Lula, na pior de suas campanhas presidenciais, que é a dos últimos meses, não está sendo estratégico. A pretexto de querer recuperar a democracia, o petista quer atropelá-la, sem paciência para enfrentar a competitiva disputa presidencial que, bem ou mal, tem que dar espaço a outros candidatos, sim.
Mesmo que Lula seja realmente o mais vantajoso, o mais popular, o mais carismático etc, ele não tem o direito de se impor à competição presidencial como se ele fosse o único. A Terceira Via e os candidatos nanicos, por piores que sejam, têm espaço para divulgar suas propostas. Não é minha opinião. É a determinação da Constituição de 1988 e da Lei Eleitoral.
Embora eu seja um dos poucos a alertar sobre isso, é verídico e realista que Lula está cometendo sérios erros em sua campanha. E, como muitos dos erros, estes são cometidos como se fossem decisões acertadas. Um erro não se mostra como tal no calor do momento, pois o erro pode não se definir como um ato aparente em si, mas pelas consequências danosas que causará no futuro.
Lula cometeu três principais erros. Primeiro, o de querer reconstruir o Brasil em clima de festa. Não é o momento para falar que "vamos ser felizes de novo". O momento hoje é de cautela. Segundo, Lula faz questão de atrair para si forças divergentes, como se isso fosse necessário para retomar a democracia. Mas isso cobrará uma conta cara para Lula, que deverá sentir o peso do sacrifício de suas propostas. Ou alguém, com a mínima consciência, vai achar que Geraldo Alckmin aceitará com sorrisos benevolentes medidas como fortalecer o Estado, barrar as privatizações e taxar os mais ricos?
O terceiro erro é que Lula quer retomar a democracia atropelando todo o caminho, obrigatório para a própria democracia, da corrida presidencial. Mesmo que ele ofereça o melhor projeto, é necessária a paciência de enfrentar concorrentes, debater, reconhecer que os rivais serão muitos e não se limitarão a Bolsonaro. E não sair bancando o valentão dizendo que esses rivais estão perdidos ou coisa parecida.
É triste ver Lula achando que só suas decisões têm validade, que ele é que é o dono da verdade e que tudo que ele quer tem que ser atendido. Não dá para disfarçar. Lula critica o salto alto de seus seguidores, o clima de "já ganhou" e tudo, mas ele deveria se olhar no espelho, pois aí perceberá que ele é o primeiro a ter essa mania de triunfalismo e de arrogância profunda.
Lula perde a oportunidade de recuperar seus espaços aos poucos, legitimando a validade de seus rivais, e não transformar a corrida presidencial num revanchismo contra Jair Bolsonaro e os coadjuvantes, agora culpados oficiais, do golpe de 2016. Não dá para tratar os demais candidatos à Presidência da República como birutas de posto de gasolina.
O que Lula está fazendo é forçar a barra com seu favoritismo. Ele está sendo um tanto autoritário ao impor sua imagem, numa circunstância em que as esquerdas estão artificialmente recuperando o protagonismo, às custas da suavização de seus projetos políticos e da negociação com a venda parcial de suas riquezas. Na Bolívia, por exemplo, a volta das esquerdas foi negociada vendendo gás e lítio para os capitalistas, incluindo o magnata do Big Tech, Elon Musk.
Recentemente, a Colômbia entrou nesse clube que inclui Argentina, México, Suriname, Peru, Chile e Bolívia, mais as agora domesticadas democracias de esquerda da Venezuela e de Cuba. Com uma vitória de 50,49% de votos válidos, o país de Shakira e Sofia Vergara elegeu Gustavo Petro, derrotando o rival extremo-direitista Rodolfo Hernandez por 47,26%.
Todos os regimes, porém, mostram apenas um semi-esquerdismo, que se impõe como um estranho modismo depois que a retomada conservadora mostrou seu fôlego entre 2016 e 2020. O mundo não dá saltos, daí ser muito estranha a retomada das esquerdas num contexto em que, ainda pouco, o capitalismo selvagem dava seus gritos estridentes e assustadores para a humanidade.
E Lula de repente parece olhar apenas para si mesmo. É como se ele se achasse o centro do mundo, com o direito de atropelar a lógica e agir da mesma maneira que Sérgio Moro, pois, enquanto este apelava para a prisão em segunda instância, atropelando as etapas do Direito Constitucional, Lula quer pular etapas da conquista do cargo presidencial.
Nota-se que Lula mudou seu semblante, mostrando uma certa arrogância e uma intransigência em decidir conforme sua vontade. Tudo acaba virando uma "democracia de cabresto", quando Lula, em vez disso, poderia ter um pouco mais de humildade e aceitar a competitividade presidencial, sem bater muito na Terceira Via, até porque a diversidade de candidatos poderá ajudar na pulverização dos votos que seriam para Jair Bolsonaro.
Por isso é que Lula parece não estar disposto a competir porque acha que está com a vitória em suas mãos. Isso é muito ruim. Ele é o primeiro a estar com o salto alto e viver o clima do "já ganhou", mas como ele não é muito de autocrítica, ele acha que faz tudo certo, até se aliar com as forças divergentes que, inevitavelmente, irão forçá-lo a abandonar uma considerável parcela de seu projeto político.
Hoje tudo é festa, mas na hipótese de Lula chegar ao poder, a realidade será outra e as divergências com os novos aliados não serão amistosas, até porque no tão imaginado diálogo o petista terá que abrir mão de pautas como o Estado forte, a retomada total dos direitos trabalhistas e a taxação de impostos aos mais ricos. Na teoria, as divergências são fáceis de resolver com Lula impondo suas ideias, mas na realidade a coisa será bem diferente.
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