O futebol brasileiro morreu em 1987. Aquilo que poderia ser um esporte e diversão, há 35 anos, passou a se tornar um mero mercado, com times de futebol virando empresas, os jogadores, mercadorias e ídolos "fabricados" pela mídia, e a mídia esportiva movida a muito jabaculê (leia-se propina e não mershandising). No rádio FM, o jabaculê de futebol é mais sujo e mais perigoso do que o jabaculê musical (até porque os jabazeiros musicais agora operam nos meios acadêmicos, na imprensa etc).
Aquele passatempo de rapazes jogando disputando uma bola com os pés deixou sua razão de ser. Acabou-se aquele espírito realmente animado de um passatempo esportivo, e o futebol sucumbiu, definitivamente, a uma espécie de "alegria" tóxica, em que os torcedores parecem zumbis vendo na TV um monte de homens correndo atrás de uma bola. Não é um prazer saudável, porque virou uma grande e terrível obsessão, e que favorece, e muito, o enriquecimento abusivo dos dirigentes de futebol.
Futebol, hoje, é um jogo de traves marcadas, um faz-de-conta cujo falso glamour não passa de mero marketing, com os mesmos mega-clubes estaduais ganhando partidas no Brasileirão, enquanto times nanicos não veem a luz do Sol sobre seus gramados.
Hoje as pessoas sentem um fanatismo pelo futebol, e, como todo fanatismo ou fundamentalismo, se guia sempre na mediocridade. O futebol brasileiro tornou-se medíocre, seus craques de futebol sucumbem facilmente ao estrelismo e ao enriquecimento abusivo, se esbaldando com festas, bens luxuosos e mulheres sensuais. E, não raro, ideologicamente de direita.
Falam muito que os atletas olímpicos viraram bolsonaristas, mas é necessário enxergar vários jogadores de futebol, inclusive os que estiveram na campanha "vitoriosa" do penta em 2002. Até o técnico Felipe Scolari, o "pai" da "família Scolari" - como foi romanticamente apelidada a Seleção do Penta - , assumiu ser bolsonarista.
Há 20 anos, o Brasil tomou posse de um troféu comprado de forma trapaceira, numa trajetória suspeita que, em 2001, fez a seleção do Chile desistir de disputar uma das eliminatórias. Na Copa do Mundo Fifa da Coreia do Sul e Japão em 2002, houve erros de arbitragem e um estranho jogo contra a seleção da Inglaterra terminou com uma estranha vitória do time brasileiro, que jogou mal em detrimento dos jogadores britânicos.
A Seleção Brasileira de Futebol mais parecia um time da Série C do Brasileirão, não tinha coesão, suas jogadas eram hesitantes. Não tinha como ganhar a Copa de 2002 nem de fazer parte dela. Só que, mais vergonhosa do que a performance dos "amarelões", é a cobertura da imprensa, que oficialmente viu genialidade onde nunca existiu, achando que 2002 era 1958.
Na verdade, há 35 anos o que muitos, com certo ar de idealização, chamavam de "futebol-arte", acabou por definitivo. Hoje futebol é comercialismo, é capitalismo, é marketing até mesmo diante de manifestos identitaristas aqui e ali. Tudo é apenas um meio de encher dinheiro de poderosíssimos dirigentes esportivos, que riem das caras dos brasileiros porque o fanatismo futebolístico acaba sempre enchendo mais as cartolas dos dirigentes de muita, muia grana.
As pessoas acham que o futebol continua mantendo o glamour, mas isso é uma falsa impressão de quem tem o cérebro plugado na manipulação midiática. Hoje o futebol é quase um segundo mercado financeiro, com loterias atuando como "bolsas de valores" e a mística futebolística se tornando uma religião fundamentalista mais rasteira e gananciosa do que a Igreja Universal do Reino de Deus.
Aliás, um vigarista religioso, suposto "médium espírita", celebra hoje 20 anos de morte, tão picareta que ele era quanto os "cartolas" João Havelange, Ricardo Teixeira, José Maria Marín (ligado à ditadura militar) e o atual líder da CBF, Marco Polo Del Nero.
Reacionário, o tal "médium" (que colaborou mais com a ditadura militar do que até mesmo o Cabo Anselmo) tem nas costas a morte suspeita de um sobrinho, o pioneirismo na literatura fake e uma "caridade" tão fajuta quanto a de seu discípulo Luciano Huck. E o falecido religioso é paparicado pela mídia venal como um pretenso "símbolo de caridade", quando a trajetória "bondosa" do suposto paranormal nunca passou de uma enorme, vergonhosa e preocupante mentira.
Por trás de tantas fantasias religiosas e esportivas, os brasileiros acabam se sujeitando à mais constrangedora submissão a estas místicas, escravizando suas alegrias a esse entretenimento da fé cega e de um entretenimento esportivo que lhes rouba preciosas horas de domingo que deveriam ser para firmar amizades, conhecer novos lugares e até descansar.
A falta de humanismo que o futebol mercantilizado causa hoje em dia faz com que, no Rio de Janeiro, o futebol seja pauta de assédio moral, com humilhações e ofensas agressivas contra quem não gosta do esporte, a ponto de influir até mesmo no mercado de trabalho. O fanatismo futebolístico existe em todo o Brasil, mas é no Estado do Rio de Janeiro que as pessoas costumam perguntar o time antes do nome de qualquer nova pessoa que se conhece.
A poluição sonora das gritarias de torcidas durante a noite também revela esse ambiente tóxico que se tornou o simples ato de torcer por futebol. Nas noites, gente que precisa acordar cedo para trabalhar é impedida de dormir porque, quando ocorre o gol de um time durante uma partida noturna, a gritaria é inevitável e os torcedores desprovidos de um pingo de respeito humano.
Tudo ficou tão tóxico nesse fanatismo futebolístico que matou o esporte que, quando o time do Palmeiras, num campeonato internacional, foi derrotado pelo time britânico Chelsea, dava para ver os semblantes agressivos de muitos palmeirenses, uma aura tão pesada que se alguém perguntasse as horas para algum desses torcedores, eles partiriam para a agressão.
No radialismo esportivo, onde se serve jabá (propina e não mershandising) a rodízio - com programas com audiência ZERO sendo mantidos no ar por interesse das federações de futebol - , certos locutores das FMs chegaram a surtar, fazendo comentários agressivos e preconceituosos para chamar a atenção, porque o Ibope permanecia na zona de rebaixamento e os "cronistas", irritados, precisavam de algum apelo para fabricar polêmicas, embora isso tivesse custado, depois, a demissão desses locutores.
E há 20 anos a atuação medíocre da Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 2002 só ganhou louvores porque temos uma mídia comprada, que elogia uma vitória comprada como se fosse "um lindo espetáculo". É um reflexo de um futebol-mercadoria, que fez o esporte sucumbir a um caminho sem volta da decadência, com jogadores cada vez mais medíocres e uma emotividade tóxica que nunca mais irão recuperar a antiga inocência que se via nos jogos de várzea.
O futebol brasileiro morreu definitivamente há 35 anos. O que existe, depois de 1987, é apenas um arremedo mercadológico, com direito ao enjoado ufanismo de programas esportivos da Globo, Band e agora SBT, entre outros veículos, que controlam o inconsciente coletivo dos brasileiros, que de uma forma ou de outra, produzem todo um êxtase tóxico em torno das rotineiras disputas dos mesmos times de futebol.
E a mídia não se responsabiliza pela eventual fúria violenta de torcidas organizadas, mas elas são sempre um efeito desagradável dessa mística tóxica que é o futebol brasileiro, que nunca mais irá recuperar a sobriedade esportiva que hoje repousa num passado remoto e distante que muitos insistem, em vão, em parecer vivo e presente nos dias atuais, como que numa desesperada obsessão nostálgica e doentia de repetir glórias passadas que não voltam jamais.
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