Vamos aqui mencionar coisas que minha tarefa de produtor de conteúdo na Internet revelou mas que pouca gente deu bola ou, quando deu, foi tarde demais. Infelizmente, o emburrecimento é muito comum no Brasil e verdadeiras barbaridades ou são ignoradas ou são percebidas com muitos anos de atraso. Mostraremos algumas delas.
COMERCIAL DE TV TRANSMITIDO EM HORÁRIO NOBRE FAZIA ALUSÃO AO FEMINICÍDIO - Entre 1994 e 1995, fiquei horrorizado ao ver um comercial da marca de TV Semp Toshiba, em que, diante de uma fila de pessoas esperando a nova sessão de um filme, um menino saltitante falava, em tom de cantiga: "A mocinha morre no final. Quem matou foi o marido". A mensagem é uma clara alusão ao feminicídio, o que poderia sugerir a vários espectadores machistas sobre a naturalidade desse crime abominável. Mas as pessoas fizeram vista grossa e tem gente que acha a peça comercial "bastante divertida". Nem as feministas de esquerda, pelo jeito bastante seletivas na denúncia contra a violência machista (sempre dependem da agenda setting para pautarem sua indignação), foram denunciar o macabro comercial, reproduzido no YouTube. Triste.
FUTEBOL DÁ MAIS JABACULÊ EM RÁDIO FM - Transmissão esportiva e mesas redondas rendem mais jabaculê nas rádios FM do que música. Jabaculê esportivo (paybola?) faz o jabaculê musical parecer brincadeira de criança. Já escrevia coisas assim em 2000, mas a visão corrente é de que o jabaculê em FM é só musical. Porém, dois escândalos, pelo menos no rádio de Salvador, mostravam que o jabaculê esportivo era "da pesada", com denúncias envolvendo rádios locais e até afiliadas de redes. Em uma delas, o "astro-rei" da Rádio Metrópole, Mário Kertèsz, quase morreu de infarto, lembrando que essa emissora era uma das envolvidas no esquema entre dirigentes esportivos e donos de rádios. O jabá (propina, não mershandising) é tanto que, uma vez, meus pais me levaram para uma oferta de emprego no jornalismo esportivo e o sujeito que me atendeu me desaconselhou a trabalhar lá, porque era novato no ramo. Sinal que o esquema jabazeiro atinge dimensões mafiosas.
A PALHAÇADA LINGUÍSTICA DO "STOP QUEDA" - A marca de cosméticos Garnier lançou no Brasil um produto que, no exterior, é conhecido como um xampu anti-chute (anti-queda), mas aqui ganhou o nome infeliz de "stop queda". Um nome imbecil, engraçadinho, uma expressão em "portinglês" mais rasteiro, comparável a coisas ridículas de hoje como chamar maiô de "body" (lê-se "báre") e cachorrinho de "doguinho". Ninguém percebeu na época e as pessoas elogiavam o produto sem perceber o nome tão patético como "stop queda". O nome idiota hoje persiste através de outra marca, a K-Bell.
SAMBÔ FEZ VERSÃO "SORRIDENTE" DE CANÇÃO TRÁGICA DO U2 - Quando o Sambô era visto como "novidade" - embora, no fundo, o grupo fosse um genérico dos Virguloides na combinação entre sambrega e pop-rock - , a mídia definia o grupo como "samba-rock" e o levava a sério, mesmo quando o grupo, supostamente especializado na "boa pronúncia de inglês", interpretava uma versão "sorridente" e "animada" da trágica canção da banda irlandesa U2, "Sunday Bloody Sunday", que fala de um famoso massacre de manifestantes pela polícia da Irlanda, durante um protesto em 1972. Em 2012, eu já descrevia o erro do Sambô cantar alegremente uma letra tão triste. Só depois se tornou corrente tal questionamento.
"MÉDIUM ESPÍRITA" DEFENSOR DA DITADURA MILITAR - Um famoso "médium espírita" de Minas Gerais, tão idolatrado como um suposto símbolo de caridade (tão fajuta quanto a de Luciano Huck), mas pioneiro em literatura fake (que usurpou nomes como Humberto de Campos e Auta de Souza), era um reacionário incurável e defendeu tanto a ditadura militar que, num programa da TV Tupi em 1971, despejava comentários hidrófobos contra as esquerdas, para uma audiência gigantesca dentro e fora do estúdio da emissora. Mas o pessoal faz vista grossa. O "médium" foi condecorado pela Escola Superior de Guerra, o que diz muito quanto ao direitismo do religioso. Mas houve quem passasse pano no "médium", apostando na falácia de que "ele defendeu a ditadura porque era santo ou quis salvar a própria pele". A desinformação generalizada fez com que houvesse até blogueira esquerdista, das que se gabam de serem "comunistas", exaltando o "médium", sem saber que ele foi reacionário e ultraconservador. Até agora não há uma posição oficial quanto a isso. Já fui "espírita" e posso dizer isso porque conheci as ideias desse mistificador que fará 20 anos de morto no fim deste mês.
FUNQUEIROS COLABORANDO COM O GOLPE POLÍTICO DE 2016 - Com muita exclusividade, Linhaça Atômica mostrou que os ativistas funqueiros Rômulo Costa, da Furacão 2000, e Bruno Ramos, da Liga do Funk, atuavam como "quinta coluna" em eventos com participação do PT. Costa era sogro da golpista Antônia Fontenelle quando promoveu o tendencioso "baile funk" de Copacabana, pretensamente contra o impeachment de Dilma Rousseff. O evento foi uma farsa que serviu apenas para anestesiar os apoiadores da presidenta, e em 2017 Rômulo já estava fazendo parcerias com um político carioca empenhado no golpe. Já Ramos participou de um protesto contra a Rede Globo em São Paulo, em 2016, mas meses depois sua Liga do Funk participava de matéria do Fantástico. Cabo Anselmo fez escola. Apesar disso, não há um único parecer oficial das esquerdas sobre o fato de terem sido enganadas por esses dois nomes do "funk".
"SERTANEJO UNIVERSITÁRIO" É FINANCIADO PELO AGRONEGÓCIO - Uma constatação recente seria vista como piada quando eu fazia O Kylocyclo em 2009 e afirmava que o "sertanejo universitário", embuste que nunca teve a ver com universidades, era financiado pelo agronegócio. As buscas da Internet não mostravam um único indício disso e os ídolos dessa tendência breganeja eram glorificados, sob a promessa de apresentar um "sertanejo" renovado, supostamente unindo as tradições da música caipira com as modernidades cosmopolitas do folk rock de nomes como Neil Young e REM. Até teclado imitando cítara foi usado por uma das duplas. Mas a farsa caiu por terra quando se viu que o tal "sertanejo universitário" era musicalmente precário e ruim, com um mesmo estilo de canto de duplas que pareciam fazer força para cantarem, e gravavam o mesmo som de pastiches de bolero ou de pretensos country rocks de baixa qualidade. Foi preciso o contexto do apoio a Jair Bolsonaro e o escândalo das verbas de prefeituras para derrubar os "sertanejos modernos" e trazer à tona, com 13 anos de atraso, aquilo que eu já alertava na minha atividade de blogueiro.
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