O ERRO DE LULA É SE AVENTURAR DEMAIS NUMA VELHICE FRÁGIL QUE EXIGE CUIDADOS.
Ando muito cético e bastante realista com os rumos do Brasil nos últimos oito anos. E por isso mesmo eu, que sou de esquerda, desisti de optar meu voto por Lula desde que ele passou a encarar a realidade distópica do Brasil de maneira superficial. E olha que ele foi vítima dela. Ele foi preso, e não era para ficar falando em "reconstruir o país" com clima de festa, recebido com confetes e fumacinha e arrumando um dia de folga para uma praia com sua Janja.
Este blogue é o único a alertar que a campanha de Lula é a mais contraditória, confusa e cheia de erros de toda corrida presidencial. E é surreal que, no momento em que eu, que já fui tolerante com certos erros do petista, passei a fazer duras críticas a ele, os antigos antipetistas de ocasião tenham se tornado fanáticos apoiadores de Lula. Como a verdade dói, muitas postagens minhas que criticam duramente a campanha do petista demoram para serem lidas por mais gente.
Lula me decepcionou, e muito. Já fiquei triste com a prisão dele, até 2020 eu admirava ele. Depois que ele passou a adotar um astral de festa diante de um Brasil devastado e foi se aliar com aqueles que divergem de seu projeto político, coisas que eu alertei, em postagens anteriores, que não deveriam ter sido feitas pelo petista.
Porém, Lula preferiu ser contraditório e ambíguo, falando uma coisa e outra bem diferente conforme o público que ouve ele falar. Se o público é de trabalhadores, jovens, movimentos sociais e grupos identitários, Lula produz um arremedo de discurso enérgico do antigo líder sindical que desapareceu para sempre, apesar de continuar resistindo no imaginário de seus seguidores. Se o público é de empresários e banqueiros, Lula suaviza e tenta se moldar conforme as expectativas das elites do dinheiro.
Como jornalista, eu junto as peças do quebra-cabeça. Leio vários veículos da mídia, do Brasil 247 ao Estadão. Leio desenvolvendo o senso crítico, analisando os lados diversos de uma questão. Acompanho até mesmo os textos da mídia progressista que agora fazem uma defesa extremada ao Lula, a ponto de dizer que não existe mais outra alternativa para o voto presidencial.
Lula não tem sutileza nem estratégia. Os lulistas lincham a Terceira Via, se esquecendo que esta iria pulverizar os votos não de Lula, mas de Bolsonaro. E essa surra, que atinge principalmente Ciro Gomes, acaba revelando a arrogância e o autoritarismo dos petistas, e seu nivelamento com Sérgio Moro na adoção de métodos excepcionais para forçar a vitória de Lula.
O presidenciável do PT parece não se dispor a enfrentar pacientemente todos os ritos do processo eleitoral, obrigatórios para quem exerce um compromisso democrático. Lula não é nem deve ser visto como a "via única" e, se ele é considerado o mais vantajoso, deveria provar isso enfrentando os rivais, encarando uma multiplicidade de candidatos no primeiro turno.
Lula se nivela a Moro porque, enquanto este defendeu a prisão em segunda instância, sem outras etapas de garantia da defesa de um acusado na Justiça, o petista defende um primeiro turno com sabor de segundo, praticamente só com ele e Jair Bolsonaro, enquanto os concorrentes tentam ser eliminados através das negociações partidárias para a chamada "frente ampla", que defino como frente ampla demais.
A verdade é que Lula está fazendo tudo errado e, infelizmente, não se pode criticar ele. Só que as críticas aqui correspondem aos erros que Lula realmente comete, e não aqueles erros fictícios do mais histérico imaginário antipetista. Mesmo assim, agora existe uma idolatria cega a Lula, que transforma os lulistas em verdadeiros valentões, a humilhar grosseiramente quem não compartilhar de sua causa eleitoral.
Em nome de uma suposta "recuperação da democracia", com Lula atraindo para si forças divergentes que, em dado momento, impedirão a realização de pautas como o cancelamento da privatização da Eletrobras, a cobrança de impostos aos mais ricos e as revogações da reforma trabalhista e do teto de gastos - e isso para não falar da reforma agrária - , os lulistas agem de forma antidemocrática.
Ou seja, os concorrentes não podem "respirar". Seja Sérgio Moro ou João Dória Jr. - que avisou ter saído da vida política - , ou Ciro Gomes e Simone Tebet, ou qualquer outro, eles são diariamente massacrados pelos lulistas, que veem no candidato do PT a "via única" ou a "certeira via", demonstrando seu histérico e perigoso autoritarismo.
E Lula, sem perceber que a realidade do Brasil está, de fato, pior do que a de 2003, quer prometer tudo em clima de festa. Acha que poderá consertar tudo em pouco tempo, o que em si não é ruim, em tese. Mas o contexto da realidade atual e as alianças com forças divergentes - que inevitavelmente puxarão o tapete do petista - mostram que o "trabalho difícil" de Lula será abortado, e ele fará bem menos do que até mesmo um neoliberal da Terceira Via poderia fazer.
Um exemplo disso é quando Lula fala em resgatar o "Estado forte", enquanto o petista está abraçado aos apóstolos do Estado Mínimo, que não suportam o Estado cuidando de instituições financeiras, da área petrolífera, das entregas de correspondências, sendo forçados a aguentar a existência da Educação e Saúde públicas, depois de tantos fracassos nas tentativas de privatizações.
Com as informações de bastidores de que não ocorrerá a revogação do teto de gastos, mas uma reformulação que flexibilizará seus valores, Lula não poderá cancelar a privatização da Eletrobras, porque não terá autorização política para tanto - seus aliados o impedirão, a partir do próprio Geraldo Alckmin) - e também não haverá dinheiro autorizado pelo Orçamento da União para Lula recomprar as ações da estatal, até porque o preço será muitíssimo caro.
Diante de tantas e inúmeras contradições - tantas que os lulistas de ocasião, hoje em dia, fogem de textos realistas deste blogue - , ficamos imaginando se não teria sido melhor Lula ter se aposentado e apontado um sucessor para ser presidenciável do PT.
Lula está idoso, doente, teve histórico de câncer e apresenta um semblante cansado que mal consegue disfarçar. Seus cabelos caem não como em uma calvície saudável, mas por sintoma de alguma doença grave. Os exercícios físicos são mais para evitar males cardiovasculares do que para demonstrar alguma força, por sinal hipotética.
O grande perigo é que Lula enfrentará todo tipo de pressão. Com 77, 78 anos e encerrando o mandato com 81 anos, Lula não tem forças físicas para aguentar as mais pesadas pressões não só de seus opositores, mas mesmo de aliados mais à esquerda. Trabalhadores farão greves durante seu governo, causando vergonha no presidente e dando munição para a violenta oposição bolsonarista que se formará provavelmente em 2023.
São pressões muito pesadas e constantes, são tensões frequentes e críticas mais pesadas e violentas do que as que o nosso blogue apresenta, enérgicas mas dentro do clima equilibrado da argumentação lógica. Com uma missão de consertar o país com um trabalho muito árduo, Lula não conseguirá realizar boa parte de suas propostas, e o risco de desagradar alguém é inevitável, seja esse alguém de esquerda ou direita.
O fenômeno Lula, portanto, é uma das piores coisas que aconteceram na corrida presidencial, com toda uma coleção de contradições e equívocos, que podem fazer com que seu governo seja um desastre, devido às pressões violentas de todos os lados. As pessoas ficam fantasiando tanto, mas a verdade é que não dá para levar essas ilusões da "esperança" e do "Brasil feliz" a sério, diante do contexto distópico do nosso país e das elites que não querem largar o osso.
Se Lula tivesse se aposentado e desistido da corrida presidencial, ele poderia ter obtido o sossego e o descanso de todo idoso fragilizado. Poderia viajar com Janja, viver de palestras, fazer consultoria e escrever suas memórias. Poderia ter encerrado sua história com dignidade, evitando empreitadas muito arriscadas para o contexto de sua velhice que inspira cuidados rigorosos com a saúde.
Optando, muito idoso (em 2023, Lula terá cerca de seis anos a mais que Getúlio Vargas na idade final e três a mais do que Tancredo Neves na mesma condição terminal), por uma arriscada aventura política, Lula tende a se desgastar demais pelas pressões violentas que enfrentará, já que desta vez a crise brasileira não é uma marolinha, mas um tsunami de gigantescas proporções.
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