Depois que, com a crise do nosso jornalismo, já definido por especialistas como uma profissão em declínio, veio uma onda de humoristas dublês de jornalistas, esta situação traz uma reflexão muito delicada.
Não vou aqui comentar muito sobre o histórico da interação entre jornalismo e humor. Apenas nos lembramos de exemplos muitíssimo valiosos como Apparicio Torelly, o Barão de Itararé, Millôr Fernandes e Sérgio Porto (que usava o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta), que fizeram uma obra indiscutivelmente brilhante enquanto estiveram entre nós.
Mas hoje, com o legado de humorísticos que parodiavam os noticiários, como CQC e Casseta & Planeta, a atuação pedante do Pânico da Pan no jornalismo e o pedantismo ainda mais escancarado dos influenciadores digitais, a onda dos comediantes metidos a ser jornalistas passou a preocupar.
Não me convenceu, numa entrevista de emprego em que participei, um membro de um famoso grupo de comediantes, de cerca de 45 anos de idade - ele afirmou "ter 40 anos" - , narrar uma carreira jornalística, embora de forma resumida, que mesmo assim soa longa e abrangente demais para um humorista de carreira.
A questão é essa: como é que um humorista de carreira, integrante de um grupo, que precisa de uma semana para ensaiar com os colegas uma peça de humor, pôde ter uma carreira paralela de jornalista, passando por várias editorias?
O carisma obtido, no meio humorístico, pelo CQC e C & P, acabou criando problemas nesse sentido. Tudo por conta do que eu denomino de "jornalismo de pirarucu". O nome tem relação ao suplo sentido que a conhecida espécie de peixe carrega através desse verdadeiro cacófato.
O "jornalismo de pirarucu" é aquele que consiste nas enquetes de rua em que o comediante que parodia um repórter pergunta a um transeunte alguma temática maliciosa, do tipo "quando você transa com seu marido, você pensa no Brad Pitt ou no Tom Cruise"?
O cara faz uma pergunta assim e acha que merece o prêmio Pulitzer. O comediante se acha o Tom Wolfw, o Bob Woodward ou o Carl Bernstein da comédia. E fica tirando onda, inventando do nada uma "carreira jornalística" supostamente relacionada a um monte de editorias. Difícil ter 45 anos de idade, uma carreira na comédia e ter uns 25 ou 30 anos de Jornalismo passando por tudo quanto é editoria
Isso é muito ruim e pide servir não só de exemplo inadequado de Jornalismo para as novas gerações, que, em vez de espelharem nos repórteres do passado, acabam se inspirando em nomes fáceis como Danilo Gentili, Rafinha Bastos ou influenciadores como Monark. Qualquer humorista de estandape influencia mais do que figuras de um passado recente, como Ricardo Boechat, Glória Maria e Paulo Henrique Amorim.
O pior problema é que o pessoal vai pensar que Jornalismo é falar de futilidades ou fazer esquetes humorísticas. Se deixarmos, o Jornalismo acabará perdendo sua função de informar para se transformar numa grande piada.
Comentários
Postar um comentário