O instinto vira-lata do brasileiro médio contemporâneo contamina geral. A elite do bom atraso difunde seus valores privativos como se fossem universais e acha que o mundo inteiro, quiçá o universo todo, podem caber na palma da mão dessa sociedade megalomaníaca, desses 30% de brasileiros que se acham donos de tudo.
Certa vez o vício de linguagem fez uma matéria de um acidente em Belo Horizonte, anteontem, em que um Porsche em velocidade altíssima de 260 km/h bateu em pistes e árvores na Avenida Barão Homem de Mello e um passageiro foi arremessado para fora do veículo e morreu. O motorista, que dirigia embriagado e tinha a carteira de habilitação vencida, saiu ferido. Coisas da sociedade que quer demais na vida, bebendo cerveja adoidado e comprando carrões caríssimos. O Porsche ficou destruído.
E o vício de linguagem? O repórter teve a ideia infeliz de dizer que a dupla "saiu de uma balada" insistindo no uso da gíria "balada", jargão da Faria Lima, de Luciano Huck e da Jovem Pan. Mesmo que esta palavra fosse mencionada por algum depoimento, é porco citar essa gíria. O certo é dizer que os caras "sairam de uma festa noturna". Daqui a pouco vão noticiar estupro com um homem preso por fazer "nheco-nheco" na vítima. O jornalismo, mesmo em crise, merece respeito, com o uso das palavras sem os vícios de youtubers, né?
Mas voltando ao nosso assunto - se bem que a gíria "balada" é expressão desse culturalismo vira-lata enrustido, que vai muito além do perímetro urbano e rural do bolsolavajatismo - , a elite do bom atraso tem seus herois privativos, de "médiuns" a funqueiros, expressando esse viralatismo embalsamado pelas redes sociais.
Só mesmo nesse Brasil atrasado temos falsos gênios. Michael Sullivan é a velha raposa do brega que quer tomar para si o galinheiro da MPB. Outro Michael, o Michael Jackson, só é considerado "gênio indiscutível" aqui no Brasil, porque lá fora ele foi apenas um cantor bom, nada excepcional, que decaiu com o sucesso e terminou a vida como uma subcelebridade. Ainda vamos falar nisso em breve.
No rock, em que temos a supervalorização de nomes apenas medianos e pouco representativos lá fora, como Outfield e Johnny Rivers, Guns N'Roses são outros falsos gênios endeusados com cego fanatismo pelos brasileiros. Não me esqueço de um universitário que em 2001 folheou meu zine O Kylocyclo (o cara não comprou, por "fala de dinheiro") e fez cara de estado de choque com um texto cujo título já negava que a banda de Axl Rose fosse um grupo de classic rock.
Mesmo críticos musicais com notável competência acabam embarcando na lorota de que o Guns N'Roses "reabilitou o hard rock no mundo". A lorota é a seguinte: bandas de metal farofa estavam fazendo muito sucesso na segunda metade da década de 1980 e eis que o Guns N'Roses, com seus dois primeiros álbuns, teria "imposto moral" no rock, retomando o peso e a energia e blablablá.
A virada dos anos 1980 para os 1990 seria então a "vitória" do rock pesado graças a Axl e companhia. E aí essa narrativa prevaleceu no Brasil, cuja cultura rock se torna refém de uns mauricinhos esquentadinhos que pensam ser rebeldes e ouvem as canastronas 89 FM A Rádio Rockefeller da Faria Lima e a Rádio Cidade, do Rio de Janeiro, hoje a web radio da Barra da Tijuca. Esses jovens não ouvem 99% do legado geral do rock e se acham donos da cultura rock, espalhando terror e vomitando arrogância contra quem discordar do que pensam esses peões de Barretos escondidos em jaquetas de couro.
Mas a verdade é que o Guns N'Roses nunca foi rock clássico. Essa ilusão é coisa de quem nunca ouviu rock de verdade, sobretudo quem nasceu nos últimos 45 anos, cujo máximo de rockão era "Fera Neném" e "Ursinho Blau-Blau", pois Legião Urbana era "rock progressivo" demais para esse pessoal. E aí vemos o quanto músicas fáceis tipo "Sweet Child O'Mine" (quase uma cover de "Fogo e Paixão" do Wando) são consideradas a "Stairway to Heaven" da geração Tik Tok, a mesma que tem em Michael Sullivan o "Tom Jobim para chamar de seu".
E falando em Sullivan, difícil não lembrar das canções xaroposas de José Augusto, o autor de "Evidências", quando se houve a breguíssima "November Rain". Os arranjos de "November Rain" se encaixariam no repertório do cantor brega bolsonarista e parece "chupada de "Sonho por Sonho" do ídolo brasileiro.
Achar que uma banda que faz uma canção tão cafona assim reabilitou o rock, principalmente o hard rock, é um grande contrassenso. Pura preguiça bem de acordo com a mente provinciana que contamina nosso país, onde até os roqueiros se acomodaram nas zonas de conforto do hit-parade.
Quanto às canções mais vigorosas, o Guns N'Roses nunca passou de uma patética caricatura do Led Zeppelin, mil anos-luz inferior à icônica banda britânica. O som do Guns N'Roses não difere muito do de outras bandas de metal farofa que contaminaram o cenário roqueiro dos anos 1980.
E imaginar que os roqueiros mauriçolas ouvintes da 89 e Cidade fazem pose de durões destemidos mas fogem de medo do verdadeiro rock, é coisa típica desse Brasil vira-lata. Um país atrasado que apela até para a exaltação da mediocridade musical, trilha sonora exata para os valores chinfrins tidos como "geniais" por essa elite do bom atraso metida a ser dona de tudo.
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