POR TRÁS DA POLÊMICA COM O "MERCADO", LULA, ATÉ PELA INFLUÊNCIA DE GERALDO ALCKMIN, ASSUMIU QUE NÃO VAI REVOGAR A REFORMA TRABALHISTA DE MICHEL TEMER.
Foi como fazer de um copo de água uma tempestade. A "polêmica" de ontem, envolvendo o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva e as elites ortodoxas da Faria Lima, foi tão boba e simplória que é difícil não suspeitar, pelo menos para quem não pensa os fatos de maneira fragmentada, que esse factoide tenha sido combinado entre o presidente eleito e a parcela da alta burguesia que o ajudou a se eleger.
Tudo começou quando Lula, que pretende pedir uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que se crie um waiver (autorização para que se gaste fora do teto de gastos públicos) para medidas sociais que incluem, entre outras coisas, transferência de renda, como Bolsa Família, auxílio para filhos de até seis anos e o aumento anual do Salário Mínimo. A PEC da Transição, como é chamada, prevê um furo de até R$ 175 bilhões além dos R$ 1,712 trilhão previsto pelo teto de gastos para 2023.
A proposta causou perplexidade no mercado financeiro, e o IBOVESPA registrou uma queda de 3,35%, com o dólar comercial subindo no índice de 4,14%, de R$ 5,396 para R$ 5,397. O mercado está mais preocupado com a estabilidade fiscal, enquanto Lula, em discurso feito anteontem em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil - onde trabalha o governo de transição - , para parlamentares, defende que sua prioridade é o "combate à fome".
Em declaração dada à imprensa, ontem, Lula criticou o desempenho negativo da Bolsa de Valores de São Paulo. "O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso durante quatro anos (do governo) Bolsonaro", disse.
Lula também acrescentou:
"Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam ‘é preciso cortar gasto, é preciso fazer superávit, é preciso fazer teto de gastos’? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que não estabelecemos um novo paradigma de funcionamento deste país?
"A única razão que tenho de voltar a exercer o cargo de presidente é tentar restabelecer a dignidade do nosso povo. E a prioridade zero, outra vez, o mesmo discurso que disse em dezembro de 2002, não tenho que mudar uma única palavra: se, quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro tiver tomando café, almoçando e jantando outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida".
A desavença existe, de fato. Mas é estranho fazer tanto furacão com um vento que mal derruba uma folha. Sabemos que Lula, devido aos acordos com a frente ampla demais, cedeu muito de seu projeto progressista que só sobraram meios pragmáticos de resolver a pobreza e o desemprego, dentro de um programa de governo que, na essência, é neoliberal.
Ou seja, fez-se muito barulho por nada. O mercado não está tão assustado com Lula e Lula não é tão divergente com o mercado. Toda a polêmica soou supervalorizada, como naquele caso da transparência da urna eletrônica, uma polêmica tão exagerada que a urna eletrônica foi tratada como se fosse uma pessoa física, uma donzela que foi xingada por Jair Bolsonaro.
Por trás dessa polêmica toda, um fato passou e as esquerdas médias ficaram indiferentes, ainda sonhando com o "Lulão dos sindicatos" ressurgindo como leão bravo no Palácio do Planalto. É que Lula assumiu que não vai revogar a reforma trabalhista, um dos amargos legados do governo Michel Temer.
Lula apenas vai mexer em poucos pontos. Três deles foram anunciados: o trabalho intermitente, a ultratividade (prolongamento das negociações entre patrões e empregados) e os contratos individuais. Como eu havia previsto, a aliança de Lula com a frente ampla fez com que, da reforma trabalhista, apenas alguns pontos drásticos fossem eliminados.
É o terceiro recuo de Lula, depois que ele decidiu não romper necessariamente com o teto de gastos públicos, prevendo apenas um novo limite ou o desmembramento das propostas de transferência de renda do referido orçamento para o próximo ano.
Lula também irá limitar os gastos com a educação básica, e, portanto, tudo indica que os investimentos públicos devem priorizar a Parceria Público-Privada, bandeira do vice Geraldo Alckmin, que Lula já pediu para que seja tratado como "presidente".
O governo Lula não começou oficialmente, e o presidente eleito já está mostrando que sua conduta política será muito mais moderada, branda e conservadora do que a dos dois mandatos anteriores.
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