Lula pode ser comparado a um adolescente de comédia estudantil que, quando os pais saem de casa para visitar parentes, deixam o rapaz sozinho em casa. Ele faz uma festa e, a princípio, chama seus amigos, mas se empolga e chama qualquer um da escola. É tanta gente que, de repente, tem muitas pessoas estranhas que entram na casa e acabam furtando objetos e pegando até aquele biscoito favorito e caro do pai do anfitrião.
Esta "festa da democracia" empolga muita gente, traz alegria, conforto etc. Mas ela tem um preço. Lula se aliando a forças divergentes à sua causa, dando voz e vez para um neoliberal que nunca deu um pingo de autocrítica que é o Geraldo Alckmin, que fica falando coisas sem conhecimento de causa. Se ao menos Alckmin tivesse a coragem de expor seus arrependimentos como Alexandre Frota, seria alguma coisa, mas nem a mídia alternativa foi sabatinar o ex-governador de São Paulo.
Lula vai pendurar o custo da festa que ele promove junto às elites da Faria Lima? Ele vai assim se aliando com as forças da direita moderada, sob o pretexto do tal "movimento da democracia", para depois dar um calote político e deixar os neoliberais que o ajudaram a ser eleito na mão?
Sou realista e é notório a minha decepção com Lula. Não se trata de radicalismo. Lula já era moderado entre 1989 e 2020 e votei nele várias vezes. Até 2020 eu admirava muito o Lula, e eu ouvia, com gosto, as entrevistas que ele havia dado na prisão. Mas ao saber que Lula cometeu erros, como entrar em clima de festa num cenário de distopia e enfatizar alianças com quem discorda da maioria das ideias do petista, resolvi pular fora.
Sim, não é uma posição agradável para todos. Mas eu não sou de "tomar no cool" querendo bancar o legalzão para a gente "ixperta". Vivemos um período de positividade tóxica, de gente passando pano em tudo quanto é mediocridade cultural e gente se naufragando nas paixões mórbidas por futebol e religiosidade (principalmente a "espírita" e suas psicografakes). Não vou entrar nessa onda onde o vazio da mente é compensado por uma emotividade cega e exagerada.
A minha decepção com Lula se deve por fatos. Não posso me omitir e fingir que Geraldo Alckmin virou um super-esquerdista e que o empresariado aceitará sorrindo a cobrança de impostos para os ricos. O pretexto da democracia, que muita gente usa para aceitar qualquer coisa, não justifica que eu tenha que aceitar Lula ganhando na marra, barrando o caminho da concorrência e entrando no clima do "já ganhou" antes da campanha oficial começar.
Lula se alia ao empresariado, corteja gente como José Sarney e Geddel Vieira Lima, tem as elites como aliadas e isso, com a mais absoluta certeza, vai ter um custo. As elites não vão apoiar Lula de graça. Elas pedem uma aliviada no programa de governo e Lula está recuando.
Fico imaginando a comparação de um Ciro Gomes ou Simone Tebet dando um ou dois passos para a frente, nos seus projetos terceiro-viáveis, enquanto Lula é obrigado a dar dez, vinte passos, porque precisa dar satisfações aos aliados mais conservadores. Não vamos usar a democracia para botar questões debaixo do tapete e não desmanchar as fantasias em torno do "Lulão".
Devido à sua mudança de comportamento, que faz Lula agora dar evasivas quanto a suas estranhas posições nos últimos meses, aquele antigo sindicalista que ainda vivia no íntimo da alma do petista desapareceu completamente em 2021, tendo dado seus últimos suspiros em 2020.
Lula hoje nem deveria ser chamado de esquerdista. Ele já nem promete tanto assim porque caiu no ridículo. Aliado com a Faria Lima, Lula não vai fazer um programa "mais à esquerda" que os mandatos anteriores. Lula não vai reverter a privatização da Eletrobras, só não vai privatizar as estatais que permanecerem nessa condição até o fim do governo Bolsonaro.
Lula acabou virando paródia de si mesmo, quando discursa para o povo, agora com Geraldo Alckmin com suas frases decoradas feito um canastrão político como um espetáculo adicional. Lula tenta falar igual ao do antigo sindicalista, mas não é a mesma coisa.
Até pouco tempo atrás, ele prometeu fazer tudo de tudo, mas vendo os seus limites, ele anda recuando pouco a pouco: não vai regular a mídia, não vai legalizar o aborto, Não vai revogar a reforma trabalhista nem o teto de gastos, apenas cancelará pontos mais extremos. Lula iria bombar o Bolsa Família, mas decidiu mantê-la no valor de R$ 600.
No seu discurso em Campina Grande, Lula prometeu que fará "aumento real" de salários acima da inflação, que irá baixar. Correto, a princípio. Mas o problema é que o aumento salarial anual será sempre de uma centena de reais e algumas dezenas, algo entre R$ 120 e R$ 140, abaixo do padrão determinado pelo Dieese. Será algo mais e melhor do que com Bolsonaro, mas nada que possa retomar aquele sorriso tão prometido pelas campanhas de Lula.
Ver que a campanha de Lula virou uma coleção de erros e contradições é decepcionante. Não dá para aceitar a vitória dele na marra, quando se vê que as elites estão ao seu lado. E esse apoio não se deve à "democracia", até porque depois da festa, haverá o levantamento do custo da vitória. E o custo não será barato. As elites não vão aceitar um projeto de esquerda. Lula terá que ceder, e acabará ficando mais capenga do que uma terceira via.
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