Anteontem aconteceu o protesto contra o governo Lula e o Supremo Tribunal Federal e em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, realizado na Avenida Paulista, em São Paulo. No contexto da atual situação, o evento, comparável aos atos de Oito de Janeiro em Brasília, mas sem o vandalismo desta revolta, serve de alerta para o Brasil.
Em outros momentos, até se podia admitir o caráter fake das marchas bolsonaristas, como este blogue gavia noticiado ao observar uma passeata em Niterói, anos atrás. Mas, diante do fraco governo Lula - que não consegue convencer dizendo que "não obteve acordo" para sair da prisão, já que seu terceiro mandato é o que mais se conciliou com a direita moderada que derrubou Dilma Rousseff - , o protesto bolsonarista teve, sim, grande adesão, com um número estimado de 300 mil pessoas.
A narrativa dos lulistas não pôde, como em outras ocasiões, atribuir fracasso do evento. Também não pode atribuir desordem. Em contrapartida, os bolsonaristas não podem convencer que "vieram de graça", até porque já parodiei, no vídeo "Eu vim de graça" do canal TV Linhaça, através do refrão: "Eu vim de graça / Eu vim de graça, sim / O empresariado / Pagou as contas todas para mim".
Mas a mídia esquerdista resolveu investir na narrativa de que Bolsonaro, ao promover esse evento e estar presente nele, estaria confessando seus crimes e "se oferecendo" para ser preso. Sem poder dizer que o evento fracassou, os lulistas têm que apenas escrever sobre as possibilidades legais de analisar o discurso bolsonarista para pedir a prisão do extremo-direitista.
Aliás, a prisão de Bolsonaro não é um consenso entre os esquerdistas, embora seja uma obsessão de Lula que, por mais que desminta ser vingativo contra seus algozes, demonstra evidente revanchismo em vários comentários sobre a Operação Lava Jato e sobre a vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018. O recente discurso de Lula contra o genocídio promovido pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu é sintoma disso. Netanyahu é amigo e aliado de Bolsonaro.
Para alguns lulistas, a prisão de Bolsonaro seria um meio de garantir a consolidação da aparente democracia em que vivemos. Mas, para outros, a prisão seria um estopim para uma reação da extrema-direita que pode ocorrer de maneira tão intensa e traumatizante. Lula, no entanto, sinaliza defender a prisão daquele que lhe roubou a vitória eleitoral de 2018.
O problema é que, apesar desse revanchismo enrustido, Lula não parece muito incomodado com o legado do golpe de 2016, sinalizando apenas que queria somente eliminar o que havia de ruim no projeto de Michel Temer, sem romper com o conjunto da obra. Até a "nata"do golpe de 2016 largou os "radicais", botando tudo na conta destes, para apoiarem a "redemocratização" proposta por Lula.
Por isso há fortes indícios de que Lula e Dilma Rousseff estão brigados e só se cumprimentam por mera formalidade, para manter as aparências, já que Lula tornou-se grande ilusionista político, e seu governo, o mais fraco dos três mandatos, demonstra o quanto de malabarismo que o atual presidente do Brasil faz para dar a impressão de uma grandeza que, em verdade, não existe.
E é isso que faz o governo Lula ser frágil e sua "democracia" - que já começa errada com a representação focada num único político, em claro ato de personalismo - tão sólida quanto a de um castelo de areia em véspera de maremoto, estar em risco, apesar das narrativas dos lulistas de que tudo está inabalável.
A arrogância e o esnobismo de lulistas se deu ontem, quando, no Palácio do Planalto, uma jornalista foi perguntar ao presidente da República sobre os atos bolsonaristas na Avenida Paulista. Lula não deu resposta alguma, ficando em silêncio quando outra jornalista fez pergunta semelhante. A primeira jornalista foi alvo de vaias e gritos de "Lula presidente", barulheira que só terminou quando a equipe do presidente pediu para o grupo se aquietar.
Fora da bolha lulista - considerando que, infelizmente, Lula virou expressão da burguesia "esclarecida" que sequestrou as esquerdas, apesar da atual classe burguesa ser descendente das elites escravocratas e golpistas do passado - , vemos a revolta do povo, que, se sentindo traído, não sente a menor confiança com Lula. Isso dói no coração de muitos lulistas, mas as classes pobres se sentem abandonadas pelo petista.
E é aí que existe o perigo de Jair Bolsonaro, através das igrejas evangélicas de perfil neopentecostal, cujo maior líder é o reaça histriônico Silas Malafaia, cooptar os trabalhadores, desempregados e desabrigados que são a maioria do povo pobre, para apoiar o extremo-direitista. E estão conseguindo, pois os neopentecostais copiam o altruísmo que os evangélicos em geral possuem para os que compartilham de sua fé.
Lembremos que, na Idade Média, o Catolicismo defendeu valores meritocráticos, professando a Teologia do Sofrimento como um meio dos aflitos se conformarem com as desgraças sem fim, em nome de uma suposta vida melhor após a morte. O protestantismo, pioneiro na religiosidade evangélica, destoou disso na medida em que surgiu rompendo com as proibições da austeridade moralista católica da época. Os neopentecostais copiam essa flexibilidade protestante, enquanto os "progressistas de fachada" do Espiritismo brasileiro não escondem que, repaginando o Catolicismo medieval a ponto de eleger o retrógrado Padre Manuel da Nóbrega seu maior "pensador", defendem o rigor excessivo da Teologia do Sofrimento.
Daí ser surreal o atual quadro em que, se temos uma religião supostamente progressista que defende ideias medievais e a religião que apoia o bolsonarismo é que ajuda os mais pobres, e isso pode fazer diferença, na medida em que as esquerdas, normalmente associadas ao altruísmo e a defesa da justiça social, foram sequestradas por uma burguesia conservadora, que já defendeu a queda de Jango e a implantação do AI-5, ser agora "esquerdista desde o berço", agora que essa elite do bom atraso desembarcou do barco bolsonarista.
E aí o evento bolsonarista na Avenida Paulista teve outro ingrediente, a defesa de Israel, reforçando a complexidade que Lula, em seu desabafo feito na Cúpula Africana, não conseguiu entender. Sim, Netanyahu é um tirano e as mortes de inocentes em Gaza são, sim, um massacre genocida, mas dizer abertamente isso gera interpretações dúbias e Lula não deveria intervir em conflitos estrangeiros, pois sua missão seria reconstruir o Brasil.
Os opositores de Lula podem interpretar e, aliás, já interpretam, que o comentário teria sido "antissemita". Israel tem uma simbologia sagrada, sua região foi o cenário da vida de Jesus Cristo, e por isso comparar o sionismo ao nazismo é perigoso. Daí para dizer que Lula atacou o povo judeu é um pulo.
Por outro lado, a aprovação dos terroristas do Hamas aos comentários de Lula também acende a raiva dos anti-lulistas, que se enfurecem com as associações do PT ao terror. E aí Lula oferece munição para seus opositores, diante do erro do petista em exercer autocrítica e prestar esclarecimentos sobre acusações diversas.
Lula não explica, não esclarece nem desmente. Ele acha que isso é fazer pose de coitadinho. Não é. E com isso Lula perdeu uma grande parte do apoio que ele teve ao longo dos últimos quinze anos, o que teve, como consequência maís recente, a apertada vitória eleitoral em 2022,
O apoio a Lula cai ao longo do tempo. É doloroso dizer, mas Lula perde popularidade a cada dia. Isso é fato. Não dá para fingir. Não dá para a própria burguesia lulista, com seu tempo disponível para usar redes sociais, apelar para "invertidas" e "textões" para justificar aquilo que não há mais, a "grande popularidade" do presidente Lula e sua "democracia do eu sozinho". Nem os dados estatísticos de supostas pesquisas de opinião podem justificar uma popularidade elevada que hoje não existe mais.
Isso mostra o quanto o país de faz-de-conta de Lula 3.0 tende a ser fragilizado. Até que ponto as instituições garantirão a sobrevida do lulismo, não se sabe. E até que ponto os caminhos estão fechados para Bolsonaro, também não se sabe. Tudo pode acontecer e o sucesso da marcha bolsonarista em São Paulo é um sério alerta para o Brasil e para o reino de castelo de areia da democracia lulista.
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