As esquerdas estão indo para um caminho bastante perigoso.
Iludidas por acharem que estão em 2002, elas agora tentam furar a bolha do lado mais indevido.
Tentam comparar a Covid-19 com a tragédia da Plataforma P-36, ocorrida há 20 anos. Mas esta matou onze pessoas. A pandemia matou mais de 350 mil e continua matando de maneira bastante acelerada.
A única diferença, de 2002 para 2021 é que as alianças de antes foram com o baixo clero da direita política, em contraposição ao PSDB.
Agora é o tucanato e a direita moderada os alvos dessa furada de bolha inadequada que as esquerdas precipitadas agora fazem.
E, às vezes, há direitistas que são tratados como se fossem gente de dentro das esquerdas.
Exemplo recente é o Blog do Esmael, do paranaense Esmael Morais, que saudou o cantor Roberto Carlos, que hoje festeja 80 anos de idade, creditado como "amigo de Dilma Rousseff".
Só que Roberto Carlos é uma das celebridades mais conservadoras do Brasil, juntamente com Sílvio Santos, Hebe Camargo, Pelé e aquele suposto médium da patética "profecia da data-limite".
Roberto Carlos afirmou, durante a ditadura militar, que era de direita. Seu conservadorismo o fez lutar contra as biografias não-autorizadas. Nos últimos anos, sinalizou simpatia por Sérgio Moro e Jair Bolsonaro.
Se Roberto se desiludiu com Bolsonaro, sobretudo no que se diz ao descaso deste com a pandemia, isso não significa que o cantor capixaba tenha virado, num estalar de dedos, um marxista bolivariano.
Mas o caso de Esmael Morais puxar o Brasa para sua sardinha pró-Lula é apenas um dos vários exemplos de como se fura bolha no lado em que não se deve.
As esquerdas de repente se entusiasmaram demais com a direita moderada se rendendo a Lula.
Só porque Reinaldo Azevedo e Alexandre Frota mudaram, não quer dizer que todo mundo mudou. Tem gente que acha que a ala tradicional do PSDB (FHC, Alckmin, Aécio, Serra) passou a apoiar Lula e que o tucanato é podre apenas no lado de João Dória Jr. e Bruno Covas.
Esse delírio todo das esquerdas oba-oba, que abandonaram os trabalhadores, camponeses, desempregados e sem-teto, soa como alguém que voa num dia intenso de Sol que terminará numa tempestade trovejante.
Quando morei em Niterói, observava o comportamento dos dias de intenso calor.
De manhã, um céu intensamente azul, um forte calor, um clima bastante animador.
De repente, forma-se um "horizonte" de nuvens brancas, que parecem uma grande floresta de algodão.
Esse montão de nuvens, depois, passa a ter uma cor azulada, e em seguida passam a ser cinza e, depois, cor de grafite e, num dado momento, violenta trovoada com muitos raios anunciam a chuva intensa, a tirar muita gente desesperada das ruas.
Hoje, setores das esquerdas já se tornaram tão flexíveis que continuam com seus "brinquedos culturais" dados de presente pela direita moderada: funqueiros, "médiuns espíritas", craques de futebol fanfarrões, mulheres-frutas, velhos ídolos cafonas.
Tudo que for direita e não for hidrófobo nem Luciano Huck acaba sendo tido como "de esquerda".
A essas alturas, até cachorro que chega a um esquerdista alegre, mostrando a linguinha, significa mais um voto para Lula em 2022.
Isso é uma avacalhação e as esquerdas que pensam assim pensam em "fazer número". Vale até ídolo cafona ou "médium espírita" que apoiaram a ditadura militar e que, supostamente, fizeram pobre sorrir.
Basta falar palavras mágicas como "paz", "solidariedade", "interatividade", "mobilidade urbana", "acessibilidade" e "sustentabilidade" para as esquerdas creditarem os direitistas que agem assim como se fossem "gente já dentro do esquerdismo".
Enquanto isso, o maior apoio que Lula deveria ter, o povo brasileiro, a classe trabalhadora e os miseráveis, continua em pleno abandono, vulnerável ao oportunismo de seitas neopentecostais.
Não se fala em recuperar os direitos trabalhistas, fortalecer os sindicatos, promover a reforma agrária, melhorar o poder aquisitivo e combater a violência e a escravidão no campo.
Em vez disso, as esquerdas acabaram passando pano no pacote de maldades de Michel Temer, fazendo com que, hoje, superestimasse o auxílio emergencial, sob o risco de ser rebatizado "auxílio permanente".
Já eram supervalorizadas a Bolsa Família e as cotas raciais nas universidades, porque essas medidas são necessárias, sim, mas dentro de certos contextos, e não em qualquer situação.
É necessário que as esquerdas tenham o pé no chão. Buscar apoio desesperadamente não lhe irá trazer mais votos, e, a longo prazo, por representar risco ao projeto progressista de recuperar o Brasil.
Afinal, não há almoço grátis e o apoio de setores da direita a Lula pode representar uma castração de boa parte de sua agenda governamental.
E aí vemos o que as esquerdas médias querem de Lula.
Elas não querem que Lula seja Lula. Elas querem que ele, em vez de fazer o papel do líder trabalhista, vire um arremedo de Dom Pedro II e exerça seu papel domesticado de promover a fraternidade das ovelhas com os coiotes.
Daí ser um risco estourar a bolha no lado indevido. Pode gerar graves feridas no futuro de um Brasil já suficientemente fraturado.
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