Muita gente não vai gostar desse título, mas ele se baseia em fatos e cabe aqui uma leitura cuidadosa antes do boicote que a cegueira emocional possa sugerir. Afinal, há um clima de exaltação emotiva dos lulistas, de tal forma que, para eles, o sonho e a fantasia têm que exercer monopólio sobre a realidade.
Não sou bolsonarista, abomino completamente o bolsonarismo, mas temos que admitir que, exageros à parte, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse algo que faz sentido, nua entrevista dada ao influenciador extremo-direitista português, Sérgio Tavares, num podicaste que teve meio milhão de visualizações no canal do lusitano, que conta com 90 mil inscritos. Disse Bolsonaro:
"O Supremo Tribunal Federal tirou o Lula da cadeia e depois o tornou elegível. Três do ministro compõem o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e trabalharam muito para isso acontecer. Ninguém no Brasil consegue entender como ele foi eleito".
É claro que os lulistas não gostaram da declaração e entenderam como fake news, sem refletir a respeito da complexidade da situação. Mas vamos combinar que Bolsonaro é um aproveitador e pegou carona na ideia exposta por ele para bancar o "ressentido". Já no lado dos lulistas, talvez fosse esperado que um influenciador entrevistasse um seguidor do presidente que dissesse que o petista foi eleito porque Lula é o "Timothée Calamet brasileiro".
Ironias à parte, devemos parar para pensar e observar a linha do tempo. Lula, na verdade, foi solto porque o Supremo Tribunal Federal tinha medo que o protagonismo do juiz Sérgio Moro, o abusivo valentão da Operação Lava Jato, pudesse pôr o Judiciário a perder. Segundo o jurista Eugênio Aragão, ex-ministro de Dilma Rousseff, Moro é bem mais fascista do que Bolsonaro, que é fascista, sim, mas tendendo a soar mais como o "Bozo" a aprontar das suas nas redes sociais e nos favorecimentos pessoais à "familícia".
Na verdade, o STF quis impedir que Moro fizesse um golpe e se ascendesse ao poder como um ditador. Isso é fato. Mas Lula, para ser solto, teve que fazer um acordo com a direita moderada e sacrificar a essência de seu projeto político, abrindo mão até mesmo de apresentar um programa de governo na campanha presidencial que o elegeu para o terceiro mandato. A título de comparação, o humilhado Ciro Gomes teve seu programa de governo lançado em livros e, com base neles, fez sua campanha em 2022.
Note que Lula mudou muito, e para pior. Seu governo está mais espetaculoso e marqueteiro, as realizações são medíocres, e Lula se limita mais a fazer discursos e bravatas. Ele colocou um direitista para vice-presidente, seu ex-rival Geraldo Alckmin, agora politicamente castrado, quase uma marionete do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E Lula fez agrados à direita moderada, tanto no modo "frente ampla" da campanha eleitoral, quanto no modo "Centrão" do Legislativo federal.
Note que Lula reduziu o valor de aumento do salário mínimo. Se nos dois outros mandatos, Lula reajustava com R$ 110 ou R$ 120, valores medíocres mas eram alguma coisa, hoje ele só reajusta com R$ 90. Lula não agiu para reduzir drasticamente os juros da dívida pública, sendo suas declarações "enérgicas" contra Roberto Campos Neto conversas para boi dormir. Os preços também reduziram de maneira medíocre, mas em vários produtos e serviços eles já voltaram a aumentar.
E Lula também não demonstra a mesma energia de Leonel Brizola para reverter privatizações. As declarações do presidente do Brasil em relação à privatização da Eletrobras se limitam a ser meros desabafos com palavras fortes e nenhuma ação. A privatização já foi acusada de "acinte", mas nos bastidores se diz que Lula não vai tirar a Eletrobras das mãos dos atuais donos, mas recomprar a empresa, algo que já pensa em fazer com a Vibra Energia, para recuperar o controle da BR Distribuidora.
É lamentável que, com essas atitudes, Lula ainda se considere "dono" do espólio de Leonel Brizola, mais ousado em reverter privatizações, quando ele era governador gaúcho em 1958 e 1959. O próprio Brizola, se vivesse hoje, seria um crítico enérgico do governo Lula, vendo no atual presidente um político "conciliador em excesso". Mas se teve gente no Brasil aplaudindo quando Michael Jackson quis bancar o "dono" das canções dos Beatles, Lula é ainda mais aplaudido quando banca o "dono" do brizolismo.
E por que faz sentido considerar que Lula foi "eleito" pelo STF e não por ser "o líder mais popular do mundo"?
Simples. É porque ocorreu o golpe político de 2016, e para evitar que o lavajatismo saísse do controle, o STF teve que frear os ímpetos de Sérgio Moro. Devemos notar que há um jogo político mais complexo, pelo qual Bolsonaro foi eleito e fez o mandato desastrado e corrupto que conhecemos para que a burguesia pudesse ser isenta de culpa, pois todos os pecados de 524 anos das elites brasileiras ficariam no colo de Jair, Michelle e os quatro bolsonarinhos, junto a amigos e familiares.
Daí que Sérgio Moro, um dos artífices do golpe político de 2016 - no qual Bolsonaro agiu como um operador menor e não como mentor nem co-autor - , teve seu caminho freado quando o STF viu que o medíocre juiz paranaense estava aumentando demais o seu poder. Por isso o STF soltou Lula mais para proteger os dedos da burguesia, se livrando dos anéis do golpismo.
Lula usa a palavra "democracia" como um eufemismo para a suavização do seu projeto político, claramente mais ameno e fraco em realizações do que nos mandatos anteriores. A palavra "democracia" é apenas uma desculpa para Lula poder ser pelego sem causar estranheza, se aliando com a Faria Lima com a qual forja uma falsa rivalidade do tipo "Emilinha Borba versus Marlene". Uma "rivalidade" tipo Corinthians, time do presidente, contra o Palmeiras, só para citar o futebol.
Tudo o que Lula faz é marketing, encenação, espetáculo. Seu governo mais parece um circo. Lula suavizou seu projeto político até não sobrar mais o que havia restado do antigo líder sindical. Hoje o atual mandato de Lula mais parece o governo de FHC com apelos populistas de José Sarney. Lula não sai do palanque e faz o papel de "palhaço de circo" não diferente de Bolsonaro senão pelas caraterísticas ideológicas e políticas em questão.
Por isso, podemos afirmar que Lula foi "eleito", sim, pelo Supremo Tribunal Federal, porque este, para bloquear a ascensão de Moro, teve que soltar seu ilustre prisioneiro. E, antes admirável, Lula voltou estranho, realizando um governo neoliberal que já começou mal, com o presidente fazendo turismo no exterior e se abraçando aos caciques da direita moderada.
Enquanto os lulistas tentam impor suas narrativas como "verdades absolutas", a realidade, nua e crua, mostra que, enquanto os trabalhadores se sentem abandonados e traídos pelo presidente, quem fica feliz com o atual chefe da nação é a burguesia que sempre viveu uma boa vida, desde os tempos em que João Goulart foi expulso do poder e, sobretudo, durante o "milagre brasileiro". A burguesia de chinelos não nos engana com suas poses de falso esquerdismo democrático.
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