Gosto da Kéfera Buchmann e acho ela uma das poucas pessoas famosas que consegue ter os pés no chão. Ela consegue demonstrar relevância e bom senso nessa selva de mediocridade e imbecilização dos tempos atuais, em que a felicidade tóxica só consegue mesmo realizar a proeza de fazer a versão brasileira dos "loucos anos 1920" que terminaram na dramática crise econômica de 1929.
Kéfera é da primeira geração de youtubers que, em parte, demonstraram alguma consistência. Era 2014 e influenciadores digitais, na época, pareciam ter mais conteúdo. Havia as influenciadoras digitais que mostravam coisas interessantes, mesmo quando mostravam dicas de beleza, e falavam de viagens, literatura e cinema sem sucumbir à futilidade, e às vezes mostrando algum gosto musical mais interessante e menos óbvio.
Hoje, com o universo dos chamados influencers (como se diz em "portinglês"), que tentam criar conteúdo para a falta de conteúdo, contaminando até mesmo o mercado de Jornalismo, hoje contratando comediantes de 45 anos que inventam um currículo jornalístico de 35 anos (só faltando dizer que cobriram a viagem do homem à Lua), os chamados formadores de opinião mais deformam e fazem o público se acostumar mal com mensagens desprovidas de senso crítico.
Pois Kéfera mostrou, mais uma vez, uma postura sensata e crítica quanto à futilidade da obsessão pela lacração e pela ostentação fácil da fama sem talento. A atriz até foi, em outros tempos, para o evento Farofa da G-Kay, uma aberrante transformação, realizada todo ano, de uma festa de aniversário da Géssica Kaylane, ex-BBB, naquilo que o jargão farialimer e jovempaniano define como "balada".
Para quem não sabe, "balada" é uma gíria sem pé nem cabeça que hoje se atribui a festas vazias de sentido, com DJs de pendrive tocando um som "téquino" qualquer nota, e com gente em pé tomando cerveja e jogando conversa fora. A gíria "balada", o prato principal da novilingua brasileira, a gramática do culturalismo vira-lata enrustido, se originou de um eufemismo para rodízio de alucinógenos (as tais "balas"), que soa estranho empurrar essa palavra infeliz até para festinhas infantis de escolas.
Voltando à Kéfera, ela hoje rejeita a Farofa da G-Kay, e afirma que recusou o convite para estar no evento num hotel em Fortaleza, Ceará. A princípio, Kéfera explicou a recusa pelo fato dela ter reativado seu canal nas redes sociais e se dedicando muito a essa atividade. Disse Kefera:
"Não vou (para a Farofa). Fui convidada? Fui. Quis ir? Não quis. E outra, o [meu] canal voltou com tudo, tem vídeo novo toda semana, estou me dedicando muito para produzir. Ao longo da vida, vamos mudando nossas prioridades e vendo de fato onde a gente quer estar e onde não tem necessidade".
Explicando, também, que passou a fazer muita ginástica para se manter em forma, Kéfera afirmou sua mudança de comportamento e definiu a festa da tal Farofa como um evento de fingimentos, feito mais para obter lacração nas redes sociais:
"Não consumo mais bebida alcoólica, não sinto mais vontade, não sinto mais necessidade. Essa coisa de ir para festa de pegar gente, de beijar na boca, não sinto mais essa necessidade. Já tive minha fase de ir lá e fazer essas bagunças? Já, mas agora eu sou uma adulta de 30 anos, não tenho mais paciência para essas coisas. Passou essa fase. Não me agrega mais. Vou ficar lá fazendo Stories fingindo que sou amiga da galera? Não sou".
Kéfera reforça seus argumentos com uma postura autocrítica em relação ao que ela falou antes sobre a Farofa da G-Kay. É uma atitude corajosa, se lembrarmos que, por exemplo, ter autocrítica é uma qualidade que falta ao presidente Lula. Sobre os vídeos das edições anteriores da Farofa, Kéfera comentou:
"Hoje em dia eu assisto aquilo e me dá uma vergonha. Fico assim: ‘Precisava?’. Não sei, eu olho e me dá muita vergonha. Falo: ‘Gente, que mico’. Era tanto uma necessidade de aparecer, que eu me questionei [sobre fazer isso]. Ninguém é amigo de ninguém [lá]. É um fingimento do c*ssete. É tudo pelo engajamento, é tudo por like".
Concordando com as críticas da Kéfera, podemos também observar a estupidez de transformar uma festa de aniversário convertida em acontecimento social num pretenso evento cultural, dentro desse padrão de culturalismo vira-lata enrustido de hoje, quando a mediocridade ou mesmo a idiotização humana são gourmetizados até por filmes documentários e teses de pós-graduação. Sinal da degradação cultural que assola nosso país. Daí a Farofa da G-Kay ter como únicas atrações a pegação, a bebedeira e os beijos na boca sem medo e sem amor.
Felizmente, de vez em quando aparece alguém com a lucidez e a autocrítica da Kéfera Buchmann, o que mostra que existe esperança para esse Brasil intoxicado pela diversão vazia e sem sentido.
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