Uma amostra da decadência da axé-music, musicalmente velha, mofada e repetitiva, não bastasse ser ruim por si mesma, é quando uma rede de supermercados contratou Bell Marques para ser garoto-propaganda. O ídolo da axé-music demonstrou ser um péssimo cantor, do contrário da bajulação de um professor de cursinho para concursos que eu tive em 2006, que havia exaltado o então líder do Chiclete Com Banana.
Cantando um jingle com base num antigo sucesso do Chicletão, Bell não conseguiu adaptar o refrão para a rede de supermercados e ficou uma coisa malfeita, não bastasse o repertório musical do cantor ser muitíssimo ruim.
A voz de Bell Marques é péssima, horrível, só é bem processada nos discos de estúdio e "ao vivo" - ou melhor, de "estúdio com palmas", como havia dito Marcelo Nova certa vez - , e isso eu pode conferir, por volta de 1999, quando os carros tocavam CDs piratas de apresentações do Chicletão, que demonstravam o amadorismo tosco do então vocalista, diferente da mixagem profissional que remixa a voz de Bell para soar "palatável".
Pois Bell está fazendo excursão por um cruzeiro marítimo, o Vumbora Pro Mar, ao lado de Durval Lélis, do Asa de Águia. Bell e Durval são dos poucos intérpretes de axé-music que são empresários e comandam suas carreiras, pois a maioria dos grupos do gênero faz a linha "grupos de empresários", pois os empresários é que são os verdadeiros líderes desses conjuntos, apesar do vocalista de plantão ser usado como marca até em cartazes de eventos ao vivo de axé-music.
Mas, em todo caso, axé-music, que é uma mera dance music de baiano, sem vínculo real com as raízes africanas nem caribenhas, quer também a sua fatia nesse bolo fecal do falso vintage da música popularesca, esse "saudosismo de resultados" que tenta relançar o comercialismo musical brasileiro dos últimos 50 anos como falsa vanguarda, falsa sofisticação, falsa nostalgia, explorando principalmente as lembranças solipsistas do público ouvinte.
E aí vemos É O Tchan, Terra Samba, Gang do Samba e o extinto Harmonia do Samba - quase todos com o nome de "samba", mas que não honram esse estilo associado à luta por dignidade do povo negro - sendo alvos de pretenso saudosismo, com atores da Rede Globo dançando os sucessos nas festinhas diversas. E ainda tem Psirico, Léo Santana e similares no embalo.
O primeiro Carnaval de Salvador pós-pandemia, a ocorrer em 2023, tem esse gancho pseudo-nostálgico, num Brasil em que Michael Sullivan é tido como "vanguarda", um "Tom Jobim" para o gosto rasteiro dos vira-latas culturais enrustidos. Até a canastrona Ivete Sangalo, que se acha "dona da MPB", evidentemente está no embalo, dando um tempo na falsa sofisticação musical para fazer a tal "música pra pular brasileira".
Só que a axé-music soa tão velha, repetitiva, sem graça e, como sempre, musicalmente ruim, e não há possibilidade de alguma renovação. Afinal, não adianta sequer implantar o ISO 9000 na axé-music para fazer Xanddy e Bell Marques terem, respectivamente, 1% dos talentos de Riachão e Moraes Moreira, que será inútil. Dinheiro e programa trainée não trazem talento em si. Deixemos de nos iludir.
Sei que a MPB autêntica, aparentemente, não trouxe, nos últimos 45 anos, ritmos considerados divertidos e vibrantes. E sei também que a música brega-popularesca virou o "novo normal" em termos de música brasileira. Mas não podemos levar gato por lebre e fingir que tudo é "genial" na música popularesca, e achar que música "não-comercial" é a tal "Novinha do OnlyFans".
A música brasileira merece respeito. Enquanto a música brega-popularesca, em suas diversas variações, é alvo de uma campanha pretensamente nostálgica, o "tribunal da Internet", principal instância do Supremo Tribunal do Umbigo, esculhamba saudosos emepebistas, como Elis Regina, João Gilberto e Renato Russo, que, infelizmente, viraram "vidraça" sem justificativa, devido às ações arrogantes dos sociopatas das redes sociais que acham que o universo gira em órbita por seus egos.
E aí vemos o comercialismo da música brega-popularesca se reciclando e crescendo como câncer maligno, enquanto a MPB se torna quase um Retiro dos Artistas musicais, ainda que vários de seus artistas, mesmo octogenários, estejam ativos e produzindo discos musicalmente vigorosos. Falta renovação e revigoramento na MPB autêntica, enquanto o comercialismo musical brega-popularesco engana a população com seu "saudosismo de resultados" para renovar o mais do mesmo. Triste.
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