As elites do atraso, que agora trocaram o modo Mr. Hyde de ser, durante os anos golpistas de 2015 a 2022, para o modo Dr. Jekyll, no finalzinho deste ano, defendem um Brasil qualquer nota, desde que arrumadinho e sem toda aquela simbologia do "contra". Ou seja, criou-se uma estranha polarização que se define pelo estado do humor: "raiva" virou coisa de "direita" e "alegria", coisa de "esquerda".
Esse maniqueísmo chega a vários equívocos, como rejeitar o senso crítico, porque questionar, contestar, ver alguma coisa errada, é ser "do contra", o que é tido, agora, como "de direita". Ser "de esquerda" é ser "a favor", não de coisas negativas ligadas ao bolsonarismo, mas de coisas "positivas" de qualquer espécie, mesmo aquelas mais conservadoras e nem tão positivas quanto se parece, mas são carregadas de uma vibração (vibe, em portinglês, dialeto da Faria Lima e do Projac) agradável e "para cima".
Por isso, temos que ficar calados diante desse projeto de Lula colocar o Brasil no Primeiro Mundo. Debates, só quando necessário, e mesmo assim com o máximo de moderação nos argumentos. A ideia não é dizer que o erro é errado, mas "aperfeiçoar" esse erro para que ele seja visto como certo, mesmo que não deixe de ser um erro.
Se, por exemplo, o projeto esquerdista de Lula, na prática, não existe mais, usemos o termo "democracia" para definir uma política social qualquer nota. E fiquemos calados e sorridentes porque é assim que vai impulsionar o Brasil para um Primeiro Mundo de mentirinha, que possa ser "legitimado" em algumas páginas complacentes do New York Times e do The Economist. Se uma pequena parcela da imprensa gringa levar a sério a brincadeira do Brasil de ser "primeiro-mundista", os brasileiros ficam felizes e vão para a cama dormir tranquilos.
É estarrecedor que o Brasil esteja nas mãos de uma classe média que dita os valores a serem considerados supostamente "universais". A elite do atraso, agora "boazinha", mantém os valores "positivos" dos tempos da ditadura militar e combina com alguns valores progressistas, criando um repertório culturalista conservador moderado, mas sem raiva.
Podem ser religiosos conservadores, ídolos popularescos voltados à mediocrização cultural, mesmo ao ponto de abordar o povo pobre de maneira caricatural, como se fossem miseráveis de programa humorístico.
Jogadores de futebol milionários que apenas evitam sentimentos hidrófobos e opções políticas retrógradas (vide o "capitão" Jair...), "médiuns" que podem ser reacionários até a medula, mas falam macio e, entre um e outro apelo da Teologia do Sofrimento (que as esquerdas médias adoram e veem como uma "sofrência cristã"), da glamourização da desgraça humana, prometem a paz mundial e a posição do Brasil como nação-líder do planeta.
Uma "democracia" qualquer nota em que a burguesia continua ditando as rédeas da vida do povo brasileiro, com a moda do bom-mocismo e do "humanismo de resultados" tomando conta de políticos e economistas tucanos, agora abraçados a Lula. O povo pobre continua sem vontade própria nem chances plenas de prosperidade real, mas pode apenas minimizar a miséria com a relativa generosidade dos "novos progressistas" detentores do grande capital.
É contraditório. A classe média "legal", a elite do atraso, quer porque quer que o Brasil chegue ao Primeiro Mundo, ainda que isso seja "de mentirinha", com cidades arrumadas, estímulo ao consumismo, tecnologia de segunda mão mas relativamente avançada e instituições garantindo normalidade e liberdade social.
O que será deixado para trás, sob o rótulo do raivismo, é tudo aquilo que é considerado "contra o estabelecido". O Brasil será um país medíocre, qualquer nota, mas com todo mundo sorrindo e cantando, de mãos dadas, as canções popularescas que o poder midiático ensinou. Quando muito, os questionamentos humanos têm que ser um privilégio exclusivo de tecnocratas, para evitar convulsões sociais que podem botar o governo Lula a perder.
A sociedade brasileira está culturalmente medíocre, em muitos aspectos pior do que em 1963. E vamos alcançar o Primeiro Mundo com isso, com uma sociedade mais brega, mediocrizada, só porque ela se considera "legal" e difere da suposta sisudez do povo escandinavo? É evidente que não.
O que vemos agora é um modismo de uma sociedade que é só sorrisos. É a onda da positividade tóxica, da obsessão em ser feliz sem motivo, e por isso nossa sociedade "neo-progressista", onde cabem famosos antes alérgicos a Lula e agora apoiadores dele, desaconselha o senso crítico. Limita-se o raciocínio humano apenas a funções instrumentais que não afetem os privilégios das elites e nem a desigualdade social estrutural que Lula não irá combater.
O que haverá são paliativos, focando mais a vontade da classe média de comprar, consumir, curtir, sem o risco de ser assaltada na madrugada. Daí que os paliativos servem para amenizar a pobreza, mas evitando que os pobres tenham rigorosamente os mesmos benefícios e vantagens da "boa elite", podendo apenas se distrair no divertimento popularesco sem fazer protestos de verdade. Reforma agrária? Deixa para lá. Afinal, o agronegócio é agora amigo de Lula...
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