As pessoas não entendem por que eu falo de maniqueísmo fácil entre raiva versus alegria. Ficam assustados com os títulos de postagens assim no meu blogue e imaginam que eu preferiria viver numa nação movida pelo ódio e pela intolerância.
Não, nem de longe tenho esse desejo. O que eu vejo é que eliminar o ódio, por si só, como uma causa abstrata, virou o fim último dos brasileiros, que agora abraçam uma "democracia" qualquer nota, em que o único lixo sociocultural admissível é aquele cujo motor psicológico é a raiva, temperada pela intolerância social.
A nova realidade desmascarou as esquerdas médias, que já haviam decepcionado por causa dos "brinquedos culturais", ícones do conservadorismo não-raivoso que os esquerdistas de boutique acolheram, como se o Brasil fosse uma novela das nove da Rede Globo.
Afinal, não se quer desenvolvimento social, fim das desigualdades, progresso econômico, progresso cultural, e nem a verdadeira alegria se livra de muletas como a cerveja, o futebol e a religião. O que se quer é que tudo fique como está, apenas eliminando tudo aquilo que é associado ao bolsonarismo, aquela raiva estereotipada, de vilões histriônicos típicos de estórias infanto-juvenis.
Para quem acha que o marxismo se aprende com um patético sucesso de axé-music, vale tudo. Até obscurantismo religioso que, de graça, ganha rótulo de "progressista" e "libertador", mesmo defendendo a permanência do oprimido na sua desgraça. O "humanismo de resultados" trazido pela vitória eleitoral de Lula mostra que altruísmo tem limites, que o pobre pode comer três refeições por dia, desde que continue na sua pobreza, agora vista como "identidade" e não como um grave problema social.
Apenas se tiram os pontos extremamente negativos, mas sem que empurrasse o Brasil para a frente. Culturalmente, o Brasil está muitíssimo pior do que em 1963, e para piorar as coisas as esquerdas médias mais "ilustradas" ainda acreditam que basta chover dinheiro na estéril horta brega-popularesca para que o talento se germine como uma árvore imensa e frutífera. Grande ilusão.
E aí somos convidados a não dizer que algo está errado. Se existe bregalização cultural, fisiologismo político, coronelismo midiático e um neoliberalismo fantasiado de "socialismo democrático", temos que aceitar tudo calados e com sorrisos largos no rosto, porque o Brasil quer o método maquiavélico de virar potência mundial: pouco importam os meios, importa é atingir o objetivo.
Aliás, temos que acreditar que nada está errado. Lula errou na campanha presidencial? Errou, e não só muito, mas de maneira vexaminosa - como faltar aos debates do SBT e Record, tendo arrumado com antecedência comícios de rua que "chocassem" com os horários televisivos - , o que resultou na vitória apertada que conseguiu no segundo turno, quando achava certo que iria ganhar disparado no primeiro.
Sei que existe uma ânsia enorme de uma parcela da sociedade em encerrar e enterrar o bolsonarismo, mas devemos nos lembrar de que não se reconstrói um país botando a sujeira sob o tapete, ainda mais quando a maioria do culturalismo "positivo" que a "boa sociedade" aprecia segue uma linhagem que veio da indústria do entretenimento vigente na ditadura militar. Vide a bregalização cultural, que, apesar de exaltada por setores influentes e prestigiados da sociedade, tratam o povo pobre como idiota.
Eu fico preocupado quando vejo que o que a "boa sociedade" brasileira quer é a volta do "normal" do Brasil de Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso ou das sabotagens do culturalismo brega da Era Lula - vide a campanha hipócrita do "combate ao preconceito" descrita no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... - , sem que haja um progresso profundo no Brasil.
Trata-se apenas de um progresso limitado, que culturalmente se manifestou nesse alarmismo hipócrita da intelectualidade "bacana" - incluindo um Eugênio Raggi que fez um texto grosseiro contra mim e eu o reproduzi em Esses Intelectuais Pertinentes... - , que nunca se empenhou por melhorias culturais, mas para defender e blindar um mercado de música brega-popularesca patrocinado em grande parte por grandes magnatas de multinacionais e poderosos latifundiários do interior do Brasil.
Não se trata, para essa "boa sociedade", de transformar o povo pobre numa classe próspera e vivendo com plena dignidade e qualidade de vida, mas apenas fazer de sua pobreza algo "suportável". Comer três refeições por dia, receber R$ 600 de Bolsa Família e mais R$ 150 por cada filho com até seis anos, e apenas contar com luz, água encanada e conexão de Internet nas favelas, mas sem sair da simbologia da pobreza, se mantendo em condições simbólicas de miséria, apesar do relativo conforto.
Por isso é que o Brasil de hoje mergulha numa ilusão de algo que, na teoria, é muito grandioso e promissor, trazendo a fantasia de que nosso país irá atingir o Primeiro Mundo a partir do próximo ano. Mas, na prática, se verá que tudo não passa de conversa para boi dormir, e, depois desse momento em que todos temos que sorrir calados para que nossa pátria vire potência mundial de qualquer jeito, a realidade cruel mostrará que será preciso, sim, apontar que há muita coisa errada aqui no Brasil.
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