Pular para o conteúdo principal

PAOLA CAROSELLA É UMA VOZ REALISTA QUE SE ENCAIXA EM TEMPOS DISTÓPICOS COMO HOJE


Fico refletindo o quanto há muitos estrangeiros que se demonstram tão ou mais brasileiros do que muito nativo deste Brasil deitado eternamente em berço esplêndido.

Mino Carta, por exemplo, é um jornalista honrado, lúcido, experiente e mais apaixonado pelo Brasil do que muito jornalista hidrófobo que quer entregar toda a condução da política e economia de nosso país para paus-mandados de Wall Street, da Casa Branca e do Pentágono, aqui nascidos.

Temos Noam Chomsky, que sabe mais do que muitos brasileiros que houve golpe político em 2016, um evento que começa a desaparecer até da memória de muitos esquerdistas iludidos com o identitarismo fácil.

Temos alemães que, lá do seu país, nos alertam para o risco de endurecimento fascista do governo Jair Bolsonaro.

Temos japoneses e estadunidenses que apreciam a mesma MPB autêntica que é demonizada pela nossa intelectualidade tupiniquim, mais identificada com os "bumbum tantãs", os "tecnobregas" e as "pisadinhas" da vida.

Temos estrangeiros que respeitam mais a bandeira brasileira do que muitos brasileiros que pensam que tal símbolo pátrio é uma toalha de banho para se enrolar em seus corpos e mentes sujos.

E aí vemos mais um exemplo de gente de fora preocupada com nosso país, a chef de cozinha Paola Carosella, ex-jurada do Master Chef Brasil.

Progressista e realista, a cozinheira, nascida na Argentina e radicada em São Paulo, está preocupada com o mundo de ilusão e hipocrisia que existe nas redes sociais.

Em declaração polêmica, Paola admitiu a tradição racista que está no inconsciente de todos os brasileiros. Escreveu ela:

"Eu sou racista, não quero ser, mas tenho certeza que sou. Impossível não ser racista nascendo numa sociedade racista. A gente mamou racismo, todo poder foi branco. Toda autoridade foi branca. Vc e eu somos racistas. O começo è esse: sou sim racista e não quero ser".

É um diagnóstico de uma doença social, marcada pelo culturalismo conservador que Jessé Souza tanto fala, sobre a tradição escravista brasileira e o racismo científico que envolve não só negros, mas sobretudo eles.

É muito diferente do que o chefe de jornalismo da Rede Globo, o "isento" Ali Kamel, que, escondendo a sujeira histórica de séculos pelo tapete, alega que "não existe racismo" no nosso país.

Uma outra mensagem Paola escreveu alertando contra o mundo de fantasia das redes sociais:

"Não acredite em influencer. Não acredite em frases inspiradoras com foto de iate e barriga sarada, não siga conselhos de vida de influencer. Procure profissionais sérios. A vida não é como o Instagram, viver é duro, quem te fala o oposto mente e é extremamente irresponsável".

Mas isso não é o bastante. Ela mandou mais um texto, ndignada com a pasmaceira de uma parcela de brasileiros iludida com os tempos atuais, onde se arruma espaço para expor uma "felicidade" e uma "liberdade" incabíveis nesses tempos distópicos.

Ainda que possamos ser alegres, não dá para ter o entusiasmo e o otimismo como muitos estão, de forma exagerada, esbanjando por aí.

Em Niterói, fiquei constrangido quando duas mulheres se cumprimentavam, como se vivessem a felicidade do paraíso, com uma delas dizendo "Aaaamiiiigaaaa!!!", com os braços abertos.

E isso durante o governo Michel Temer. Mas no governo Bolsonaro, vemos gente "tomando no cool" com "bumbum tantã" e "pisadinha" ou fazendo poses de lótus, mãos em gesto de prece em fotos na praia, agradecendo o "momento feliz" em que vivem.

Paola Carosella fez uma foto de cansada, para demonstrar a sua exaustão verdadeira, e disparou umas verdades desagradáveis sobre a hipocrisia humana. Um trecho:

"A foto ilustra muito bem como me sinto. Estou exausta. Exausta da hipocrisia, dos sommeliers da vida alheia, dos perfeitos que pregam lições de uma moral que não viram nem passar na esquina. Exausta das magras esqueléticas dando dica de dieta, dos milionários dando dica de poupança, das garotas de 23 anos vendendo cremes antirrugas para mulheres de 50 anos".

Já vi, desde os tempos do Orkut, de pessoas se achando "donas da verdade" porque defendem ideias estabelecidas pelo status quo que não são assim tão legais. Você questiona e, de repente, é alvo de um linchamento virtual violento e até blogue de ofensas pessoais gratuitas é criado.

O Tribunal da Internet é feito por pessoas desordeiras que no entanto se acham sempre com a razão.

Mas como essas pessoas sádicas e violentas representam uma simbologia de ilusão e diversão, tem muita gente boa que não é de humilhar os outros mas que participa desses linchamentos, achando que é brincadeira de gente descontraída.

Gente pegando carona na truculência alheia, dando apoio ao valentão da ocasião, iludida com esse mundo de festa e coletividade que apresentam em suas propagandas fantasiosas.

A realidade é dura e dramática. Mas enquanto tem gente persistindo em se manter numa fantasia ilusória e numa pretensa liberdade de corpos rabiscados e vida desregrada, temos vozes de alerta como a de Paola Carosella, mais preocupada como o Brasil que muitos brasileiros natos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

TRINTA ANOS DE UMA NOVELA DA PESADA

A PRIMEIRA VERSÃO DE A VIAGEM  "PRESENTEOU" OS FUNCIONÁRIOS DA TV TUPI COM A FALÊNCIA DA EMISSORA. Triste país em que executivos de TV e empresários do entretenimento montam uma falsa nostalgia, forjando valores e fenômenos falsamente cult  para enganar as novas gerações, que levam gato por lebre com esse pseudovintage feito para lacrar nas redes sociais. Vide a gourmetização da mediocridade musical com, por exemplo, Michael Sullivan, Chitãozinho e Xororó e É O Tchan, nomes que deveriam cair no esquecimento público, pelas obras deploráveis que fizeram. Na dramaturgia, a coisa não é diferente num país em onde Caio Ribeiro, Luva de Pedreiro e um tal de Manoel Gomes (do sucesso "Caneta Azul") são considerados cult  e hit-parade  é confundido com vanguarda, qualquer coisa pode ser alvo dessa "nostalgia de resultados " que transforma o Brasil no Olimpo da idiotização cultural. A coisa chega ao ponto de uma novela infeliz, com temática mais medieval do que Game