Um dos métodos da campanha de Lula para a Presidência da República - que já começa a ser divulgada em propaganda de rádio e TV - é o desprezo à autocrítica. A desculpa é que a autocrítica é vista como uma humilhação em praça pública, por isso é que se prefere deixar os erros para trás e olhar para a frente.
Isso parece bonito, quando se usam os argumentos da campanha lulista, que tenta dissolver o clima de estranheza em ter como vice o neoliberal e ex-rival do próprio petista em 2006, Geraldo Alckmin: "união", "diálogo", "democracia", "entendimento", "esquecimento das diferenças em nome do Brasil" etc.
No entanto, será que isso não é uma atitude inescrupulosa? E é justamente isso que reprovo duramente em Lula, que parece não querer explicar os seus erros. Com muita dificuldade, Lula teve que explicar as acusações de suposta corrupção na sabatina do Jornal Nacional, da Rede Globo.
Agora, com a questão da aliança com Alckmin, poucos conseguem perceber que isso já prejudicou o projeto político do petista. Lula já abriu mão de muita coisa. Ele não vai dizer isso abertamente, sob o risco de perder votos. Mas a verdade é que Lula vai fazer um governo neoliberal, uma espécie de PSDB "humanizado", com alguma leve inclinação social.
Isso é um caminho sem volta, embora a chamada "esquerda do PT", representada por nomes como José Genoíno, Valter Pomar e Breno Altman, ainda acredite, de maneira fantasiosa, de que o antigo Lula das lutas sindicais de 50 anos atrás voltará em algum momento do governo, bastando duas coisas:
1) Conversas permanentes em particular, com pelo menos dois esquerdistas de raiz com Lula, para convencê-lo a sempre manter seu programa de governo mais à esquerda;
2) Mobilizar entidades sindicais e movimentos sociais, como os de negros e indígenas, para fazer passeatas e vigílias, para pressionar Lula a manter as pautas progressistas.
Essa atitude dos esquerdistas de raiz é nostálgica, achando que as lutas sindicais do passado poderão voltar com a mesma força de antes. Só que os sindicatos foram enfraquecidos pelos governos golpistas pós-2016. E, além disso, os golpistas de 2016 estão com Lula.
Botar as divergências debaixo do tapete, sob a desculpa de "olhar para a frente" e "pensar no futuro", na chamada aliança "pela democracia" de Lula e Geraldo Alckmin, mostra que algo estranho está por trás dessa volta do lulismo, que tende a ser mais fraca do que em 2002 e 2006.
As esquerdas médias estão aceitando tudo de maneira bovina. Claro, se é Lula que decide, vale tudo. Mas a frente ampla demais de Lula já prejudicou a essência do seu projeto político progressista. Agora só resta Lula defender o combate à fome e o desemprego e implantar paliativos sociais. Nada do governo transformador dos sonhos de muitos lulistas.
Mesmo o uso de uma frase do pedagogo Paulo Freire é tendenciosa: "De vez em quando, nós precisamos conversar com os divergentes para derrotar os antagônicos". Conversar, não é para ter cumplicidade. A manobra de Lula já comprometeu seu projeto político. Governo melhor que os dois anteriores não será. Antes o próximo governo Lula seja como o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, só que com algum aceno humanitário.
A palavra "democracia" acaba sendo um argumento muito preguiçoso para se aceitar de forma submissa os erros da campanha de Lula, a partir dessa aliança com seus opositores. Tudo muito vago, muito superficial. Usa-se uma frase de Paulo Freire só para tapear, mas isso em si não tem embasamento para entender por que um líder consagrado pelas esquerdas brasileiras faz questão em ter um opositor na sua chapa presidencial.
Lula não gosta de fazer autocrítica. Quer dar uma de corajoso e valente e acha que ter autocrítica é fazer papel de fraco. Isso é muito ruim. E nem para Geraldo Alckmin se vender como uma novidade política, sendo sabatinado pela mídia de esquerda, se fez. Nada de tirar satisfações quanto a Pinheirinho, o desvio de verbas para a merenda etc.
Por isso é que Lula tornou-se decepcionante, por mais que ele é que ganhe no seu destaque de orador e de um político com respostas habilidosas. Por sorte, o Brasil é o país da memória curta, que deixa tudo para trás, um entulho existencial que, no entanto, será lembrado quando não der para esconder contradições, erros graves e suas consequências danosas. Isso porque, para explicar os danos, terá que se recorrer à raiz do problema. E aí não há divergentes que deem uma explicação consstente.
Comentários
Postar um comentário