Quem estiver imaginando que o velho Lulão das lutas sindicais dos anos 1970 irá retornar em algum momento do seu governo, é bom desistir completamente. O Lula, fisicamente falando, como pessoa está vivo, embora esteja muito velho para os 77 anos de idade que tem hoje. Correram boatos de que ele teve AVC ou infarto, ou que morreu e foi substituído por um sósia com "dez dedos".
Esses boatos são infundados. Já o câncer eu desconfio que Lula esteja sofrendo mesmo da doença, mas o eufemismo das informações aponta apenas uma simples leucoplasia, doença de inflamação da garganta. Em todo caso, aparentemente, Lula está com a saúde estável, sob controle.
O que realmente morreu foi aquele Lula sindicalista e tudo o que representava de esquerdismo, que já era moderado em seu tempo, mas tinha lá a sua visceralidade, a sua relevância. Hoje Lula virou um pelego neoliberal, que em nome da governabilidade e da frente ampla está suavizando demais seu programa de governo, tudo para garantir o mínimo denominador comum das pautas sociais apreciadas tanto por forças progressistas quanto conservadoras.
Isso não é opinião. São fatos que demonstram que Lula tornou-se um neoliberal, vivendo um louco flerte com as elites empresariais da Faria Lima, comandadas por João Camargo - dono da 89 FM que, como "rádio rock", decaiu "de cima" como "Jovem Pan com guitarras" com estrutura "empresarial demais" para ter representatividade entre os roqueiros - , que mais uma vez promoveu um encontro entre os donos do poder econômico para avaliar o vindouro governo Lula.
Presente no evento, Geraldo Alckmin, o vice-presidente da chapa eleita, que terá mais voz e vez que o PT no governo Lula e hoje comanda o processo de transição governamental, afirmou que a reforma trabalhista do governo Michel Temer será mantida, mesmo. Sim, e isso apesar das reclamações de que esse retrocesso nas leis trabalhistas não estimulou a geração de empregos conforme as elites do golpe de 2016 esperavam.
O próprio Lula não quer a volta da antiga CLT. E tudo indica que a reforma trabalhista de Temer apenas será "menos dolorosa", com algumas brechas para os sindicatos de trabalhadores nas negociações trabalhistas, sem no entanto deixar de lado os interesses empresariais, que geralmente pesam mais nesses acordos.
Há também questões que serão inseridas, como os contratos de trabalho individual, o trabalho intermitente, o home office e os trabalhadores de aplicativos de Internet. Várias propostas corretas e necessárias, sim, mas dentro de uma perspectiva mais neoliberal que trabalhista.
Lula trabalha sua transição de forma a costurar apoios da chamada frente ampla. Em certos casos, tende a acertar, como a despolitização das Forças Armadas. Apesar da polêmica de querer indicar um civil para o Ministério da Defesa, a ideia é deixar as Forças Armadas como uma instituição de serviço público, em situações de paz institucional e social. Mas a intenção é desvincular as Forças Armadas de qualquer risco de ligação direta ou indireta com o bolsonarismo.
As virtudes do governo Lula serão inerentes a um governo neoliberal comum. Os acenos sociais serão poucos e muitíssimo moderados. No momento, se discute a prioridade da PEC da Transição, voltado a tirar provisoriamente (dois anos) o programa Bolsa Família do teto de gastos, garantindo a este projeto um investimento de até R$ 198 bilhões.
As esquerdas médias falam do Bolsa Família como se fosse um projeto revolucionário, mas não é. É apenas uma verba emergencial para famílias extremamente pobres, mas dificilmente é um programa de rentismo popular. Mas muita gente tenta definir o Bolsa Família como se, por um milagre, R$ 600 se multiplicasse em R$ 10 mil ou mais, sem que desse uma explicação objetiva.
Enquanto isso, o bolsonarismo segue forte, à revelia do próprio Jair Bolsonaro. Um militar da divisão administrativa do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o primeiro-sargento da Marinha, Ronaldo Ribeiro Travassos, ameaçou exterminar eleitores de Lula e impedir que o presidente eleito tomasse posse. As instituições que zelam a legalidade no Brasil, como o Poder Judiciário, garantiram que Lula tomará posse e um esquema de segurança será armado para impedir qualquer atentado.
Sim, Lula está legitimamente eleito, vai governar e o ideal mesmo é que tudo seja garantido para que este mandato se realize em paz. O que vamos fazer é divergir no campo das ideias, até com críticas enérgicas, sim, mas sem promover atos violentos nem golpistas.
Por outro lado, não devemos nos fantasiar e se deve reconhecer que o Lula esquerdista acabou por definitivo. Até o presidente dos EUA, Joe Biden, está "entusiasmado" com a vitória eleitoral de Lula e cogita-se que ele vá comparecer à cerimônia de posse. Para os próximos dias, dois funcionários da Casa Branca virão ao Brasil para conversar com o petista.
Portanto, antes que alguém se precipite e defina Lula ainda como um político de esquerda, é bom corrigir e cair na real, porque o presidente eleito eliminou o pouco que havia, até anos atrás, de esquerdismo, e tudo o que o novo governo irá fazer é apenas corrigir as mazelas de Bolsonaro e devolver o Brasil aos parâmetros próximos do governo Dilma Rousseff. Deixemos essa fantasia de "Brasil feliz de novo". O país está arrasado demais para pensarmos nessa expectativa.
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