Há poucos dias, um diálogo, em pleno Carnaval, entre a cantora Baby do Brasil e a "ídala" dos "bacanas", Ivete Sangalo, deu o que falar. Evangélica, Baby - remanescente dos Novos Baianos, grupo seminal de MPB que perdeu dois membros-fundadores, Moraes Moreira e Luiz Galvão - alertou que o Apocalipse está chegando dentro de cinco ou dez anos e que as pessoas deveriam se preparar para isso.
"Eu queria te pedir uma coisa, a você e a todo mundo. Todos atentos porque nós entramos em apocalipse, o arrebatamento tem tudo pra acontecer entre cinco e dez anos. Procure o Senhor enquanto é possível achar", disse Baby, ex-Baby Consuelo.
Ivete, de maneira esnobe e arrogante, disse que "está macetando o apocalipse": "Eu não vou deixar acontecer porque não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse". E, ignorando Baby que pediu para Ivete cantar "Minha Pequena Eva" (cover de um sucesso do Rádio Taxi que já é versão de uma música italiana), a estrela rebateu: "Eu vou cantar um macetando porque Deus está mandando um macetando certo. É o macetando de Jesus".
Este é o mesmo estado de espírito dos tempos atuais. Exageros e proselitismos religiosos à parte, Baby soltou um alerta que, interpretando sem os dogmas da fé, pode ser um aviso sério. Afinal, o Brasil vive tardiamente os "loucos anos 1920" que quebraram os EUA em 1929.
Trata-se de um momento em que uma parcela abastada da sociedade brasileira, situada entre o "pobre remediado" e o "ricaço famoso", se sente num protagonismo pleno e na ilusão de ter em suas mãos o futuro da humanidade planetária, sob a liderança do presidente Lula, agora convertido em mascote da burguesia. Essa parcela da sociedade é justamente a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu e que, em 365 ou 366 dias por ano veste sua fantasia carnavalesca permanente, a fantasia de "gente simples", na ânsia de lacrar muito na Internet.
Com hábitos insólitos que vão de postar frases de "médium" charlatão nas redes sociais para "alegrar o dia", endeusar o hit-parade dos EUA como se fosse "coisa do outro mundo" e falar dialetos em portinglês, como "dog" e "boy", a elite do bom atraso se repaginou e se ressignificou, para apagar o seu passado de elite escravocrata, genocida e golpista, botando 524 anos de atrocidades na conta de Bolsonaro, Moro, Malafaia e seu clubinho de reacionários escancarados.
A elite do bom atraso, com isso, expurgou seus pecados de séculos e hoje passa a imagem de "boazinha", "moderna", "progressista" e "tudo de bom", para mascarar seu egoísmo com um discurso alegre e desprovido de raiva, mesmo quando esse egoísmo não consegue ser disfarçado em certas ocasiões.
Afinal, até o grotesco "médium" que cultuam - um festejado religioso, pretenso filantropo e de ideias medievais, que viveu em Uberaba - é um artifício para mascarar o egoísmo cultuando um suposto símbolo da caridade, que nem caridoso sequer foi, porque passava o tempo todo pedindo para os aflitos aguentarem calados as piores desgraças, sem reclamar. O "médium" era a personificação do AI-5 dissolvido em água com açúcar. Um Brilhante Ustra com a boca cheia de mel, infelizmente adorado por milhares de desavisados. Afinal, é o religioso preferido da elite do bom atraso.
Daí que vemos um momento perigoso. Uma pequena elite sai beneficiada pelo lulismo pelego de hoje, quando poucos ganham demais sem necessidade, para desperdiçar tudo com supérfluos, roubando emprego de quem precisa e impedindo quem precisa pagar as contas e se alimentar melhor de obter um pouco mais de dinheiro. É essa elite que vive a glória de seus quinze minutos de protagonismo, que julgam ser eterno e imperecível.
Esse pessoal, cego em seu momentâneo triunfalismo, vive "macetando" todo mundo com sua arrogância esnobe. Nada escapa de suas chacotas: o intelectual existencialista europeu, o solteirão brasileiro que prefere ficar em casa a sair para noitadas, o direitista ressentido, o esquerdista raiz, o ateu autêntico que não passa pano em "médiuns" picaretas e não confia na "filantropia" de Bill Gates, o sujeito que não curte futebol nem consome bebidas alcoólicas.
Inclinada em dar "invertidas", "cortadas" e "voadoras" até quando levam picada de formiga no pescoço, a elite do bom atraso não quer que seu triunfo seja provisório. É a primeira vez que ela obtém, ou melhor, mantém seus privilégios extravagantes num cenário de aparente paz social, com os mesmos benefícios do "milagre brasileiro" sob o governo de um líder carismático. E, além disso, a própria elite pode ser privilegiada sem parecer elite, se camuflando espalhada nas ruas, junto a pessoas comuns, de vez em quando guardando os carros SUV nas garagens de seus condomínios de luxo.
Por isso vemos uma arrogância extrema, um esnobismo cego que pode se direcionar, um dia, para Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, mas no outro pode mirar Pedro Cardoso. Pode mirar num momento o Silas Malafaia, mas em outro alveja Renato Russo, Glauber Rocha, José Ramos Tinhorão e Tom Jobim. Esse esnobismo pode bater em Deltan Dallagnol hoje, mas amanhã vai linchar o virgem de 40 anos que, solteirão, ainda vai ficar em casa para cuidar de sua velha mãezinha carente de afeto.
Mas, fora dessa festa, há muitos excluídos sociais que não podem ser confundidos com os bolsonaristas e similares, apesar do igual linchamento recebido pela "boa" sociedade que só acredita numa "democracia" para ela mesma e que vove o "Primeiro Mundo" de seus privilégios pessoais desde os tempos da Casa Grande sustentada pelo Segundo Império. Daí a saudade de Dom Pedro II, resolvida de certa forma pelo velho Luís Inácio de nove dedos.
Quanto aos excluídos sociais, vemos filósofos suicidas e agricultores famintos que desaparecem, junto a sobrinhos de "médiuns" picaretas, debaixo dos arquivos. Solteirões amparam mães idosas enquanto, desamparados, sofrem o linchamento digital com blogues dedicados à mais abjeta calúnia pessoal. Miseráveis vivendo o drama das favelas, enquanto intelectuais festivos, lá de longe em seus resortes, definem as caóticas comunidades como "paraísos da pobreza feliz".
Esse pessoal que está fora da festa lulista mostra que, no Brasil "único" de Lula, não há espaço para todo mundo neste "um só país" onde poucos festejam e muitos dão duro sem ter dinheiro em troca. Daí que, diante desse quadro abusivo com os privilegiados se achando o máximo, só porque estão fora do naufrágio bolsonarista. Mas se esquecem que o bolsonarismo constrói novos barcos e o esnobismo e a arrogância não são formas seguras para fazer o Brasil ficar livre dos perigos.
Não é "macetando" que se vai prevenir ameaças e riscos. A "boa" sociedade brasileira e seus predestinados de ocasião se comportam como aqueles caipiras que, vendo a chegada de um furacão, colocam uma placa avisando para a tempestade ir embora. Até que o furacão chega e cause grandes estragos. Detalhe: furacão, neste caso, não é metáfora para fenômeno da axé-music, mas catástrofe ao pé-da-letra.
Comentários
Postar um comentário