Um caso ocorreu há cerca de 15 dias, mas vale mencionar. Um homem de 52 anos que acumulava entulho, colecionando objetos inservíveis, foi encontrado morto debaixo de sua "coleção" numa casa em Piracicaba, no interior de São Paulo. O homem, aparentemente, estava desaparecido desde o último dia 18 e seu corpo foi encontrado dois dias depois, depois de tantas horas retirando o entulho.
Consta-se que o morador colecionava entulhos há cerca de 30 anos. Essa tragédia se torna ilustrativa, e, mais do que um fato que integra as tragédias humanas cotidianas, serve também como uma parábola do nosso Brasil, um fato real que traz uma lição simbólica sobre os tempos que vivemos de tanta decadência acumulada.
Acumulamos tanto entulho cultural, tanta mediocridade, tanta estupidez. Pessoas se apegam a corruptos, assassinos (principalmente os feminicidas, que em maioria transformam belas mulheres em cadáveres), calhordas e canastrões em geral.
Há um fanatismo na adoração cega por religiosos farsantes, e não se fala somente de neopentecostais, mas de coisa pior que ninguém percebe, como os tais "médiuns" que usam nomes de mortos para enfeitar textos e artes plásticas fake e, às vezes, falsetes que transmitem dogmas de uma religiosidade medieval escondida sob o rótulo do "Espiritismo".
O saudosismo cultural já se rendeu à imbecilização, vide o programa Altas Horas, da Rede Globo, cuja edição de sábado último (30/07) representou uma retomada da breguice, que sempre foi música comercial, de retaguarda, símbolo do viralatismo cultural enrustido, pois a seletividade valorativa das pessoas só atribui como "viralatismo" aquilo que não lhes agrada e soa raivoso.
Há uma grande discriminação ao senso crítico, que se tornou bode expiatório do bolsonarismo. Sempre se recomenda às pessoas para ficarem caladas em nome do progresso do país, como se alguém dizer que algo está errado fosse atrapalhar a escalada apressada do nosso país ao Primeiro Mundo e à conversão da nação brasileira em sucursal do Paraíso na Terra.
E isso vem desde o AI-5, quando forçar alguém a ficar calado era a condição para o Brasil atingir o "milagre brasileiro". A ditadura acabou, mas até parece que nossos esquerdistas, os que hoje querem Lula vencendo as eleições a qualquer preço, estão seguindo a cartilha do general Médici, pois nossa classe média "poguecista" é saudosa de quando conheceu os "brinquedos culturais" da TV nos tempos da ditadura militar.
Passar pano na mediocridade agrega mais pessoas. Ficar complacente com a impunidade de criminosos graves está de acordo com um padrão equivocado, porém socialmente compartilhado por muitos, de moralidade religiosa, de nível medieval porém prevalecente neste estranho país que é o nosso, dominado pela elite do atraso que agora banca a "boazinha".
O culturalismo vira-lata atinge níveis avassaladores, mas, como as pernas de um gigante diante de uma pessoa minúscula, não são percebidas apesar de estar à nossa frente. A mediocrização cultural, a bregalização que trata o pobre como se fosse um idiota, mas que reina gourmetizado pela narrativa intelectual dominante nos últimos 20 anos, tem que ser aceita pelo bem do tal "combate ao preconceito" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...).
Vivemos sob o domínio de uma elite do atraso, uma pequena burguesia que varia entre o bolsonarista mais rancoroso e o lulista mais deslumbrado, mas que inclui, no meio, muitos "isentões" com mania de pretensa imparcialidade. Todos com uma visão atrasada, apegados a valores que variam entre a morbidez e a pieguice, todos metidos a serem donos da verdade, donos do povo em geral, donos dos pobres e donos do Brasil e do mundo.
São pessoas com uma visão de mundo vira-lata, que vivem fora da realidade. São pessoas midiatizadas, ou talvez midiotizadas, que se esquecem que a bregalização cultural foi propagada por um reacionário Sílvio Santos, que o apego aos tais "crimes reais" é uma mentalidade produzida por anos de noticiário policialesco transmitido pela TV à luz do dia, que a submissão ao espiritualismo religioso medieval se deu por décadas de dramaturgia novelesca, a mostrar "mundos espirituais" que mais parecem condomínios de luxo da Barra da Tijuca, com bosques que imitam o Alto da Boa Vista.
Desde 1964 acumulamos entulhos socioculturais que, em dimensões surrealistas, surgem e crescem como bola de neve ao longo dos anos. O "novo normal" de hoje pode ser brega, "espírita" ou faz de feminicidas genros desejados dos "homens de bem", entre tantos absurdos. No momento em que escrevo este parágrafo, fanáticos por futebol gritam em plenas 22h10 por causa do gol de um time, atrapalhando o sono de quem precisa dormir para trabalhar no dia seguinte.
Se até mesmo vemos mulheres-objetos vendendo a imagem de "feministas" por conta de uma pretensa liberdade sexual - que mais parece uma erotização obsessiva da qual essas mulheres não são livres, mas escravas desse imaginário do sexo - ou que emissoras de rádio tidas como "roqueiras" devem ser operadas por quem não gosta (?!) de rock, como os locutores padrão Jovem Pan da 89 FM, então estamos perdidos.
E aí quem fala a verdade não é ouvido. Quem exerce senso crítico não pode fazer pós-graduação nas faculdades, convertidas em oficinas de flanelinhas intelectuais. Questionar o estabelecido não lacra as redes sociais, porque a regra de hoje é passar pano, sorrir para todo tipo de aberração, achar que o Brasil vai virar paraíso e potência mundial com este circo de horrores, com esta avalanche de mediocrização que transforma nosso cenário cultural num lixo quase total.
O Brasil acumulou tantos entulhos que eles são tratados como se fossem tesouros, ao longo destes últimos 58 anos. Tudo por uma combinação de grandiloquência, de vitimismo, ou mesmo da mania quenunca de ser "gente como a gente", passando pano nos defeitos humanos, tratando erro como se fosse motivo de orgulho.
Mas vai chegar o momento em que esse acúmulo de entulhos sociais, morais, culturais, políticos, midiáticos etc neste país em que "liberdade" é concessão para um consórcio midiático que reúne, sobretudo, Globo, Folha, Record e SBT, vai causar problemas traumáticos para o Brasil, que sentirá como o sujeito que acumulou entulhos e morreu sob eles. E aí, adeus Paraíso, adeus Primeiro Mundo, diante de um Brasil atolado no seu viralatismo enrustido.
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