Não deixa de ser um acontecimento a entrevista de Lula ontem no Jornal Nacional da Rede Globo, 16 anos após a anterior. Nesse tempo todo, o antigo adversário da chapa presidencial, Geraldo Alckmin, é seu parceiro como vice-presidente. Nesse hiato de entrevistas, a Globo foi uma das que fabricaram o mito do "Lula ladrão" junto à Operação Lava Jato.
Diante de um William Bonner tão barbudo quanto o petista, o presidenciável havia se preparado para dar respostas habilidosas na edição do noticiário, que já entrevistou, na segunda-feira passada, Jair Bolsonaro, e na terça-feira, Ciro Gomes. A quarta-feira ficou vaga, porque seria do candidato do Avante, André Janones, que desistiu da competição e hoje é apoiador de Lula.
No camarim, estavam assistindo à entrevista no estúdio da Rede Globo, no Rio de Janeiro, o candidato à Vice-Presidência da República, Geraldo Alckmin, a esposa do petista, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, e o fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stuckert. William Bonner e Renata Vasconcellos, a dupla titular do JN, foram os entrevistadores.
A meu ver, a melhor declaração de Lula se refere à corrupção na Petrobras, que ele admitiu ter havido, e, lembremos, num esquema existente desde Fernando Henrique Cardoso. Disse Lula, a respeito do assunto, após a desafiadora pergunta de William Bonner:
"Deixa eu te falar uma coisa, você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram. O que é mais grave é que as pessoas confessaram e, por conta das pessoas confessarem ficaram ricos por conta de confessar. Ou seja, foi uma espécie de uma delação premiada. Você não só ganhava liberdade, por falar o que queria o Ministério Público, como você ganhava metade do que você roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo Ministério Público".
Bonner perguntou se Lula, como presidente, irá combater a corrupção, e ele respondeu:
"Punindo as pessoas, denunciando as pessoas. O que eu acho maravilhoso é denunciar a corrupção. O que é grave é quando a corrupção fica escondida. Por isso que eu acho importante uma imprensa livre. Por isso que eu acho importante uma justiça eficaz. Porque se tiver um problema de corrupção, tem que ser denunciado".
Entre críticas a erros pontuais dos governos de Dilma Rousseff, que no entanto continua aparentemente elogiada por Lula, e críticas severas a Jair Bolsonaro, pode-se destacar, neste segundo caso, uma declaração interessante, pois Lula chamou o atual presidente de "bobo da corte" e que o governante extremo-direitista não cuida do orçamento, tarefa exclusiva do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Sobre Economia, ele cita as mudanças do Movimento dos Sem-Terra (MST), que está diferente do que há 30 anos. É verdade que o MST perdeu muito de seu teor combativo, mas a produção agrícola foi um aspecto positivo mencionado pelo petista:
"O MST está fazendo uma coisa extraordinária, está cuidando de produzir, não sei se você sabe, o MST hoje tem várias cooperativas, o MST é o maior produtor de arroz do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST, você vai ver que aquele MST de 30 anos atrás não existe mais".
Lula citou o vice Geraldo Alckmin diversas vezes, e em outra entrevista admitiu que, quando o ex-governador de São Paulo era seu rival, o petista saiu da campanha "com as canelas roxas". O presidenciável elogiou o hoje parceiro, que em outras ocasiões é defendido pela garantia de "previsibilidade, estabilidade e credibilidade".
Brincando, Lula disse que "sente ciúmes" de Alckmin, devido a um evento de 07 de maio, de lançamento informal da chapa presidencial, em São Paulo:
"Eu estou até com ciúmes do Alckmin. Você tem que ver que sujeito esperto. Ele fez um discurso no dia 7 de maio, sabe, quando ele foi apresentado oficialmente ao PT, que eu fiquei com inveja. Ele foi aplaudido de pé. Pergunta pra esposa dele pra dona Lu, que anda com a Janja, para ver o como ela está gostando da coisa. O Alckmin já foi aceito pelo PT de corpo e alma".
Sobre governar com Alckmin, Lula foi enfático:
"(Eu vou) Fazer uma gestão de acordo com aquilo que nós construímos. Eu hoje tenho 10 partidos junto comigo, e ainda tenho a experiência do ex-governador (Geraldo) Alckmin comigo. Muita gente pensava um ano atrás que era impossível o Lula se juntar com Alckmin. E eu me juntei para dar uma demonstração para a sociedade brasileira, que política não tem que ter ódio. Política é a coisa mais extraordinária para você estabelecer convivência entre os contrários".
Lula foi elegante na entrevista e sua inegável qualidade é o equilíbrio com que responde as questões. Isso é indiscutível. Mas todos devem se lembrar que o governo que Lula pretende fazer não é mais o esquerdista, mas um neoliberalismo com inclinações sociais, um social-liberalismo menos progressista do que se imagina.
Será um governo democrático, que pode ser pacificador por parte de Lula, mas não creio que seja por parte do Brasil em geral. A situação será complexa, e aparentemente Lula esteja confiante em combinar um neoliberalismo quase ortodoxo com concessões sociais moderadas, num governo que não tende a ser revolucionário nem de mudanças profundas.
A única mudança possível é remover o bolsonarismo e o que estiver de direta ou indiretamente associado a este cenário extremo-direitista. Mas quem imagina que vai haver um governo mais à esquerda do que muitos imaginam, com ousadias e tudo mais, é bom tirar o burrico do temporal. Lula consagrou um perfil político bem moderado, que tende a ser a tônica do seu governo.
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