Infelizmente, ter senso crítico no Brasil é difícil. O senso crítico não agrega, não lacra nas redes sociais, não favorece o lucro e nem anima as pessoas. Dizer que algo está errado num fenômeno ou processo é garantia de reações de desprezo por quem acha que o progresso brasileiro dependerá de gente calada ou de debates em que flanelas valem mais do que argumentos.
Digo isso porque é sempre um cacoete da "boa sociedade" brasileira que fiquemos calados para garantir o progresso econômico na marra. Em nome do pragmatismo, apela-se para a frase "os fins justificam os meios" e, com isso, fiquemos calados, assistindo passivos a um progresso qualquer nota. Tudo para botar o Brasil no Primeiro Mundo mesmo tendo problemas de país miserável.
O viracasaquismo do golpe político de 2016 para uma "volta à democracia" decidida de cima, das elites detentoras do dinheiro, virou o tom dos ventos políticos e culturais dos últimos tempos, sempre apostando numa abordagem simplória em que tudo é fácil nessa sociedade em que vivemos.
Isso quer dizer que, para a maioria das pessoas, tanto faz se empresários e banqueiros que defenderam a queda de Dilma Rousseff agora querem Lula - que tentará reeditar o "Movimento Diretas Já" no Vale do Anhangabaú, aqui em São Paulo, hoje - , como tanto faz se essas elites que lutaram pelo desmonte do Estado agora (supostamente) aceitarão um Estado fortalecido. Privatistas doentes agora felizes porque Lulão não irá privatizar as estatais.
A memória curta é sempre um costume que faz as pessoas aceitarem que as situações se mudem sem um motivo lógico. Para piorar, muita gente já se aborrece ao ouvir as cobranças de que o vice da chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tenha que prestar contas à sociedade e adotar uma postura autocrítica quanto aos erros antigos.
Aceita-se as circunstâncias mesmo quando as conveniências atropelam a lógica, a coerência e os problemas existentes. Bregas dos anos 1980-1990 foram adotados de forma bastarda pela MPB? Dane-se o problema, aceita-se tudo, passa-se pano em silêncio. Na Bahia, o filhote da ditadura Mário Kertèsz é visto como "intelectual de esquerda"? As esquerdas glorificam "médiuns espíritas" de direita? Funqueiras podem ser feministas e mulheres-objetos ao mesmo tempo? Fiquemos quietos, para que o nosso país entre no Primeiro Mundo mesmo com esses entulhos sociais.
Fiquemos calados, joguemos a sujeira debaixo do tapete, e glorifiquemos não aquele que tem coragem de se arrepender dos antigos erros, mas aquele que deixa tudo para trás com um silêncio omisso, postura esta que é a de Geraldo Alckmin, invertendo as tendências: os arrependidos são covardes, sob o pretexto de se prostrarem em praça pública, enquanto os inescrupulosos é que são os corajosos, porque não olham para trás.
Essa visão torta aposta na imparcialidade de fachada, não muito diferente daquela de Sérgio Moro. Uma imparcialidade flanelinha, do diálogo da raposa com o galo, da fraternidade do lobo com a ovelha, da exaltação dos arrivistas, da consagração do "jeitinho brasileiro". Tudo isso com pessoas estufando o peito e falando grosso, dizendo que isso é "equilíbrio", que "não vamos olhar para trás nem apontar erros", porque temos que seguir em frente e crescer.
E aí não se pode ter senso crítico porque muitos acham que atrapalha o progresso e a evolução do nosso país. Há uma pressa de muitos em ver o Brasil no Primeiro Mundo, como sucursal do Paraíso na Terra (dentro da perspectiva "isentona" e "quenunca" de um Paraíso com muitos defeitos) e como um estranho país ao mesmo tempo capitalista e socialista, que sonha em transformar a sociedade dando paliativos ao povo pobre como se isso fosse grande coisa.
Paciência. É a mesma sociedade dominante no Brasil desde 1974, acostumada a um dos mandamentos do "milagre brasileiro" combinado ao AI-5: ficar calado e não prestar atenção na maneira como se busca o progresso econômico e social. Se há erros, joga-se tudo sob um tapete, como todo "quenunca". Em silêncio e sem questionar as coisas, busca-se um progresso "qualquer nota" para o Brasil, onde a embalagem vale mais do que o conteúdo. Mas o conteúdo está debaixo do tapete, não é?
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