasil realmente melhor.
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