A tragédia nunca esclarecida de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, mortos por pistoleiros que estavam em um dos dois carros que perseguiram a vereadora, traz um forte indício.
O de que o Rio de Janeiro tem mesmo um coronelismo nos moldes do que aparentemente só existia no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Claro que o coronelismo é uma realidade no território fluminense, e o jogo-do-bicho e a milícia adotavam e adotam práticas próprias dos latifundiários do interior do país.
Segundo o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, general Richard Nunes, o assassinato de Marielle foi motivado porque ela ameaçaria interesses de milicianos no loteamento de terras no Grande Rio.
O crime não foi esclarecido, e até agora se ventilaram suposições.
O ministro da Segurança Pública do governo Michel Temer, Raul Jungmann, também disse que o crime não foi esclarecido porque "há gente poderosa por trás".
Fala-se até que os atiradores que mataram Marielle e Anderson também já foram assassinados.
Ontem, buscas foram feitas nas casas dos milicianos que teriam relação com o crime, em várias cidades do Estado do Rio de Janeiro.
Também um mandado de busca e apreensão foi feito na casa do também vereador Marcello Siciliano, acusado de envolvimento com as milícias.
Marcello se diz inocente, chamou a acusação de "maligna" e se ofereceu para prestar depoimento, embora continue sob investigação.
Isso mostra o quanto o Rio de Janeiro virou uma grande província, deixando de ter a imponência e o caráter moderno de outrora.
É um Rio de Janeiro culturalmente raquítico, onde as pessoas parece que só se contentam em ouvir os mesmos sucessos do hit-parade.
Seja no rock, no pop adulto, na música brasileira - ou melhor, a música brega-popularesca que predomina no Brasil - , a mesmice parece ter criado uma cera nos ouvidos dos cariocas, que parecem não ouvir outra coisa senão os poucos sucessos que estão acostumados a ouvir.
O carioca ficou pragmático. Já deixou de querer coisas melhores, se contentando com aquilo que "pode não ser aquela maravilha, mas até que está bom demais".
Surtos de reacionarismo e valentonismo ocorrem nos cariocas, que volta e meia ofendem e agridem quem discorda da mesmice e dos retrocessos sociais diversos.
Além disso, cariocas passaram a eleger políticos voltados a promessas espetaculares, como Eduardo Paes e Sérgio Cabral Filho, ou bandeiras moralistas, como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro.
A eleição de figuras progressistas como Marielle Franco e outros dois colegas do PSOL, os deputados Jean Wyllys e Marcelo Freixo, ambos também recebendo ameaças de morte, são exceções à regra.
Afinal, os cariocas, salvo exceções, se tornaram ruins de urna. Elegem hoje políticos que, mais tarde, serão incriminados e até presos amanhã.
Os cariocas, com apetite espartano, ofereceram ao Brasil o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 e a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
Recentemente, elegeram o ultraconservador Wilson Witzel para o governo fluminense.
O prefeito Marcello Crivella é outro conservador, mas pelo menos fez cancelar a horrível pintura padronizada que deixava o transporte municipal carioca com jeitão ditatorial, com tanto ônibus igualzinho como se vestisse uma só farda.
Isso choca, porque o Rio de Janeiro era associado a uma aura de modernidade e progressismo.
Como creditar um reduto de ultraconservadorismo que esteja associado à alegria ensolarada das praias da Zona Sul ou da fervilhante boemia da Lapa?
Nem as esquerdas acreditavam que o Rio de Janeiro tornou-se predominantemente de direita.
Eu via que muitos cariocas no Orkut e Facebook, incluindo muitos sociopatas, eram fascistas mirins, já em 2007. Mas eu não imaginava que eles fossem capazes de impulsionar a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
A tragédia de Marielle Franco mostra o quanto as sombras passaram a cobrir a paisagem carioca.
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