Em tempos de um Brasil mediocrizado que tem pressa de alcançar o Paraíso e o Primeiro Mundo, faz muito sentido relembrar de nomes do brega romântico, como Benito di Paula, Odair José e Michael Sullivan. No caso deste último, os jornalistas Pedro Bial e André Barcinski estão produzindo um documentário sobre os hitmakers Michael Sullivan e Paulo Massadas, a dupla Sullivan & Massadas.
É até válido que haja documentários assim, no sentido de trazer informações mais antigas. Mas o trabalho tende a ser um ato de passar pano, tentando passar uma imagem positiva de Michael Sullivan que, desesperado em retomar a carreira, veio com pelo menos três projetos oportunistas: um é um tributo de 2014, Mais Forte que o Tempo, outro é um disco "perdido", Pernanblack, e agora o disco Ivanildo, com canções inéditas do compositor gravadas por outros artistas.
Vai chover choradeira, aquele papo de "combater o preconceito" - uma leitura de Esses Intelectuais Pertinentes..., que cita a denúncia de Alceu Valença contra o esquema Sullivan & Massadas, que descreveremos a seguir, abriria as mentes das pessoas - , de vitimismo e coisa parecida. Tudo para transformar Michael Sullivan num pretenso Tom Jobim da geração millenial e de seus pais.
Tentando ser mais discreto na defesa de Sullivan & Massadas, André Barcinski depõe como quem sabe que se rasgar a seda será criticado:
"As pessoas estão aprendendo a valorizar os profissionais por trás das canções. Hoje você consegue falar de Sullivan e Massadas de uma maneira que não conseguia 15 anos atrás. Antes, você era recebido ou com risos ou com chacota. Para muitos, eles eram os caras que fuderam com a música brasileira".
Michael Sullivan é uma espécie de Geraldo Alckmin da música brasileira, tentando (e conseguindo, diante da flanelização sociocultural hoje predominante no Brasil) ocultar seu passado sombrio para ficar bem na fita na atualidade.
Sullivan e Alckmin são sujeitos conservadores. São religiosos, o músico é evangélico e o político, católico medieval (ligado à Opus Dei). Da trajetória sombria, Sullivan quis em seu auge destruir a MPB. Já Alckmin está associado principalmente à repressão aos protestos populares e à ordem para destruir o bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos, governada por um prefeito tucano.
Se Alckmin agora quer bancar o bom moço diante das esquerdas, mesmo sem esboçar um pingo de autocrítica - a mídia progressista, que prometia um jornalismo autêntico, nem se deu ao luxo de sabatiná-lo - , Sullivan quer retomar a carreira usando a mesma MPB que quis destruir.
E aí o pessoal vai perguntar se essa acusação não é "juízo de valor", que não seria uma "injustiça" para o compositor que, ao lado de Paulo Massadas, fez "grandes (sic) canções de amor" e outras músicas dançantes que "celebravam a alegria". Por incrível que pareça, não se trata de juízo de valor nem de injustiça, mas de fato.
Certa vez, o cantor Alceu Valença denunciou um esquema da gravadora RCA que, querendo lançar um "novo" produto, o brega, cooptou artistas de MPB obrigando, pelo menos parte deles, a gravar canções comerciais. A ideia é deixar os emepebistas em papéis ridículos para desgastá-los e jogá-los no ostracismo, sendo substituídos por ídolos mais popularescos que rendam dinheiro alto e fácil.
Alceu Valença não disse nomes, mas situou a época: meio da década de 1980, entre 1985 e 1987, pelo menos. Mas como sou jornalista e checo fatos, conhecedor de música desde adolescente, junto as peças do quebra-cabeça. Nessa época, o diretor artístico era Miguel Plopschi e o produtor, Michael Sullivan. Ambos ex-Fevers e militantes do comercialismo voraz da música americanizada brasileira.
Ou seja, o apetite voraz de Michael Sullivan impor, na música brasileira, o comercialismo gosmento do pop estadunidense era notório e até explícito. E quando viu a decadência chegando perto dele, Michael Sullivan foi logo recorrer à vanguarda da mesma MPB (e do Rock Brasil) que quis destruir: Serguei, Rogério Skylab, e os emepebistas que estavam naquele álbum com título pretensioso Mais Forte que o Tempo, de 2014.
Só mesmo num país complacente como o Brasil para não enxergar isso. Quanto se passa pano em oportunistas, e é vergonhoso que Michael Sullivan tente voltar carregado pela MPB que ele quis destruir. Mas é este o Brasil a ser governado eventualmente por Geraldo Alckmin, o mesmo que ordenou a destruição de um bairro popular, com repressão violenta acordando, perturbando e agredindo os moradores de manhã cedinho num domingo. Mas, para muitos, isso é "democracia", com "Deslizes" sob medida tocando na trilha sonora.
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