Bem que eu desconfiei dessa campanha toda que empurrava a "cultura" brega-popularesca para o esquerdismo.
Sob a desculpa do "combate ao preconceito", forçava-se, nas esquerdas, a aceitação de formas preconceituosas de suposta expressão popular.
Uma retórica de "cultura das periferias", do mito da "pobreza linda", da utopia da "favela feliz", da "prostituição empoderada" e outras bizarrices.
Acreditou-se em tudo isso durante uma década inteira. A intelectualidade "bacana" não tinha contraponto para seu "livre debate" sobre a tal "provocatividade" da "cultura transbrasileira".
Os intelectuais "bacanas" estavam sozinhos. Os microfones abertos eram só para eles. Quem podia se contrapôr a seu discurso não tinha visibilidade, era barrado dos banquetes acadêmicos já nas primeiras inscrições para o mestrado.
Os intelectuais "bacanas", hoje, choram a vitória de Jair Bolsonaro, mas desde 2005, pelo menos, eles criaram as condições psicológicas e intelectuais que permitiram a eleição do "mito".
A bregalização nada tinha a ver com esquerdismo. Se superestimou o fato, meramente banal, de haver plateias LGBTT, negras, índias e proletárias nos eventos de brega, "funk", "sertanejo" etc.
Mas essa plateia se encontrava até nas apresentações do Ultraje a Rigor e Roger Rocha Moreira tornou-se um reacionário nos últimos anos.
Essa "cultura transbrasileira" foi apenas uma leitura "pós-tropicalista" de uma pretensa cultura "popular" que a mídia oligárquica sempre difundiu desde a década de 1960.
É só ver quem difundia o "popular demais": a oligarquia midiática regional que controlava sobretudo rádios AM e FM, a oligarquia televisiva de caráter nacional, empresas associadas.
Nem mesmo o aparato "anti-mídia" convencia. Orlando Dias, o primeiro ídolo cafona, foi promovido inicialmente pela poderosa empresa O Rei da Voz, de Abraão Medina, cujo filho Roberto Medina, da marca Rock In Rio, colaborou na campanha de Jair Bolsonaro.
Hoje os ídolos da música brega-popularesca se promovem sob o aparato das redes sociais, em canais de seus empresários inscritos no YouTube.
Isso tudo é para dar um aparato de que um nome comercial surgiu de maneira "alternativa" ou "independente". E quantos "selos indie" de fachada, tão mercenários quanto qualquer grande gravadora, surgiram para forjar um aparato "alternativo" ao comercialismo brega?
André Midani mordeu a isca e pensou que Orlando Dias se projetou "sem o apoio da mídia".
E aí, recentemente, temos Jair Bolsonaro, um nome também que se projetou "sem o apoio da mídia".
Se bem que a mídia oligárquica, em boa parte, foi apoiar, com gosto, o "mito".
Dos empresários de mídia, o trio Sílvio Santos, Edir Macedo e Johnny Saad, respectivamente SBT, Record e Band, tomou partido em favor do "mito".
Neste âmbito, o jornalismo quixotesco do chefe Fernando Mitre está neste contexto.
Da mesma forma, um sem-número de ídolos "populares demais" também manifestou apoio a Bolsonaro.
Os ídolos "populares demais" estavam para as esquerdas do ciclo do PT assim como a "burguesia nacional" estava para as esquerdas do período de João Goulart.
Pensava-se que eram aliados, mas apunhalaram as esquerdas pelas costas defendendo golpismos políticos.
E se havia um Cabo Anselmo em 1963-1964, em 2016 tivemos vários. Do "funk", temos, por exemplo, o ricaço Rômulo Costa, amigo de polítivos golpistas e executivos da mídia venal, e Bruno Ramos, da Liga do Funk, que "protestou" contra a Globo mas foi gravar para o Fantástico.
Daí que Jair Bolsonaro não está fora desse contexto popularesco. Ele foi o ídolo político dos sociopatas das redes sociais, que apreciam "funk", "sertanejo", subcelebridades, mulheres-frutas e mídia policialesca.
Jair, assim que foi eleito presidente, foi aparecer em Bento Ribeiro, subúrbio do Rio de Janeiro onde ele foi criado, cortando o cabelo num barbeiro local.
O ex-capitão já fala como se fosse o "tio do churrasco", daí o aparente apelo popular dentro do contexto da sociedade hipermidiatizada.
Recentemente, ele, que passou uma folga na Restinga da Marambaia, numa base militar, foi fotografado lavando e pendurando roupa, como se fosse um cidadão comum.
É claro que no contexto dele, era sua obrigação lavar e pendurar roupa, como um militar que tivesse que se virar na vida.
Mas registrar essa foto tem um gosto de oportunismo populista, que faz o internauta médio das redes sociais sair pirando em prol do "mito".
Essa mania de parecer "gente como a gente" também contagiou o vice, general Antônio Hamilton Mourão.
Ao visitar um centro militar em Manaus, ele foi fazer flexão de braços após cumprimentar um colega.
Fora isso, tem-se a grosseria dos deputados bolsonaristas que parecem estar num boteco de quinta categoria.
É um populismo marqueteiro, que esconde um projeto ultraconservador feito para proteger os interesses dos mais ricos.
Enquanto isso, um menino de Minduri, no interior de Minas Gerais, um autista de 12 anos chamado Miguel Castro Souza, pediu ao Papai Noel um singelo presente de Natal: ter amigos.
Num cenário de ódio, de consumismo e até de hipocrisia religiosa - quando a "fraterna religião espírita" se envolve em escândalos envolvendo um "médium" - , um apelo como estes é bastante digno e humano.
E isso partindo de um autista, talvez bem menos "autista" do que os sociopatas que vivem fechados no seu mundinho imbecilizado e reacionário nas redes sociais.
Comentários
Postar um comentário