Num grande furo jornalístico, o blogue Linhaça Atômica identificou a elite oculta que tenta sobreviver ao naurágio bolsonarista. Há alguns meses, nosso blogue adaptou o termo do sociólogo Jessé Souza, "elite do atraso", para uma versão repaginada e politicamente correta, a "elite do bom atraso".
Não é fácil identificar uma elite egoísta, gananciosa, preconceituosa e conservadora que se camufla e se esconde entre as pessoas comuns. Parecendo moderna, arrojada e "sintonizada" com os "novos ventos democráticos", os descendentes da Casa Grande, dos bandeirantes e da República Velha, herdeiros de seus privilégios abusivos, tiveram que se reinventar para não pagarem a conta de seus pecados, agora que têm em Jair Bolsonaro seu fiador.
E por que cheguei a essa constatação, da existência de uma elite oculta, de uma burguesia de chinelos invisível a olho nu, espalhada pela multidão como se fosse "gente simples"?
Ora, os valores dessa burguesia bronzeada são muito estranhos. Eles tentaram perpetuar o culturalismo brega, obscurantista, elitista e paternalista para além da Era Geisel, se esforçando para ressignificar tais valores até mesmo nos dois primeiros mandatos de Lula.
Com seus critérios profissionais meritocráticos, burocráticos e agregadores (neste último caso, quando usam o senso de humor como critério acima do talento) no mercado de trabalho, marcado pelo forte ranço etarista, com suas visões paternalistas em relação ao povo pobre - que permitem a defesa da bregalização e do obscurantismo religioso e assistencialista como meios apenas de minimizar os efeitos drásticos da pobreza, sem rompê-la de verdade - , a elite do bom atraso mostra sua falsidade geral.
Ela se passa por generosa, caprichando em apelos como "mais amor, por favor", e como sempre discriminando o senso crítico, atitude que se estende até em universidades, nos ciclos de palestras e na produção de filmes documentários.
Afinal, além dessa "boa" elite não querer que apontemos erros, acreditando que, calados, vamos chegar fácil ao Primeiro Mundo, o pensamento crítico, que movimenta as atividades culturais da Europa, aqui no Brasil iria desmascarar a elite do dinheiro hoje escondida em camisetas, bermudões, sandálias e refugiada em botequins situados em centros históricos descolados.
A identificação dessa elite se deu através de muitas pesquisas e da estranheza de prevalecerem valores socioculturais retrógrados, mesmo sob um aparato democrático e de esquerda. Afinal, são valores próprios da Era Geisel e bem ao gosto das elites que e 1964 derrubaram João Goulart, defenderam o AI-5 e sobreviveram felizes e prósperos a governos neoliberais ou golpistas como os de Collor, FHC e Temer, optando por Bolsonaro apenas para "experimentar".
É uma elite que, composta da direita moderada dotada, agora, de "bom mocismo", e da esquerda pequeno-burguesa de hoje, decidiu "mudar" para continuar a mesma, aderindo, na aparência, aos "novos tempos". Embora claramente conservadoras e com mania de fazer juízo de valor, dando "invertidas", "voadoras" e "cortadas" ao pensamento crítico como tenistas rebatendo tacadas do adversário, a elite do bom atraso tenta parecer "moderna" com algumas posturas "inéditas".
Um exemplo é que essa elite, até pouco tempo atrás, era privatista doente, a ponto de saltar da cadeira quando havia protestos de trabalhadores e estudantes no local de leilão de companhias estatais. Hoje, no entanto, passaram a "gostar muito" da estatização, a ponto de trocar a privatização pelo processo sutil e "temporário" da "concessão", e também passaram a "adorar verbas estatais" porque, assim, eles podem usar o dinheiro público para o trabalho enquanto seu dinheiro privado é usado para a diversão.
Foram anos pesquisando redes sociais, condutas, reações, opiniões etc, e aparentemente tudo era apenas um grande quebra-cabeça que mostrava um pessoal "bem de vida" que se achava "mais povo que o povo". Aí eu pude analisar que essas peças soltas, que separavam na aparência, por exemplo, o obscurantismo neomedieval do Espiritismo brasileiro com a libertinagem do "funk", na verdade se relacionavam entre si, neste caso com "espíritas" e funqueiros associados a uma visão paternalista e servil do povo pobre.
Também foram observadas atitudes estranhas para quem se considera "generoso" e pede por "mais amor": jogam comida fora, são mãos-de-vaca se recusando a ajudar o próximo nos momentos mais difíceis (se limitam, friamente, a dizer para o aflito "manter a fé em Deus"), falam portinglês (dog, boy, body etc) - o que é um contrassenso para a "boa" sociedade que "passou a defender" o patrimônio nacional - e uma obsessão mais do que doentia por festas.
É todo um imaginário que parece "democrático" porque é compartilhado por milhares de pessoas, em boa parte por boa-fé, seguindo obedientemente os desígnios dos 30% dos "bem de vida" que agora estão "de bem com a vida", mascarando seu elitismo de forma politicamente correta, pois todos os males do Brasil agora estão na conta de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, Carla Zambelli, Silas Malafaia e outros.
Essa descoberta de uma elite oculta travestida de "gente comum" mostra o atraso enrustido do nosso Brasil, sempre prisioneiro de sua mediocridade, de um viralatismo nunca assumido. O jornalismo do Linhaça Atômica ganha ponto ao trazer essa informação exclusiva, estimulando a reflexão.
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