Tudo parece bonito e perfeito quando transita no âmbito do marketing, dos rituais, do cerimonialismo, dos discursos, dos dados estatísticos e das narrativas das redes sociais, que é o que o governo Lula, bastante espetacularizado em seu atual mandato, está demonstrando. O governo Lula mostra a consagração da "República do Instagram", em que tudo depende do aparato discursivo, ritualístico e estatístico, como se números, encenações e palavras pudessem substituir a realidade vivida.
Ontem foram as posses, em inversão de funções, do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (órgão do Judiciário), Ricardo Lewandoswki, agora ministro da Justiça (integrante do Executivo federal) do governo Lula, e do ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, agora ministro do STF. A cerimônia foi em Brasília, na sede do STF, e marcou o início da temporada deste ano do Poder Judiciário.
O ritual incluiu até mesmo a retirada da cerca de grades que limitavam o acesso ao prédio do STF, como um gesto simbólico da "democracia" que se tornou uma palavra demasiado pronunciada por Lula, como se o presidente brasileiro fosse o dono dela. E como falar é muito fácil, pois a coreografia das palavras é um espetáculo que deslumbra os lulistas que agora tomaram as redes sociais, vemos duas frases de efeito bastante corretas, diga-se de passagem, mas que não são respeitadas na prática.
Vamos a Luís Roberto Barroso, presidente do STF, a respeito de "democracia":
"Felizmente, eu não preciso gastar muito tempo nem energia falando de democracia porque as instituições funcionam na mais plena normalidade e convivência harmoniosa e pacífica de todos".
Desta vez, mostramos o que Lula havia dito:
"Digo sempre que a democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em movimento, em permanente busca por novos avanços e conquistas. Ela nunca estará pronta. Deve ser construída a cada dia. A democracia precisa ser defendida dos extremistas que tentam fazer dela um atalho para chegar ao poder, corroê-la por dentro, e sobre suas ruínas erguerem as bases de um regime autoritário".
Cabem aqui os seguintes questionamentos. Primeiro, Luís Roberto não precisa gastar tempo nem energia para falar de democracia. Mas Lula gasta, e muito. Uma democracia que até existe, como formalidade institucional, mas que Lula exagera nos limites extremos, como se o presidente fosse o inventor da democracia. Chega a cansar com tanta fala sobre democracia, se esquecendo que uma ideia é melhor posta em prática se ela fosse menos falada.
Segundo, Lula fala que "democracia não é um pacto de silêncio". Mas os lulistas já fazem esse pacto de silêncio, rejeitando o senso crítico, se limitando apenas a aceitar a "democracia do sim", de estar em acordo com tudo, apenas excetuando o bolsonarismo e toda sua simbologia. O pensamento crítico é rejeitado, pois ele é visto apenas como expressão de distópicos ressentidos do Existencialismo europeu, supostamente em desacordo com a "terra da festa e da alegria" que oficialmente é o Brasil.
Lula fala em "construção da democracia", mas ele foi logo viajar. Sua obsessão em vincular a democracia à sua imagem pessoal é apenas um dos vários itens de seu personalismo, algo que anda fazendo do seu governo um processo político medíocre e aquém dos dois mandatos anteriores. Afinal, os resultados de seu governo são muito ínfimos e distantes da grandeza a que se atribui oficialmente seus feitos, já que Lula, hoje, mais parece um misto de José Sarney com FHC do que com o próprio Lula.
E devemos lembrar que Lula descumpriu obrigações da própria democracia, apostando numa "democracia do eu sozinho" ou numa "redemocratização de cabresto". Lula renegou a diversidade eleitoral, faltou a debates eleitorais importantes, apostou numa polarização eleitoral entre ele e Bolsonaro. Além disso, Lula não mostrou, na campanha presidencial de 2022, um programa de governo, bússola necessária para apresentar um candidato ao eleitorado.
Isso significa que Lula quer ser o dono da democracia. E isso quando a "ditadura" de Jair Bolsonaro - que, na verdade, não foi tão ditador assim, embora tivesse sido uma figura politicamente nefasta e desastrosa para o Brasil - não incomodou a "nata" dos apoiadores de Lula, que são a classe média hipócrita, abastada e metida a boazinha, a elite do bom atraso que tenta acobertar seu longo passado escravocrata e golpista agora fantasiada de "gente simples e democrática".
É esse pessoal que manipula as redes sociais e domina as narrativas, moldando-as conforme suas conveniências. Seus antepassados dizimaram tribos indígenas, escravizaram e torturavam negros, praticavam fraudes eleitorais, pediam a derrubada de governantes progressistas. Hoje dizem que "mudaram", mas se perceber bem a coisa, veremos que a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, continua a mesma elite egoísta e reacionária, agora convertida em "bons lulistas" visando as vantagens políticas, sociais e financeiras desse apoio.
Afinal, a elite do bom atraso defende a precarização da cultura popular - hoje subordinada a uma bregalização que atinge níveis catastróficos - , a meritocracia no mercado de trabalho (que pode incluir tanto a subvalorização do talento em favor da irreverência quanto os preconceitos etaristas de sempre), o obscurantismo religioso (que fez essa "boa" sociedade caminhar que nem gado para ver o constrangedor dramalhão Nosso Lar 2) e a prevalência do hedonismo festeiro e barulhento que perturba o sono de quem precisa dormir para trabalhar no dia seguinte.
Ou seja, trata-se de uma burguesia repaginada em sua superfície e que se acha "esclarecida" só porque, por ter acesso pleno a bens de consumo, pode julgar tudo e todos conforme suas convicções e impressões pessoais. Uma burguesia que joga comida fora, que não sabe gastar o dinheiro em excesso que possui, que posa de "pobre" mesmo andando de SUV porque frequenta estádios de futebol e botecos vagabundos para tomar birita, e que, portanto, se acha "dona de tudo", seja da verdade, do povo pobre, do futuro, da humanidade planetária.
Para eles, está bom a democracia ter "dono", que é o presidente Lula, o único a fazer os favores dessa burguesia bronzeada, como financiar festinhas de pegação disfarçadas de "eventos culturais" (a Farofa da G-Kay é um exemplo inspirador). Pois essa elite se acha "dona" do bom senso, somente ela pode pensar em nome de todo mundo, por ser essa burguesia invisível a olho nu autoproclamada "a sociedade mais legal do planeta".
Mas a democracia não tem dono e Lula, querendo demais para sua projeção e promoção pessoal, se apequena cada vez mais na sua grandiloquência obsessiva, fazendo muita propaganda, muito discurso, muita cerimônia, muitos dados estatísticos, criando uma ficção factual que pouco tem de real. Vide as classes populares que, se sentindo abandonadas pelo presidente pelego, correm o risco de serem sequestradas pela extrema-direita, enquanto Lula brinca de "democracia popular" tornando-se o ursinho carinhoso da Faria Lima e da burguesia ilustrada fantasiada de "gente comum".
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