O Brasil, literalmente, está tomando no cool. A precarização cultural, que cria um cenário devastador para nosso país, tem agora o ingrediente extra de que a bregalização musical agora é associada a uma imagem de "coisa mais legal do mundo", só porque parece, aos olhos do público, "mais divertido e socialmente agregador".
Sábado passado foi o dia em que perdemos o grande mestre da Bossa Nova, Carlinhos Lyra - ele também um ativista estudantil e um engajado artista progressista - , aos 90 anos, um dia antes da lembrança dos 57 anos de falecimento de Silvinha Telles, primeira intérprete do compositor.
E enquanto o Brasil humanista, sensível e criativo estava de luto pela perda do grande bossanovista, a alegria tóxica botava para quebrar com a edição do programa Altas Horas dedicada aos "30 anos" do grupo baiano de "pagodão" É O Tchan, um dos nomes do "brega vintage", modismo voltado para a gourmetização dos ídolos popularescos do passado, mesmo o recente.
O Altas Horas, exibido na madrugada de sábado para domingo na Rede Globo, teve audiência considerada "recorde" para a trajetória do programa, e vale lembrar que a comemoração dos 30 anos é antecipada, pois o grupo existe desde o segundo semestre de 1995, antes havendo o grupo Gerasamba, que não contava com as dançarinas que marcaram a trajetória do É O Tchan.
Com suas músicas horripilantes - que só não parecem "ruins" porque, nos anos 1990, os ídolos popularescos contavam com arranjadores habilidosos contratados pela indústria fonográfica - , o É O Tchan é um dos símbolos do que "há de mais legal" na geração Tik Tok, e a "coreografia" do grupo liderado pelo empresário Cal Adan inspirou o "funk", outro ritmo alvo da mesma glamourização.
Foi o apelo dos glúteos ostensivamente apelativos das dançarinas - na ocasião, só Sheila Mello apareceu no programa - que fizeram a audiência bombar, com um público de jovens machistas afoitos pela erotização fácil oferecida pelo grupo, que já foi oferecido por "boas famílias" para seus filhos em idade infantil. Eu vi, na Boca do Rio, em Salvador, até um "centro espírita" realizar um desfile escolar com crianças andando ao som das músicas do grupo.
E tudo isso é calculado para que a música brega-popularesca pareça sempre "legal". No brega vintage, temos Michael Sullivan, Gretchen, Odair José, Chitãozinho & Xororó, para se juntar ao cardápio intragável (mas digerível para mentes culturalmente deterioradas) do piseiro, do arrocha, do "funk", da sofrência e do trap (franquia do "funk ostentação").
Assim como o mercado associa o sabão em pó a roupas brancas e o automóvel à velocidade e aos passeios atraentes, a música brega-popularesca é associada à agregação social, ou seja, à "diversão entre amigos" e à presença de pessoas "muito bacanas", dentro de um consumismo festeiro que, na verdade, não serve para promover cultura, mas tão somente para vender mais cerveja com uma trilha sonora tão pavorosa.
É lamentável que ainda se fale em Brasil conquistando o Primeiro Mundo e se tornando potência com um cenário cultural tão devastador. É muito triste e, para mim, é de partir o coração. Afinal, o pessoal está tomando no cool adoidado, fazendo nostalgia barata com o brega vintage.
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