Pular para o conteúdo principal

O PROBLEMA DAS SOLUÇÕES "FÁCEIS" DE LULA NO BRASIL DISTÓPICO

LULA E ALOÍSIO MERCADANTE.

Na volta para casa, esperando um ônibus na Av. Paulista, próximo à Rua da Consolação, ouvia gritos de sem-teto que vivem no mergulhão. Muita revolta, gritos tristes e indignados, na rotina sofrida de uma realidade sem esperanças. No ponto de ônibus, houve um pai de família vendendo um pacote de balas e, depois, um mendigo pegando latas de alumínio do lixo e pedindo dinheiro para os passageiros. O mendigo queria tomar café, e uma moça lhe deu um pacote de biscoito recheado.

A realidade é distópica e muito complexa. E parece contraditório criticar duramente Lula, tido como a "salvação do Brasil", nesta realidade muito difícil. O problema é que Lula, agarrado até pelo pescoço pelos neoliberais, não enxerga obstáculos armados desde o golpe político de 2016 e acha que quer realizar "tudo de tudo" em apenas quatro anos.

Lula quer voar alto se aliando àqueles que irão cortar-lhe as asas. Acha que pode manter as raízes petistas atraindo para si gente que diverge de suas ideias. Esquecendo que o prometido "diálogo" irá impor um custo pesado ao petista, muitos acreditam que o Brasil pós-golpe viverá uma eterna "noite de Cinderela", depois da qual nem os sinos da meia-noite quebrarão o encanto.

Difícil vender realismo. Muitos dos textos críticos contra Lula - e levando em conta que eu já o poupei de críticas anos atrás, ironicamente quando muita gente falava mal dele - repercutem mal, porque as pessoas querem ver e ouvir relatos de sonhos dourados, como se Lula tivesse nas mãos fórmulas de soluções "fáceis" para o Brasil.

Temos que escrever, para produzir lacração e repercutir bem, sobre as fantasias mais fantásticas. Como achar que as propostas radicais de Lula hoje são vistas com encanto pelos neoliberais mais endurecidos, que veriam projetos como o fortalecimento do Estado e a revogação das privatizações, da reforma trabalhista e do teto de gastos com olhos brilhando e sorrisos largamente apaixonados.

Nunca me prestou fazer o papel de vendedor de sonhos. E vejo com muito ceticismo esse projeto de Lula querendo fazer "tudo de tudo", porque não há contexto no Brasil para isso e o protagonismo das esquerdas, no nosso país e na América Latina em geral, é artificial. Não é da lógica dos golpistas de 2016 largar o osso. O capitalismo selvagem não vai aceitar passivamente a retomada do esquerdismo.

Lula e Geraldo Alckmin lançaram um esboço do programa de governo, ainda menor que o anterior. E criaram um canal para os brasileiros darem suas sugestões, para quem acredita que a direita moderada que agora está de braços dados com o PT vai mesmo aceitar numa boa que as propostas mais ousadas sejam de fato implantadas. Imagine as elites da Privataria Tucana diante da possibilidade de fortalecer o Estado.

O projeto já comete mais recuos. Lula já recuou da regulação da mídia e da liberação do aborto, e agora o recuo já atinge a reforma trabalhista de Michel Temer, sob a qual serão revogados apenas pontos considerados "regressivos". E já se fala em manter o limite dos gastos públicos para alguns setores da Economia pública.

Será que o povo terá vez nas sugestões que irá enviar no espaço oferecido pelo Programa Juntos Pelo Brasil? Ou será que as sugestões apenas se perderão no horizonte de propostas boas que os aliados de Lula, no entanto, não aprovarem?

Tudo parece fácil, mas Lula cai em contradições severas. Já descrevi que ele quer a solução "excepcional" da "única via" em torno dele, com seus seguidores batendo na Terceira Via como os valentões da escola surrando os garotos frágeis da escola. Tudo reduzindo a corrida presidencial num primeiro turno com sabor de segundo, num puro revanchismo contra Jair Bolsonaro, enquanto os demais candidatos são reduzidos a meros figurantes.

O Brasil está distópico. O golpismo de 2016 não pode apenas responsabilizar a "molecada" ou o "baixo clero", culpabilizando apenas nomes como Kim Kataguiri, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Janaína Paschoal, Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. Gente muito "boa" que hoje se agarra a Lula, a partir do próprio Geraldo Alckmin , também é tão ou mais responsável pela derrubada de Dilma Rousseff do que os culpados oficiais de hoje.

O nosso ceticismo, quase exclusivo na blogosfera, alerta pelo fato de que as forças divergentes não vão aceitar Lula fazendo medidas de esquerda. Lula vai sendo puxado para a direita, e cedendo de seus projetos originais. E isso não vai ser resolvido com o canal em que os internautas podem pedir até mesmo o aumento de investimentos para pesquisas científicas brasileiras.

Tudo o que Lula vai fazer será dentro dos limites do neoliberalismo, de tal forma que aquela ideia do "Estado forte" se limitará apenas aos projetos de grife do petista (Bolsa Família, Fome Zero etc). Tudo indica que a logística governamental ficará mesmo com Geraldo Alckmin e os neoliberais, que apenas transformarão o legado de Michel Temer em algo mais "palatável".
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

TRINTA ANOS DE UMA NOVELA DA PESADA

A PRIMEIRA VERSÃO DE A VIAGEM  "PRESENTEOU" OS FUNCIONÁRIOS DA TV TUPI COM A FALÊNCIA DA EMISSORA. Triste país em que executivos de TV e empresários do entretenimento montam uma falsa nostalgia, forjando valores e fenômenos falsamente cult  para enganar as novas gerações, que levam gato por lebre com esse pseudovintage feito para lacrar nas redes sociais. Vide a gourmetização da mediocridade musical com, por exemplo, Michael Sullivan, Chitãozinho e Xororó e É O Tchan, nomes que deveriam cair no esquecimento público, pelas obras deploráveis que fizeram. Na dramaturgia, a coisa não é diferente num país em onde Caio Ribeiro, Luva de Pedreiro e um tal de Manoel Gomes (do sucesso "Caneta Azul") são considerados cult  e hit-parade  é confundido com vanguarda, qualquer coisa pode ser alvo dessa "nostalgia de resultados " que transforma o Brasil no Olimpo da idiotização cultural. A coisa chega ao ponto de uma novela infeliz, com temática mais medieval do que Game