Infelizmente, o ultracomercialismo da atual geração musical brega-popularesca, que envolve "funk", "sertanejo" e "forró eletrônico" (e seu derivado, a "pisadinha"), viraram o "novo normal" da nossa música.
E os demais segmentos musicais, como rock, MPB, Bossa Nova, Jazz etc, sucumbiram ao hit-parade.
Existem eufemismos para o "novo segmentado" surgido nos anos 1990 e que prevalece até hoje.
"Grandes sucessos" ganharam o eufemismo de "clássicos". Hits secundários, de "lados B". Músicas de trabalho que se tornarão hits, "novidades". E todos felizes feito gado bovino ouvindo apenas um punhadinho de músicas.
Conheci a Galeria do Rock aqui em Sampa e me decepcionei. A super galeria que seria um paraíso para os roqueiros é decepcionante. O aspecto já diz muito, pois as instalações soam velhas e escuras.
Até existem lojas de discos de rock, mas, salvo exceções, a maioria delas é puro mainstream e até em camisetas eles mostram nomes nada roqueiros, como Michael Jackson e Madonna. Tem até loja que vende discos de Halsey e Katy Perry, só para entender o drama.
A exceção ficou por conta de uma loja que exibiu, em sua vitrine, vinis de rock menos conhecido, e até o Younger Than Yesterday, álbum de 1967 dos Byrds - que tem a divertida "So You Want To Be a Rock'n'Roll Star" - , estava entre os títulos.
Aquela mística que cercava a Galeria do Rock se desfez. Tem muita loja convencional sem relação com o rock, tipo loja de roupas, e o último andar está vazio de lojas fechadas.
Certo, existe a pandemia, o streaming, o MP3, que fez decair o mercado de discos. Mas a própria decadência do radialismo rock, mais preocupada com os interesses comerciais, fez a divulgação do rock se tornar cada vez mais superficial e restrita.
Temos a ilusão de que o Brasil está socialmente nos seus melhores dias porque a criançada graúda brinca muito nas redes sociais, está um clima de muita, muita alegria.
As bolhas sociais também têm a vida (relativamente) movimentada (devido às restrições da pandemia). E também têm a ilusão de que estão vivendo os melhores momentos culturais.
E há outra ilusão, a de que existe uma quantidade gigantesca de nomes que, em tese, estão circulando na mídia e na Internet e, por isso, muita gente insiste em afirmar que estamos vivendo o melhor de todos os momentos.
Grande engano.
Primeiro, porque temos a idiotização musical dos fenômenos popularescos, e seu comercialismo mais do que evidente.
Só que o pessoal passa pano geral em tudo isso. Vide o "combate ao preconceito", que fez com que um Paulo César de Araújo fosse visto como Deus encarnado na Terra.
Daí ser compreensível que muitos torçam o nariz para meu livro Esses Intelectuais Pertinentes..., que fala de uma crise cultural à qual muitos fazem vista grossa.
A retórica da "diversidade" é muito usada para justificar a acomodação geral, seja a imbecilização popularesca, seja as bolhas segmentadas.
Parece Idade Média, uma época que, pelo jeito, os brasileiros médios de hoje acham muito fantástica e sentem tristeza por não a terem vivido.
Tentaram eleger Bolsonaro para garantir a Idade Média 2.0 no Brasil. E temos a Idade Mídia dos meios de comunicação conservadores, não só rádios, TVs e jornais hegemônicos, mas também os chamados big techs dos provedores de aplicativos digitais.
E boa parte dos livros mais vendidos no Brasil são de desnecessárias ficções medievais, de cavaleiros armados, bruxas sinistras, estudantes vampiros etc.
Imitadores de Harry Potter e Senhor dos Anéis que lançam livros de 280 páginas com textos de fontes enormes, com espaçamento maior e intercalados com várias páginas ilustradas ou em branco, que acabam não dando mais do que o conteúdo para 140 páginas de texto.
E o pessoal que se recusa a gastar míseros R$ 55 por Esses Intelectuais Pertinentes... não mede orçamento para gastar, ainda que aos poucos, R$ 600 ou mais pelas séries de aventurinhas medievais.
E o que muitos gastam em cigarro, cerveja e até "baseado" dá bem mais do que o preço do meu livro, mesmo acrescido de frete.
Tudo triplamente irreal (e surreal), para anestesiar a moçada: obras fictícias, situadas num tempo passado e em um país distante.
Beleza. Assim fica fácil botar a crise cultural debaixo do tapete.
As pessoas dormem tranquilas porque a jovem socialite filha de advogado canta "Como Nossos Pais" numa festa de aniversário, é aplaudida e muitos pensam que, só por causa disso, a MPB está em alta.
Como muitos pensam que a MPB está em alta porque aquele músico instrumental teve seu concerto exibido de madrugada num canal comunitário da TV paga, e nem mesmo a maioria de seus fãs foi informada do assunto. Mas todos dormem tranquilos feito ovelhinhas.
E tem crítico musical até competente e que escreve bem, mas que, na tendência flanelinha da crítica musical de hoje, ele tem que passar pano em qualquer onda popularesca ou no novo disco daquele ídolo popularesco do passado.
Chitãozinho & Xororó massacrando a Bossa Nova? O crítico musical tem que passar pano, e mesmo com reservas ele não pode avaliar o disco com menos de três entre cinco estrelas, senão leva pau das patrulhas intelectuais pró-brega, sob acusação de "preconceito".
Temos uma crise cultural no Brasil porque, em que pese a suposta diversidade e a suposta variedade de tendências musicais que temos em mãos, a maioria delas está marginalizada.
O que prevalece é a imbecilização musical dos fenômenos popularescos, que, lembremos bem, tratam o povo pobre como uma caricatura.
Mas como é uma caricatura narrada de maneira "positiva", "serena" e "alegre" pela opinião pública influente (leia-se "a opinião que faz lacrar"), mesmo quando negros são tratados como macaquinhos de realejo para patota pró-brega, todo mundo vai dormir tranquilo.
Até mesmo as esquerdas, que não conseguiram enxergar nessa narrativa cruel algum sinal de hidrofobia discursiva nem um cheiro do nariz de Luciano Huck, também vão para a cama sonhar o sonho dos (in)justos com essa "periferia no modo Disneylândia".
Até roqueiros frustrados, que não suportam mais ouvir Arnaldo Antunes cantando "O que não é que não pode ser que não é", veem o funqueiro do momento a "salvação da humanidade", para não dizer a esperança de alguma "revolução bolivariana" na mente do ressentido.
Embora existam esforços do Legislativo e do Judiciário para, com habilidade institucional, pôr fim ao governo Jair Bolsonaro, o momento não é de felicidade paradisíaca.
A situação está feia, e o Brasil sofreu fraturas sócio-culturais nos últimos 50 anos. Decaímos culturalmente, e não é a quantidade que justifica a qualidade.
Fingir que tudo está bem é ficar complacente com essa decadência. É se conformar com as perdas culturais que tivemos e que não serão funqueiros, piseiros, sofrências e outros popularescos que irão recuperar a situação.
Acho que o excesso de uso de Internet está acabando com a mente de muita gente. E a cultura vai caindo de nível sem que a maioria das pessoas perceba.
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