Pular para o conteúdo principal

O ROCK NÃO CANSOU POR ESTAR VELHO, MAS POR FALTA DE GARIMPAGEM

 

DAVID GILMOUR, EX-PINK FLOYD, E ROBERT PLANT, EX-LED ZEPPELIN - Ícones do rock clássico do Reino Unido.


Fala-se que a cultura rock cansou, não causa mais impacto, ficou chata, conservadora etc etc etc.


Tudo bem. Em vários aspectos, podemos considerar isso verdadeiro, por circunstâncias que já conhecemos.


Desde os anos 1990, o rock passou a se concentrar mais no hit-parade a tal ponto que o que se passou a ser chamado de "rock alternativo" era uma coisa qualquer nota.


Bobagens como Bloodhound Gang eram "rock alternativo". Grupos animadinhos como Sugar Ray e Smash Mouth eram "rock alternativo". O ultramainstream Coldplay é "rock alternativo".

Adaptando a frase do saudoso roqueiro brasileiro Zé Rodrix, "se tudo é rock, logo nada é rock", podíamos adaptar a frase para "se tudo é rock alternativo, nada é rock alternativo".


No exterior, o pólo de divulgação do rock, o rádio, deixou de ter rádios especializadas, dando lugar a emissoras burocratizadas que só faziam a média entre o padrão MTV e a cultura rock.


Mas como o rock é cultura local nos EUA e Reino Unido, a decadência das FMs alternativas dos anos 1980 teve impacto menor que o do Brasil.


Aqui, as altamente criativas rádios de rock autênticas, dos anos 1980, como Fluminense FM (RJ) e 97 Rock (SP), tiveram uma lenta decadência depois do fim dessa década e, na seguinte, foram extintas.


Pior: nenhuma delas teve sucessora à altura, tendo sido substituídas pela canastrice de FMs comerciais como a Rádio Cidade (RJ) e a 89 FM (SP). 


Dessas duas dublês de rádios rock, cuja programação diária mais parece a Jovem Pan tocando sons do mainstream roqueiro pós-1990, a 89 FM pelo menos abriga uma pequena leva de programas que lembram a 97 Rock do final de sua existência.


Isso causou uma mudança de comportamento do público roqueiro para pior. O público de rock passou a ouvir "só sucesso", e a vexaminosa Rádio Cidade chegou ao cúmulo de inspirar o surgimento dos "fãs de uma música só".


Era horrível. Gente que se dizia fã das bandas de rock só por causa de um único respectivo sucesso.


Deep Purple, por exemplo, vinha com "Smoke On The Water". AC/DC, com "Back In Black". Led Zeppelin, com "Oh My Love" e por aí vai.


Ao menos o Pink Floyd só tem três hits: "Another Brick In The Wall Part II", "Time" e "Wish You Were Here". Ou, quando a coisa aperta, "Money".


Isso tornou-se tão vergonhoso que agora esse pessoal, pelo menos, procura uns outros hits para ver se não continua passando vexame.


Isso se tornou um hábito indigente: roqueiros se limitarem a ouvir os hits, definidos sob o eufemismo de "clássicos". Ficam ouvindo sempre os mesmos punhados de músicas e bandas, e é claro que isso faz a cultura rock se desgastar.


As rádios também não tem gente especializada. As programações são comandadas por locutores que, não bastasse o estilo medonho de voz macia e fala animadinha, não passam credibilidade quando anunciam artistas e notícias relacionados ao rock.


Têm boa pronúncia, mas como é gente sem envolvimento no ramo, lê sem sequer compreender com profundidade aquilo que os redatores da produção escrevem. Não têm conhecimento de causa.


Tive a infelicidade de percorrer as lojas pelas ruas de Niterói, sintonizadas na Rádio Cidade, e dá para perceber a falta de intimidade dos locutores. Demmy Morales, por exemplo, com seu estilo de locutorzão pop, é capaz de dar notícias sobre Steve Vai como se fosse alguma novidade do DJ Alok.


Isso influi no superficialismo que transformou o público de rock num chato. Pelo menos aquele público de maior visibilidade. Não falo dos que estão refugiados no MP3, no YouTube, dos quais me incluo.


Aqui no Brasil, há bandas seminais de várias épocas, nem tão desconhecidas assim, como Kinks, XTC, Ride, Wedding Present, Teardrop Explodes, que só são desconhecidas pelo público brasileiro médio.


O que representa mais frescor no rock é simplesmente desprezado. Há muita coisa fora do mainstream que soa mais nova do que muita coisa "nova" no pop dos últimos anos.


Há o rock brasileiro das Baratos Afins que quase ninguém conhece. Mesmo o finado Carlos Eduardo Miranda se envolveu com parte do rock indie gaúcho e paulistano.


A renovação do rock lá fora se deu pela razão mais simples de que o pessoal dos EUA e Reino Unido ouvia coisas "mais difíceis", como Wire, Television, Sparks, XTC etc.


Ou alguém acha que Strokes seriam Strokes se ficassem só ouvindo os "grandes sucessos"?


Em outros tempos, o Clube da Esquina e os contraculturalistas ouviam a fase 1969-1974 dos Rolling Stones, mas também grupos como Gentle Giant, Byrds e Van Der Graaf Generator (este vindo da mesma Manchester do Oasis, Stone Roses e Happy Mondays).


Aqui no Rio de Janeiro, o sujeito só ouve Guns N'Roses e System of a Down e fica se achando.


Há uma falta de garimpagem, até porque, creio, o público de rock aqui nem é tão espontâneo assim, e talvez seja a razão seguinte da decadência do rock.


É que o rock ficou careta por conta dos caretas que passaram a ouvir rock nos anos 1990. Boa parte da origem da juventude bolsonarista de hoje se deu através da "rebeldia sem causa" dos ouvintes da 89 FM e Rádio Cidade, que há 20 anos já pediam o fim do Poder Legislativo.


É gente acostumada a ouvir só hit-parade, só colecionava discos comprando coletâneas e não tem a menor ideia do que está além dos "pratos feitos" do mainstream.


É um público que recebe o peixe mas nunca foi ensinado a pescar. Daí o superficialismo irritante e irritado dessa patota toda.


Não é o "funk" e o k-pop que viraram oásis (olha o trocadilho) de rebeldia e criatividade, até porque tais virtudes não passam de grandes miragens para esses gêneros ultracomerciais.


É o rock que se acomodou, sem uma cultura aprofundada que recuperasse o vigor dos antigos tempos e sinalizasse uma retomada criativa, mesmo aproveitando coisas antigas. 


Em muitos casos, o "novo" está mais em dar uma nova energia para o que era antigo, dando um novo significado, do que em inventar algo do nada.


Daqui a cinco anos, o k-pop já estará mais cansado e mofado do que o rock "mais careta". E o "funk", que nunca foi grande coisa, será o Marcelo Tas dos próximos anos, no sentido de ser uma "irreverência que caducou".


Pensemos nisso. Talvez precisemos de uma mídia roqueira mais consistente, sem os Tatolas da vida que não são mais do que outros Tutinhas que se escondem em jaquetas de couro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document