TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL.
O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense.
Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais.
Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showman, falando demais a ponto de se equivocar num comentário estereotipado sobre suas impressões sobre a técnica da montadora, Luiza Eduarda Leôncio, de 20 anos, premiada num concurso para Melhor Aluna Aprendiz da empresa, recebendo de presente uma viagem para a sede da montadora, na Alemanha. Disse Lula:
"Essa menina bonita que está aqui. Eu estava perguntando: o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela? Falei: “Ela é cantora, vai”. Não, não vai cantar. Perguntei (e disseram): “Não, não vai ter música”. Então ela vai batucar alguma coisa. Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor. Também não é. Falei: “Nossa, então ela é namorada de alguém”. Também não é. O que é essa moça? Essa moça foi premiada ano que vem como a mais importante aprendiz dessa empresa e ganhou um prêmio na Alemanha. É isso o que nós queremos fazer para as pessoas nesse país".
O comentário repercutiu mal e fez com que opositores criticassem Lula acusando-o de ser machista e racista em relação à jovem garota. Citando também a hipotética ideia da moça namorar Lula, o presidente disse que "ela não (o) quer não por haver coisa melhor no mercado", mas "porque Lula tem a Janja", referência à primeira-dama do país, Rosângela da Silva.
Ainda em tom de brincadeira, Lula, alegre e festivo demais para um Brasil em reconstrução, ainda "discordou" do vice Geraldo Alckmin, quando este disse que o Fusca é "carro ideal para namorar". Lula ainda falou do seu time de coração, o paulistano Corinthians. Tudo é festa, mesmo num país devastado como o nosso, ainda não curado das cicatrizes da ditadura militar e seu culturalismo conservador da época.
Lula choramingou na campanha presidencial de 2022 pedindo votos para reconstruir o Brasil, que sua missão era combater a fome, recuperar o país da devastação etc. Mas, em certos momentos, Lula entrava em clima de festa, algo inadmissível para um país doente que é o nosso. Daí minha decepção profunda com Lula, que eu admirei até 2020 e do qual continuo considerando os dois primeiros mandatos como bons, embora nada revolucionários.
Não posso fingir que tudo está bem. E não é porque tenho 53 anos (que completarei em 21 de março próximo). Até porque tem gente mais velha do que eu e possui fantasias e sonhos mais infantis em relação ao governo Lula. Gente que, mesmo com 70 anos, sonha mais do que muita criancinha peralta de três anos de idade.
O próprio Lula, tomado de muito estrelismo, age como se fosse um menino mimado. Quer, agora, que o destino faça todas as suas vontades. Acha que o que ele sofreu devido aos abusos da Operação Lava Jato foram injustos e isso eu até concordo plenamente. Mas Lula hoje exagera querendo fazer tudo de tudo e até cometendo erros sérios achando que eles trarão resultados acertados, coisa que os lulistas definem pelo termo eufemístico de “estratégia”. Ou seja, “estratégia” é, neste caso, quando Lula comete uma decisão errada que depois gera um resultado supostamente benéfico.
O que me fez desistir do meu voto em Lula - escolha que eu havia tido em 2020 - foi que ele, além de criar um clima de festa impróprio para o contexto de hoje (sobretudo depois da tragédia da Covid-19 e outras necropolíticas, como os feminicídios e a violência no campo e nas aldeias indígenas), desrespeitou as obrigações eleitorais da própria democracia que o presidente tanto defende, como se fosse uma invenção sua.
Lula não aceitou enfrentar a diversidade eleitoral, se impondo como um “candidato único” contra o bolsonarismo. Faltou a debates importantes, não desenvolveu um programa de governo e incitou seus aliados a caluniarem e ofenderem o rival Ciro Gomes, como uma gangue de valentões de escola.
Não existe democracia de um homem só. Democracia não tem rosto nem nome. Essa ideia de que as virtudes humanas possuem “rosto e nome” vem de uma elitezinha de abastados metida a parecer legal e fazer bonito nas redes sociais, dando invertidas nas redes sociais até quando lhes ocorrem umas coceiras ao acordarem de suas camas. Uma formiga andando na cama é o suficiente para um lulista sair dando invertida como um tenista rebatendo jogadas.
Pois para essa elite, a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, as virtudes humanas têm rosto, nome e forma. Vide um “médium” picareta, reacionário e medieval (e lembrando que Uberaba é terreno de latifundiários e forte reduto bolsonarista), no qual a “esquerda caviar” (sim, ela existe) passa pano e define como “personificação da bondade humana” no Brasil.
Embora o tal ídolo religioso, se estivesse vivo, tivesse sido um bolsonarista ferrenho - a defesa aberta da ditadura militar é subestimada e há quem crie narrativas malucas para dizer que o tal “médium” teria “apoiado a ditadura sem apoiá-la” - , os lulistas passam muito pano em sua figura, mais do que se passa pano em móvel cheio de poeira. Tudo porque se trata de uma burguesia metida a progressista que ainda mantém muitos de seus “heróis” de seus tempos felizes da ditadura militar, como “médiuns” e cantores bregas do passado.
Essa sociedade, que sempre foi feliz, pelo menos após a expulsão de João Goulart da Presidência da República em 1964, atravessando incólumes os períodos dos generais Médici e Geisel, os períodos neoliberais de Collor e FHC e os golpismos informais de Temer e Bolsonaro, agora quer tapar o verão passado com a peneira e se autoproclamar “democrata de esquerda desde criancinha”. Gente que lia com entusiasmo os artigos do IPES-IBAD há 60 anos e hoje se diz apaixonada por Karl Marx e Che Guevara.
Por isso esses burgueses enrustidos aplaudem um Lula que jogou fora sua trajetória e hoje vira caricatura do que havia sido até 2020. Arrumam desculpas em grandes estoques para invertidas nas redes sociais em defesa de uma tal “democracia de um homem só”. Tanto faz, para essa elite que se acha dona da razão que não tem, se a democracia não é mais do que sinônimo de lulocracia.
Não existe isso. Por mais que Lula se oferecesse como melhor opção ou que Ciro Gomes ou Soraya Throniche tivessem seus defeitos, a regra da democracia é a diversidade eleitoral. O próprio Lula se esqueceu da campanha presidencial de 1989, marcada pela diversidade de candidatos. Jogar o segundo turno para o primeiro é trapacear, Lula teria que admitir que existem concorrentes tão legítimos quanto ele para combater o bolsonarismo.
Não existe essa de que, só porque fulano é o melhor, só ele pode competir. Foi patético armar um palco grandiloquente, no Vale do Anhangabaú, um evento que imitaria a Campanha das Diretas Já de 1983-1984. O eleitorado respondeu à altura, isto é, o evento teve um público abaixo do esperado. Grandiloquência é a mediocridade querendo se passar por grandeza.
É constrangedor Lula gastar tanto tempo e tanto da energia de um presidente de 78 anos e físico de 98, para falar de democracia, como se o petista fosse o dono dela. E a elite do bom atraso, que agora é fã-clube de Lula, se empolga com a forma como ele defende a palavra “democracia”, num estranho processo em falar demais sobre a mesma.
Afinal, a “nata” dos apoiadores de Lula, a elite do atraso agora fazendo papel de “boazinha”, nunca sofreu de verdade, seja sob Médici, Geisel, Temer e Bolsonaro. Essa elite sempre viveu feliz, teve boa vida até para usar as redes sociais para fingir que foram prejudicados por Bolsonaro.
Por isso, para essa elite, a favela é “coisa linda de se ver” e o salário mínimo de R$ 1.412 é “suficiente” para garantir a qualidade de vida do povo pobre. E a elite do bom atraso que apoia Lula, antes privatista incurável, agora defende um Estado forte, buscando lacrar nos meios progressistas e obter algumas verbas estatais da Lei Rouanet, capaz de financiar até festinhas de pegação fantasiadas de “eventos culturais” (vide a Farofa da G-Kay). Esquerda caviar existe.
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